Entrevista da semana

'Se nós não tivermos mecanismo de reversão, vira só um negócio para latifundiários'

Autor do PL que regulamenta o mercado de carbono no Brasil, Marcelo Ramos diz que é preciso garantir, nesse novo nicho, geração de renda para população locais

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
23/07/2023 às 07:20.
Atualizado em 23/07/2023 às 08:14

Ex-deputado federal Marcelo Ramos diz que o presidente da Câmara, Arthur Lira, deve trocar a relatora do PL do Mercado de Carbono (Foto: Jeiza Russo)

O governo federal deve apresentar no próximo mês uma proposta para regular o mercado de carbono no Brasil. A ideia é que o Brasil siga o exemplo de outros países do mundo e tenha um mecanismo regulamentado para monetizar a não emissão de gases nocivos à atmosfera. 

Autor do Projeto de Lei 528/2021, que  trata do mesmo tema, o ex-deputado federal Marcelo Ramos e atual consultor da Petrobras considera a proposta do governo positiva e similar à ideia que ele já havia pensado. 

Em entrevista para A CRÍTICA, Marcelo Ramos disse que se reuniu nesta semana com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e pediu que o governo opte por apoiar o projeto que ele apresentou ao Congresso Nacional.

A estratégia, de acordo com Ramos, é ganhar algum tempo para regular o mercado de carbono antes da próxima edição da COP, a 28, que acontecerá em novembro, em Dubai. O evento reúne líderes do mundo inteiro para debater clima e meio ambiente. 

O senhor teve acesso à proposta de governo para regulação do mercado de carbono? Se sim, no que difere da que o senhor já havia apresentado em 2021, enquanto deputado?

A proposta do governo é muito parecida com a nossa. Na verdade, o próprio secretário Rollemberg [Rodrigo, do MDIC] relata que o meu projeto 528/2021 foi a base de elaboração do projeto do governo. Eu diria que tem algumas coisas que diferem. A primeira é que o projeto do governo estabelece que só terão mercado regulado aqueles que emitirem acima de 25 mil toneladas por ano. Aqueles que emitem de 10 a 25 mil vão ter um sistema de registro. Já acima disso tem de compensar [a emissão de carbono]. 

Esse limite não existia no meu projeto, mas gosto da ideia. Acho que o do governo é melhor nesse aspecto. Outra diferença no projeto do governo, e aí tenho ponderações, é que ele avança bastante em estabelecer regras para o mercado voluntário. O mercado voluntário é voluntário e, se você estabelece muitas regras, deixa de ser voluntário. Então, isso é algo que tenho observações. 

A última é que o governo avança em estabelecer regras para projetos florestais de reed feitos em áreas quilombolas ou indígenas e entendemos que a única condicionante deve ser aplicar a regra de que as comunidades têm de ser consultadas. Em sendo consultadas, as regras podem ser estabelecidas por autodeterminação desses povos. 

Mas isso é um tema absolutamente secundário. Basta que o do governo tem muita convergência com o meu e espero que a gente chegue num texto que contemple e que possa aproveitar o fato de que o meu projeto já tem urgência aprovada, não precisa nem passar nas comissões. 

O senhor se reuniu com o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento Econômico, Geraldo Alckmin, na quarta-feira. A pauta foi justamente esse projeto. Como foi?

 Tive uma conversa muito longa com o presidente Alckmin e pedi a ele, e ele ficou de avaliar com o presidente Lula, foi apenas que, ao invés de mandar um novo projeto de lei, eles assumam o apoio ao meu projeto de lei e a gente converse com o relator para ele fazer as alterações que o governo julgue necessárias quando da votação do substitutivo com apresentação em Plenário. 

Uma reportagem do Estadão, feita com base na minuta do governo, afirma que o setor menos afetado por essa regulação do mercado de carbono será o agro. Segundo o Mapa de Emissões de gás carbônico do Observatório do Clima, a agropecuária é a segunda atividade com maior emissão de gases nocivos, no Brasil. Qual a sua avaliação sobre isso?

 Acima de 25 mil toneladas são pouquíssimos setores da economia que emitem. Esse limite vai atingir o setor de combustíveis, cimento, minério de ferro e talvez energia elétrica. 

O problema do agro não é emissão de gás carbônico, o problema é desmatamento ilegal. E nem acho que seja problema do agro, porque o agro regular desmata pouco, faz o desmatamento legal, permitido pela legislação. Lugar nenhum do mundo estabeleceu metas para o agro. Não existe nenhum modelo do mundo em que o agro tem metas reguladas no mercado de carbono.

O que se tem que discutir em relação ao agro é a capacidade que ele terá de monetizar o que absorve de carbono da atmosfera. Isso é outra história. A atividade agropecuária, seja qual for, ou mesmo a reserva legal, absorve gás carbônico da atmosfera. 

O problema de monetizar isso é uma questão de mercado, tanto que o nome é mercado de crédito de carbono. Ou seja, o mercado valoriza crédito de uma área que tem pressão de desmatamento, mas não valoriza um crédito de uma área que não é desmatada por obrigação legal.

