PL Antiaborto por Estupro

‘O que querem é que tenhamos filhos de estupradores', afirma deputada

Alessandra Campêlo, Rozenha e Carlinhos Bessa criticaram projeto de lei que pune meninas e mulheres estupradas que abortarem depois de 22 semanas.

Lucas dos Santos
online@acritica.com
18/06/2024 às 11:59.
Atualizado em 18/06/2024 às 15:15

(Foto: Reprodução/YouTube)

Deputados estaduais se manifestaram contra o projeto de lei 1904/2024, do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que equipara o aborto de feto com viabilidade presumida mínima de 22 semanas ao crime de homicídio simples, mesmo em casos de estupro, o que fez com que ganhasse o apelido de PL dos Estupradores. A deputada Alessandra Campêlo (Podemos) levou o assunto à tribuna da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), usando uma blusa com a frase “Criança não é mãe. Estuprador não é pai”.

“De cada dez estupros no Brasil, seis são cometidos contra crianças. De cada dez mulheres estupradas, seis são crianças. A maioria das pessoas, das mulheres que recorrem à interrupção tardia da gravidez são crianças. Nenhuma mulher acorda e diz “ah, eu tô grávida, mas eu quero esperar seis meses para fazer o aborto”, ninguém acorda pensando isso. Normalmente, quando isso ocorre é quando é uma criança, uma criança que a família nem sabia que estava grávida”, disse Alessandra.

A deputada lembrou que mais de 80% dos casos de estupro contra crianças são cometidos por pessoas conhecidas, muitas vezes por seus próprios parentes. A parlamentar citou o caso de uma criança de dez anos de idade que teve sua gestação descoberta somente após as 22 semanas e nem mesmo sabia que estava grávida.

“Esse caso que eu tomei conhecimento, a mãe só soube que a criança estava grávida porque começou a sair um líquido do seio da criança, ela foi reclamar para a mãe, e era aquele colostro, aquele leite materno que a mulher começa a expelir bem antes do nascimento. Essa mãe descobriu que a criança vinha sendo estuprada por um tio e não sabia”, relatou.

Alessandra também criticou as pessoas que acreditam que o processo para a realização do aborto em vítimas seja rápido. Segundo ela, já houve muitos casos em que ela precisou ingressar na Justiça junto à Defensoria Pública para garantir que a mulher tenha direito ao procedimento e se posicionou veemente contra o projeto, referindo-se a ele como retrocesso e que criminaliza a mulher estuprada.

“A mulher, além de estuprada, além de ser revitimizada, vai ter que pagar por isso. E mais: ele criminaliza a mulher, a criança, o médico, a equipe que atender essa mulher. Ou seja, o que querem é que nós tenhamos filhos de estupradores. Aí eu pergunto, será que se o autor dessa lei, a filha dele fosse estuprada ele descobrisse depois de cinco meses, ele ia querer o filho do estuprador? Será que a filha dele ia querer? Porque a minha filha eu apoiaria para não ter se ela fosse estuprada”, afirmou.

Em aparte, o deputado estadual Rozenha (PMB) chamou o projeto de Sóstenes Cavalcante de absurda e surreal e disse que o deputado do Rio de Janeiro deveria passar por um eletroencefalograma.

“Eu prefiro acreditar que ele tenha algum problema mental do que ele ser idiota, porque é de uma idiotice tão profunda que me dá tristeza de saber que, no meio de 513 deputados, tem um idiota desse. Procure ajuda, esse rapaz é doido. Não há cabimento, isso não pode ser aceitável. E a senhora muito bem disse, se ele fechar os olhinhos e imaginar, por 30 segundos, a filha dele sendo estuprada, sendo violentada e engravidar de um vagabundo, ele volta atrás”, criticou.

(Foto: Reprodução/YouTube)

Rozenha disse que a falta de noção como a de Sóstenes que “permeia os parlamentos pelo Brasil” é o que faz a sociedade soterrar de críticas a classe política do país.

O vice-presidente da ALE-AM, deputado Carlinhos Bessa (PV), disse que assistiu a uma entrevista de Sóstenes Cavalcante em que o deputado federal declarou que a criança é inimputável e não pagará pelo crime. Bessa afirma que o deputado induz as pessoas ao erro, porque os responsáveis pela criança deverão ser responsabilizados.

“Eu fiquei pensando: 'então quem vai pagar pelo crime?' Porque o médico, se fizer o aborto, vai pagar pelo crime. O pai e a mãe é cumplice, vão pagar pelo crime. E a criança acima de 14 anos também vai pagar pelo crime, vai cumprir medida socioeducativa. Então, eu fiquei abismado pela falta de conhecimento jurídico que um deputado federal possa ter. É como o deputado Rozenha falou, tem que ser estuado”, disse.

Bessa lembrou ainda de um caso trazido por Alessandra Campelo na última semana em que uma jovem foi estuprada e teve dois filhos do próprio pai e só teve coragem de denunciar o abuso após seus 20 anos. A deputada finalizou seu discurso chamando o projeto de hipócrita, “a arte de pregar em público o que você não faz no privado”.

“É a hipocrisia travestida de uma ideologia. É a hipocrisia de homens que tem amantes, de homens que muitas vezes não permitem que uma mulher tenha um filho fora do casamento para que o caso não seja descoberto. É a hipocrisia de gente que não aceitaria se uma filha sua, uma irmã sua, uma pessoa de dentro de sua casa fosse estuprada e tivesse o filho de um estuprador. É querer jogar para as mulheres, principalmente as mais pobres, as pessoas que não tem acesso a médico, ao aborto, mesmo em casos de estupro”, disse.

De licença-maternidade, a deputada estadual Mayra Dias (Avante) utilizou suas redes sociais para se posicionar contra a proposta e disse que o projeto de Sóstenes Cavalcante é uma ameaça aos direitos das mulheres.

"A maioria dos casos de estupro contra crianças é cometido dentro da própria família, um dos grandes motivos pelos quais as crianças, que são vítimas, não falam. E muitas vezes não entendem. O PL 1904 é uma ameaça aos direitos das mulheres e meninas. Meninas e mulheres jamais deveriam ter penas mais severas que seus agressores. Devemos lutar por direitos, por saúde pública de qualidade e por justiça", disse.
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