Síndrome crônica

Jornada invisível: a luta silenciosa de quem convive com a filbromialgia e busca por reconhecimento

Entre peregrinações médicas e falta de empatia, pessoas com fibromialgia buscam visibilidade e tratamento adequado para uma condição debilitante

Amariles Gama
cidades@acritica.com
19/10/2024 às 12:08.
Atualizado em 19/10/2024 às 12:14

Reumatologista Guilherme Bulbol recomenda atividades físicas e outros tratamentos. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Uma verdadeira peregrinação”.  Assim, definem a jornada longa e exaustiva, seja física ou emocional, para o diagnóstico da fibromialgia. A síndrome crônica, caracterizada por dores generalizadas no corpo, fadiga intensa e sensibilidade extrema, muitas vezes acompanhada de problemas de sono e memória, apresenta grandes desafios na hora do diagnóstico.

Segundo o médico reumatologista, Guilherme Bulbol, o grande desafio para o diagnóstico é que várias outras doenças também apresentam os mesmos sintomas da fibromialgia. Então, é preciso fazer uma análise criteriosa para que outras síndromes ou doenças não passem despercebidas. 

Mas o critério principal é apresentar um quadro de dor generalizada difusa crônica por pelo menos mais de três meses, conforme destacou o médico ao comentar as consequências desses sintomas nos pacientes.

“Era aquele paciente que produzia muito no trabalho e ele começa a não dar conta mais, e aí ele começa a entrar em depressão, pode ter Transtorno de Ansiedade Generalizada, pânico, e isso afeta muito o dia a dia. No trabalho, eles sofrem muito porque as pessoas começam a falar: ‘Nossa, mas você não fez esse documento. Te pedi isso faz não sei quanto tempo. Mas você está sempre cansado, o tempo todo com dor’. E ele sofre muito com isso porque é uma doença invisível, as pessoas não veem alteração no corpo da pessoa”, explica o especialista.

Dor e desconfiança

A dona de casa Gilmara Guimarães, de 47 anos, até se emociona ao comentar sobre episódios em que teve que lidar, além da dor física, com a indiferença de quem não acredita nela.

Gilmara foi diagnosticada com fibromialgia há cinco anos. (Daniel Brandão/A Crítica)

Diagnosticada com fibromialgia há cinco anos, ela relata que antes disso, recorreu a vários médicos e ninguém dava um diagnóstico preciso, até que ficou acamada por dois meses por conta da doença, que, segundo ela destaca, é uma doença invisível, mas a dor é real.

“Tem dias que a gente passa meses acamada com as crises. Ela é incapacitante! E nós sofremos discriminação, até por parte da nossa família, porque eles nos olham e não temos hematomas, mas estamos ali com a dor, a fadiga e estamos ali de pé. Eu tomo Tramal e morfina para dor e nem assim ameniza, não passa”, disse Gilmara, com a voz embargada.

A farmacêutica Raquel Reis, de 44 anos, diagnosticada com fibromialgia há seis meses, afirma que faz um ano que ela não dorme direito e há dois anos sofre com os principais sintomas da fibromialgia. 

As crises de insônia, por exemplo, aumentam ainda mais a fadiga e ela já vem tendo até lapsos de memória. Raquel confessa que, por ser da área da saúde, também convive com o medo de comprometer a vida de outras pessoas por conta dos desafios da doença, que ela enfrenta diariamente.

“Cheguei a ir ao cardiologista porque comecei a ter umas crises e achar que estava infartando. Aí, automaticamente, ele me mandou para o psiquiatra, porque fez todos os exames e não deu nada. Já fui várias vezes ao pronto-socorro com alguns sintomas. Mas a gente sabe que não é psicológico, é da doença. Agora, a gente não sabe como tudo isso se desencadeia. Mas a fibromialgia existe, ela é oculta, mas ela existe, não é um ‘mimimi’, não é que a gente queira ter esse problema”, desabafou Raquel.

