Discussão

PEC do fim da jornada 6X1 tem prós e contras

Representantes da indústria, comércio e dos trabalhadores divergem sobre a proposta que reduz a jornada de trabalho

Lucas dos Santos
politica@acritica.com
16/11/2024 às 14:40.
Atualizado em 16/11/2024 às 14:41

Proposta estabelece a duração do trabalho de até oito horas diárias e 36 semanais; hoje a jornada semanal é de 44 horas em 6 dias (reporterbrasil.org.br)

Representantes dos trabalhadores e da indústria e comércio divergiram sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que propõe o fim da jornada semanal de trabalho de 6x1. A PEC já  superou o número de assinaturas para começar a tramitar na Câmara de Deputados. 

Enquanto os trabalhadores apoiam o texto apresentado e pedem celeridade na análise, empregadores querem um debate mais amplo e calmo sobre o projeto.

Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Antonio Silva, afirmou que a escala 6x1 é comum para trabalhadores do comércio e alguns segmentos de serviços como hotéis, bares e restaurantes. Ele afirmou que a discussão deve ser aprofundada “para chegarmos a um panorama mais acurado de suas implicações”.

“É natural que todos busquemos melhorias para a saúde e o bem estar do trabalhador. A medida certamente seria benéfica sob essa ótica. Entretanto, precisamos compreender também que a maior parte dos negócios em atividade no país são de micro e pequeno porte e, para essa faixa, a mudança na jornada de trabalho significa uma redução da força de trabalho e um aumento dos custos. Esse aumento, a depender da saúde financeira da empresa, pode ser de inviável absorção”, disse.

Silva avaliou que a redução da jornada de trabalho deve ocorrer cedo ou tarde, mas que deve vir acompanhada de outros fatores como desoneração da folha de pagamento e da previdência, de forma que haja um “equilíbrio entre as partes”. 

A visão é compartilhada pelo vice-presidente da instituição, Nelson Azevedo, que defendeu a tese da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de que a negociação coletiva é “o melhor caminho para definir a jornada de trabalho”.

Negociação

“Cada setor, empresa e região possui realidades econômicas e produtivas distintas, e a negociação coletiva é o canal adequado para se alcançar soluções que respeitem essas diferenças”, disse.

Ele afirmou que a redução da jornada de trabalho para abaixo de 44 horas semanais de forma obrigatória afetaria especialmente as micro e pequenas empresas e discordou do argumento de que haverá aumento na produtividade e geração de empregos.

“Precisamos analisar se nossa economia está realmente preparada para uma mudança tão drástica. Em muitos casos, uma jornada menor pode impactar a produção e, consequentemente, a geração de empregos, especialmente em setores e empresas menores. Esse é um debate que deve ser conduzido com muita responsabilidade”, frisou.

O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Amazonas (Fecomércio-AM), Aderson Frota, disse que é preciso examinar o assunto com serenidade e que não se pode “fazer uma concessão sem olhar os custos, sem olhar as consequências e esquecer que é muito importante a produtividade”.

“Hoje, os Estados Unidos, que tem a economia número um do mundo, adotam essa redução, mas pagando o salário mínimo diário. Então, o trabalhador passa a ter um salário mínimo diário por tantas horas trabalhadas, especificamente. É isso que precisa ser feito, ou melhor, que seja um salário por tantas horas trabalhadas por cada dia, e aí ele tem o direito de ganhar mais, quem trabalhar mais vai ter o direito de ganhar mais, quem trabalhar menos ganhará menos automaticamente”, afirmou.

Robotizar

Frota avaliou que o projeto de Erika Hilton não é mal intencionado, mas que a medida pode induzir o comércio a entrar “na mesma vibe da indústria e começar a robotizar”, a exemplo do que faz a multinacional Amazon em seus depósitos atualmente.

‘Isso vai empregar mais gente’

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Amazonas e do Sindicato dos Metalúrgicos, Valdemir Santana, saiu em defesa da proposta e relembrou que o debate vem desde a Constituinte de 1988, quando a jornada foi reduzida de 48 para 44 horas com a promessa de cair para 40 horas nos cinco anos seguintes, algo que nunca ocorreu.

“Nós estamos há 36 anos sem reduzir o trabalho e o mundo está reduzindo o trabalho. Toda a América Latina, toda a América do Sul, não trabalha mais de 40 horas”, disse.

Ele também rechaçou a ideia de que a redução na jornada geraria impactos negativos na indústria e no comércio e defendeu a ideia de que se poderia gerar 70 mil empregos diretos e indiretos somente em Manaus.

“Hoje o Brasil trabalha 44 horas semanais. Ou ele [o trabalhador] trabalha de segunda a sábado ou de segunda a sexta. No momento que eu tiro de 44 para 36 horas, ele tira oito horas, um dia de trabalho. Em um mês são 32 horas de trabalho. Isso vai empregar mais gente para poder suprir a necessidade produtiva da fábrica. Vai crescendo o emprego, vai melhorar a saúde do trabalhador”, avalia.

Valdemir relata que, nas atuais condições, os trabalhadores não podem sequer estudar ou descansar plenamente, “por isso que tem milhares de pessoas doentes”. 

O entendimento se estende também aos profissionais de imprensa, segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas (Sinjor-AM), Wilson Reis, que relembra a reivindicação de centrais sindicais pela pauta nos últimos anos.

“Esse é um marco divisor, porque na verdade responde dentro de um contexto de precarização de todas as relações de trabalho. A gente sabe que no pós-pandemia a situação só agravou em termos de precarização. Isso no geral para o conjunto da classe trabalhadora. Agora, para o jornalismo, nós temos a esteira da precarização, que já haviam outros disfarces do tipo ‘pejotização’. Isso se implantou, foi um enfrentamento que não conseguimos brecar”, disse.

Embora apoie a proposta de Erika Hilton, ele lembra do projeto do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que também propõe a redução da jornada de trabalho para 36 horas, mas dá um prazo de 10 anos para as empresas se adaptarem completamente, mas está parado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara.

“Alguém que chegou no Congresso, se sensibilizou por essa importante matéria, que é a redução da jornada de trabalho semanal, ele foi ignorado, ou seja, não vai para nenhuma comissão, ela é brecada porque nós temos um Congresso que, infelizmente, representa muito mais o capital do que o trabalho. E isso independente de todos os processos que eu já citei, como a pandemia, só serviu para cada vez mais precarizar nossas relações”, lamentou.

Sinteam encampa proposta

Em nota, outra entidade a se manifestar favoravelmente à PEC foi o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas (Sinteam), seguindo a mesma linha de defesa da CUT pela redução da jornada de trabalho.

“Claro que, a princípio, a ideia é reduzir os dias trabalhados. Na educação pública, geralmente, os trabalhadores cumprem carga horária de segunda a sexta, ou seja, 5x2. No entanto, alguns, pela falta de valorização profissional, para aumentar seus salários cumprem até 60h por semana, o que é preocupante pois recai em todos aqueles problemas que estão sendo debatidos, como por exemplo: adoecimento físico e mental, falta de tempo para a família e para si”, disse.

“Se realmente os custos aumentarem, as empresas vão ter que limitar seus quadros, vão ter que reduzir seus custos, e isso pode acabar aumentando o custo de vida para a população, que isso é custo que vai ser repassado nos preços”, salientou.

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