Estudo conduzido na Unesp de Presidente Prudente indica que a técnica não invasiva promove benefício duradouro, reduzindo o risco de queda
(Foto: Agência Brasil)
Estudo brasileiro publicado na revista Gait & Posture constatou que oito sessões de estimulação elétrica transcraniana (tDCS, na sigla em inglês) promovem a melhora da resposta postural de pessoas com a doença de Parkinson, reduzindo assim o risco de quedas.
A técnica, considerada não invasiva, consiste em aplicar uma corrente elétrica contínua de baixa intensidade na cabeça para modular a atividade cerebral. Já tem sido aplicada para tratar alguns casos de depressão, bem como testada na recuperação de pessoas com desordens neurológicas, entre elas o acidente vascular cerebral (AVC). No caso do Parkinson, a estimulação elétrica transcraniana também tem sido empregada, mas segue sem um protocolo clínico definido.
“Trata-se de uma doença complexa e os sintomas variam muito de um indivíduo para o outro. Além disso, o controle postural é pouco responsivo ao medicamento. Nesse estudo, fomos além da investigação sobre o funcionamento ou não dessa técnica nas respostas posturais e demonstramos parâmetros neuromusculares envolvidos no controle da postura”, conta à Agência FAPESP Victor Beretta, coordenador do Laboratório de Neurociência e Comportamento Motor (Neurocom-Lab) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Presidente Prudente.
Financiada pela FAPESP, a pesquisa envolveu 22 voluntários com Parkinson. Os resultados indicam que, logo após o término das oito sessões, o protocolo resultou em melhoras na recuperação do equilíbrio frente a perturbação externa. E nas avaliações feitas um mês depois os efeitos do tratamento ainda estavam presentes.
Além da melhora na recuperação do equilíbrio, o protocolo também contribuiu para o que os cientistas chamam de “automaticidade no controle da resposta postural”, o que foi constatado pela diminuição do tempo em que o cérebro do voluntário leva para ativar o músculo envolvido na resposta postural e pela redução da atividade do córtex pré-frontal.
“A melhora da automaticidade é relevante no caso do Parkinson, uma vez que a neurodegeneração característica da doença altera a capacidade dos pacientes de realizar atividades automáticas, como as respostas posturais e o andar. Esse estudo foi importante por destacar que um mês após o término do tratamento a melhora na manutenção do equilíbrio persistia nesses indivíduos, que possuem risco elevado de quedas. Sendo assim, demonstramos pela primeira vez uma possibilidade de tratamento complementar para a instabilidade postural em pessoas com Parkinson”, comenta o pesquisador.
Protocolo experimental
Ainda não há uma cura para a doença de Parkinson, apenas um tratamento capaz de mitigar a deficiência de dopamina – neurotransmissor que os neurônios dos parkinsonianos deixam de produzir e cuja ausência desencadeia todas as alterações cerebrais.
Entre os sintomas que os pacientes podem ou não apresentar está a instabilidade postural, que se traduz na dificuldade em manter o equilíbrio em determinadas situações, decorrente da dificuldade de gerar reações posturais automáticas adequadas por problemas na interação do sistema sensório-motor com o ambiente.
O controle postural é um requisito imprescindível para a execução das habilidades motoras durante as atividades cotidianas. Em situações corriqueiras, como um desnível ou piso irregular, algumas pessoas com a doença de Parkinson tendem a não apresentar ajustes posturais suficientes para evitar a queda após um tropeço ou escorregão.
A técnica utilizada na pesquisa consiste em modular o funcionamento dos neurônios por meio de um aparelho com dois eletrodos que geram uma corrente elétrica de baixa intensidade (2 miliamperes) que atravessa a região mais superficial do cérebro durante 20 minutos. No caso dos voluntários com Parkinson, ela foi aplicada sobre uma área cerebral conhecida como córtex motor primário – associado à resposta postural e ao controle do movimento.
“Ao gerar uma corrente elétrica de baixa intensidade no cérebro podemos modular a prontidão dos neurônios. Essa estimulação não gera transmissão de impulso nervoso, mas modula o potencial de membrana para facilitar que ela aconteça”, explica.
De acordo com Beretta, a ideia é, a partir dos eletrodos, aumentar a excitabilidade neuronal (e possivelmente a atividade) do córtex motor, que está hipoativo nos pacientes com Parkinson. “Essa modulação permite facilitar a atividade neural para que, quando necessário, o cérebro dispare o que chamamos de potencial de ação [mecanismo básico para a comunicação entre os neurônios e para a contração muscular], fazendo com que aumente o número de disparos neurais nas áreas corticais e subcorticais envolvidas na recuperação da estabilidade e do equilíbrio postural”, diz.
Tanto antes quanto depois das sessões de estimulação elétrica os voluntários permaneceram em uma plataforma que se movia de modo imprevisível, provocando uma perturbação ao equilíbrio e, por consequência, exigindo resposta postural para manter a estabilidade. “Com isso, foi possível aferir o efeito dessas oito sessões de estimulação cerebral não invasiva na resposta postural a uma perturbação, num teste que simula o cotidiano dessas pessoas”, conta.
Segundo Beretta, foram observadas nos voluntários mudanças neuromusculares e na atividade cortical. “Constatamos que houve diminuição do tempo para ativar o músculo após a perturbação [reação mais rápida], o que é importante para controlar o desequilíbrio causado pela perturbação, podendo evitar possíveis quedas. Além disso, constatamos que essas mudanças foram acompanhadas pela diminuição da atividade de uma área cortical [córtex pré-frontal], o que sugere melhora da automaticidade do movimento”, diz.