Raquel Reis descobriu há seis meses a doença autoimune. (Daniel Brandão/A Crítica)

Incidência

De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a fibromialgia é uma doença que afeta 2,5% da população mundial, com maior incidência em mulheres entre 30 e 50 anos de idade. Segundo a entidade, de cada 10 pacientes com fibromialgia, sete a nove são do sexo feminino. No entanto, a síndrome também pode acometer homens, idosos, adolescentes e crianças.

O auxiliar operacional administrativo, Denyson Santos, de 41 anos, faz parte dessa minoria de homens diagnosticados com a doença, que para ele teve como consequência seu afastamento do trabalho. Há mais de três anos longe do mercado de trabalho, inicialmente, por conta de dores na coluna, ele só descobriu há dois anos, depois de percorrer diversos médicos, que tem fibromialgia, uma doença que ele nunca tinha ouvido falar.

“É uma dor que não passa, é 24 horas perturbando, dói tanto a parte dos músculos quanto as demais partes do corpo, parece que você está o tempo todo gripado, é uma dor constante que não tem como controlar. Às vezes, as pessoas dizem: ‘Está na tua cabeça’. Mas a gente não consegue controlar. Eu mesmo não acreditava que tinha fibromialgia, eu pensava: acho que isso não é verdade, isso não é pra mim. Amanhã vou levantar bem. E aí, no outro dia, eu não conseguia nem pisar o pé fora da cama sem sentir dor”, relata Denyson.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), o diagnóstico da fibromialgia é clínico e por exclusão, ou seja, é feito por meio da história clínica e exame físico. Apesar de não ter cura, o reumatologista Guilherme Bulbol afirma que algumas medidas são indicadas e visam controlar os sinais e sintomas da doença, como atividade física, acompanhamento psicológico, tratamento da depressão, ansiedade e problemas de sono, além do tratamento farmacológico para o controle da dor crônica.

Luta por visibilidade

A luta das pessoas com fibromialgia vai além dos consultórios médicos, da frustração com o sistema de saúde ou da demora no diagnóstico. A batalha dessas pessoas também é para que sua dor seja validada e a condição compreendida. 

A dor física e o desprezo silencioso que vem com a falta de empatia fizeram com que a professora Alzamira Rodrigues dos Santos criasse o Movimento de Pessoas com Fibromialgia do Amazonas para buscar visibilidade para essa doença. O que antes era apenas um grupo de apoio no WhatsApp, agora se tornou um grupo com mais de 500 pessoas.

“Nós buscamos, primeiramente, a questão da visibilidade, mostrar para as pessoas e a sociedade que a fibromialgia é uma dor real, não é uma dor psicológica, como muitos taxam, ‘ah, é doença psicológica, procura um psiquiatra’. Não, ela é uma doença neurológica, também é considerada uma síndrome porque é acompanhada de várias patologias. Ou seja, são dores 24h por dia”, disse Auzamira.

A coordenadora do movimento afirma que foi diagnosticada com fibromialgia em 2016, mas relata que convive com dores há 24 anos e vivia migrando de médico para médico, sem conseguir identificar a origem da dor, que muitas vezes até a levava ao pronto-socorro.

Professora Alzamira Rodrigues (Daniel Brandão/A Crítica)

Nessa semana, o movimento realizou uma audiência pública na Câmara Municipal de Manaus (CMM), onde apresentou os principais desafios das pessoas que vivem com fibromialgia e solicitou um Centro de Atendimento Ambulatorial Multiprofissional.

“Nós estamos aqui fazendo um esforço sobrenatural, porque, assim, vencer o limite das dores e buscar nossos direitos é o único caminho. Nós fizemos essa opção de lutar e não morrer com a dor em silêncio”, completou Auzamira.

Lei em Manaus garante direitos às pessoas com fibromialgia

Em Manaus, está em vigor a Lei n. 3.142, de 18 de setembro de 2023, que institui a política pública de direitos e garantias da pessoa com fibromialgia. 

A lei garante acesso de qualidade aos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar, bem como assegurada à pessoa com fibromialgia a possibilidade de utilização das vagas reservadas às pessoas com deficiência, com comprometimento de mobilidade, em áreas de estacionamento aberto ao público, áreas de uso público ou estacionamento privado de uso coletivo, bem como nas vias públicas do município de Manaus. 

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