ACIMA DA MÉDIA

Crianças indígenas morrem mais de câncer

Amazonas tem uma taxa de mortalidade de 52,6%; entre crianças e adolescentes

Amariles Gama
09/02/2025 às 11:45.
Atualizado em 09/02/2025 às 11:45

(Foto: Reprodução)

Crianças indígenas no Brasil morrem mais de câncer do que outros grupos. A taxa de mortalidade entre elas é de 76 mortes por milhão, enquanto entre crianças brancas é de 42,6, negras, 38,9 e amarelas, 14,8. Os dados são do novo Panorama da Oncologia Pediátrica, lançado pelo Instituto Desiderata, que revela desigualdades preocupantes no tratamento do câncer infantojuvenil no país, afetando não apenas a população indígena, mas todas as crianças e adolescentes.

Na Região Norte, a situação é ainda mais crítica devido à falta de hospitais especializados e ao difícil acesso ao tratamento. De acordo com o levantamento, a região conta com apenas três hospitais habilitados para tratar o câncer infantojuvenil, enquanto o Sudeste tem 36. Por conta dessa deficiência, 20,7% das crianças e adolescentes do Norte precisam buscar atendimento fora do estado onde moram.

Nos estados do Acre e Amapá, por exemplo, não há nenhuma unidade especializada, forçando pacientes a se deslocarem para outras cidades ou até mesmo para outras regiões. Esse cenário impacta diretamente a taxa de mortalidade, já que 10% das crianças com câncer na região não iniciam o tratamento, e metade delas morre antes mesmo de receber atendimento. No Sudeste, esse índice é de apenas 3,2%.

A coordenadora do Serviço de Oncopediatria do Hospital Oncológico Infantil Octávio Lobo, Alayde Vieira, explica que a Região Norte apresenta desafios específicos que influenciam nos indicadores de mortalidade por câncer infantojuvenil.

“Embora tenha uma população jovem expressiva, a menor densidade demográfica, somada às dificuldades de acesso a serviços de saúde, resulta em uma menor estimativa de novos casos de câncer pediátrico. Contudo, a taxa média de mortalidade na região Norte é de 47,5 por milhão, acima da média nacional de 42,6, evidenciando desafios relacionados à estrutura, aos fatores socioeconômicos e às limitações logísticas”, destaca a especialista.

No Amazonas, um dos principais desafios é a longa distância entre as comunidades indígenas e os centros de tratamento, o que atrasa o diagnóstico e dificulta a adesão ao tratamento. Além disso, especialistas suspeitam que crianças indígenas tenham maior sensibilidade à quimioterapia, apresentando efeitos colaterais mais intensos, o que pode contribuir para as altas taxas de mortalidade.

Segundo o levantamento, a estimativa é que, entre 2023 e 2025, o Amazonas registre 200 novos casos de câncer infantojuvenil por ano. O estado tem uma taxa de mortalidade de 52,6%, ou seja, entre 2016 e 2022, a cada 1 milhão de crianças e adolescentes, 587 morreram em decorrência da doença.

Ainda segundo o levantamento, o Amazonas conta com apenas um hospital habilitado em oncologia pediátrica e tem somente 2,1 médicos oncologistas para cada 1 milhão de crianças e adolescentes. O estudo também aponta que 5,2% das crianças e adolescentes não iniciaram o tratamento. Desses, 65% morreram antes mesmo de começar, 15% fizeram tratamento fora do estado, 5% tiveram complicações, 5% recusaram o tratamento, 5% se enquadram em "outros" e 5% não tiveram a causa especificada. 

A gerente de Oncologia do Instituto Desiderata, Carolina Motta, ressalta a importância de investigar as causas dessa desigualdade.“Será que essas crianças estão conseguindo chegar aos centros de tratamento? E quanto tempo demora para que elas cheguem? Estamos discutindo todos esses aspectos com especialistas em saúde indígena”, afirma.

Outro problema identificado é o abandono do tratamento. A dificuldade de acesso, aliada a barreiras culturais e à falta de suporte social, faz com que muitas famílias interrompam o acompanhamento médico. Esse fator contribui para a estagnação da taxa de mortalidade infantil por câncer no Brasil, que se mantém acima de 40 mortes por milhão de crianças e adolescentes há 20 anos.

“Aspectos culturais e dificuldades logísticas, especialmente em comunidades ribeirinhas e indígenas, reduzem o acesso aos serviços de saúde e à educação em saúde, retardando o diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil. Há também problemas de subnotificação e inconsistências nos registros de óbitos, especialmente em áreas remotas, onde a coleta de dados de saúde é limitada”, explica Alayde Vieira.

Os especialistas que contribuíram para o estudo reforçam que o câncer infantojuvenil precisa de mais atenção nas políticas públicas. Para ajudar nesse processo, o Instituto Desiderata lançou uma nova plataforma online que reúne dados de diversos sistemas de saúde, permitindo um acompanhamento mais preciso da situação. A ideia é que essas informações sirvam de base para ações que garantam maior equidade no acesso ao tratamento. O panorama completo está disponível para consulta no site: https://panoramadaoncologia.desiderata.org.br.

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