Quais são as metodologias para validar um crédito de carbono? Como fazer isso?

No mercado voluntário, atualmente, é em área com pressão de desmatamento. É o cara que tem autorização para desmatar 20%, no caso da Amazônia, mas ele opta por não fazer isso, prefere gerar crédito de carbono. Também o cara que pode fazer manejo florestal, mas opta por não fazer isso e sim gerar crédito de carbono. Essas são as metodologias que existem. O problema no mercado não é você validar seu crédito, é ter quem compre. O agro pode validar o crédito de uma reserva legal? Pode. Agora, ninguém vai ter garantia de que vai haver comprador para esse crédito. 

E como a regulação do mercado de carbono pode ser integrada a outras políticas que visam combater as mudanças climáticas e até o próprio desmatamento, um dos causadores da emissão de gases nocivos?

O objetivo final de regulamentar o mercado de carbono é diminuir o nível de emissão de gases de efeito estufa. Como vai se fazer isso? Vai estabelecer uma meta para um setor da economia. Vamos pegar combustíveis fósseis. Vai poder emitir 25 mil metros cúbicos de gás carbônico por ano. Quem emitir 27 mil vai ter que compensar os dois que emitiu a mais.

 Como vai fazer isso? Ou vai reduzir suas emissões, implantando novas tecnologias para ter uma redução mais limpa, ou vai comprar crédito para compensar essa emissão. E quem emitir abaixo dos 25 mil vai ganhar um crédito dessa diferença. Então, quem emitiu 27 mil tem de comprar 2 e quem emitiu 23 mil vai ter 2 para vender. 

O que achamos é que tem de ter no projeto, uma lacuna que falta preencher. Tem de ter um mínimo de compensação que seja por crédito florestal obrigatoriamente. Isso porque vai haver dois tipos de crédito: o da floresta preservada, ou de reflorestamento, e vai ter o crédito da empresa que emitiu menos do que poderia. 

Por que é necessário fazer essa alteração na proposta?

Se eu não obrigar que a compensação seja feita com crédito florestal, posso gerar um negócio só de empresa com empresa, e aí não crio um mecanismo de geração de riqueza a partir da floresta em pé, o que já existe no mercado voluntário, mas que no mercado regulado seria melhor, porque eu vou aumentar a compra de crédito e, portanto, a riqueza gerada para essas populações tradicionais.
 

Tem uma coisa muito importante. Esse negócio de crédito de carbono tá virando uma corrida. Todo mundo só fala disso, todo mundo quer comprar área na Amazônia para zerar crédito de carbono. Isso não pode ser um negócio que só lucre os grandes proprietários de áreas rurais no Amazonas.

Isso tem de ser um negócio que lucre a população ribeirinha, o indígena, o quilombola, por isso, é fundamental ter um mecanismo de reversão para as populações tradicionais. O cara tem uma área imensa titulada no nome dele, mas tem gente morando lá, tem ribeirinho, indígena, e se nós não tivermos um mecanismo de reversão, vira só um negócio para latifundiários ganhar dinheiro.

E como garantir que a riqueza gerada chegue até essas populações mais pobres?

São dois caminhos: o primeiro é você condicionar a validação do crédito à implantação de projetos socioambientais na área. No mercado voluntário do Brasil já tem isso atualmente. O segundo é você obrigar que percentual da venda do crédito seja obrigatoriamente revertido para as populações tradicionais que ocupam aquela área que gerou o crédito. 

 Como fazer essa reversão?

 Todo projeto de crédito de carbono tem uma espécie de gestor. Então, tem alguém que implanta um projeto socioambiental, uma empresa de auditoria que garante que os créditos realmente existem e tudo mais. Você vai criar um mecanismo em que cada venda desse crédito, parte do recurso vai ser transferido para aquela população local. Qual vai ser o mecanismo? Pode ser uma associação de moradores, uma cooperativa, depende. 

Há outro aspecto da proposta do governo que lhe chame a atenção?

Acho que tem um ponto político importante. Esse projeto [que eu apresentei] ia ser votado na legislatura passada. A relatora é a deputada Carla Zambelli. Na hora de votar, a urgência foi aprovada só com o partido Novo sendo contra. Todos os outros votaram a favor. Quando foi na hora de votar o projeto, a Carla Zambelli mudou o projeto inteiro por pressão do governo Bolsonaro e acabou que voltou para o zero. 

O presidente Arthur Lira tem um compromisso comigo de trocar a relatora. Ele deve tirar a relatoria da Zambelli, entregar para outro deputado para que esse outro parlamentar faça um projeto alinhado com a ideia do governo e com a nossa ideia. Acredito que vá acontecer isso agora em agosto, outubro, no máximo. Temos que ter a meta de chegar à COP de Dubai [em novembro] com o mercado já regulado. Isso seria um ganho político muito importante.

Já há possíveis nomes para assumir a relatoria?

 Ainda não. Tem especulações, mas ninguém sabe ainda. 

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