Entrevista

‘Manaus precisa não só de governantes decentes, mas também de uma população responsável’

Membro do Comitê de Combate à Corrupção Eleitoral, Carlos Santiago ressalta a importância do voto consciente nas eleições municipais deste ano em Manaus

Luciano Falbo
luciano.falbo@acritica.com
14/06/2024 às 10:20.
Atualizado em 14/06/2024 às 10:26

O cientista social e advogado Carlos Santiago em entrevista ao A Crítica (Paulo Bindá)

Há mais de dez anos, o cientista social e advogado Carlos Santiago participa ativamente do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção Eleitoral. Santiago também preside a Comissão de Reforma Política e Combate à Corrupção Eleitoral da Seccional do Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM).

Com seu olhar técnico e experiência como militante da sociedade civil organizada, ele defende que a população tenha um papel mais ativo na política e na busca de soluções para os problemas da cidade.

Em entrevista ao A CRÍTICA, Santiago falou sobre as pautas que devem estar presentes nos debates da eleição municipal deste ano em Manaus, crimes eleitorais, entre outros assuntos. Confira:

Quais temas devem estar na pauta desta eleição para prefeito e vereadores na capital?

A cidade de Manaus foi a cidade que mais cresceu segundo o IBGE, chegou a 14% na última década. A cidade também é uma das que possui um dos maiores PIBs do País e tem a sexta maior população, entre as capitais, sendo a maior da região Norte. Então, os desafios são enormes. Há problemas no transporte coletivo, que a cidade até agora não resolveu. É preciso discutir essa situação. Há um crescimento desordenado na cidade, sem um planejamento. Um problema sério é a questão da destinação do lixo.

Outros graves problemas são a poluição e a mobilidade urbana precária. Mas há um tema muito forte que é a participação da prefeitura na questão da segurança, que é uma atribuição do Estado cuidar. Nesse caso, tem que se buscar uma parceria para a segurança pública. O município precisa entrar nesse debate.

Então, além dos problemas que são competência da administração municipal, como o transporte coletivo, o lixo, o crescimento desordenado, o problema da mobilidade, temos aí o desafio da segurança pública. Manaus é uma das cidades mais violentas do mundo, por isso tem que ser um debate, mas um debate com parceria com as administrações.

‘Sozinho, prefeito não resolverá os problemas’

Santiago esteve na sede do jornal A Crítica

Você, então, propõe um alinhamento das três máquinas: federal, estadual e municipal...

Os problemas de Manaus não serão resolvidos somente pela prefeitura. Como você vai propor, planejar e efetivar um transporte coletivo decente na cidade de Manaus, sem a participação do Governo do Estado e do Governo Federal? É quase que impossível, requer recursos, não só nacionais, mas, inclusive, recursos internacionais.

Como você vai resolver o problema do crescimento desordenado? Não vai resolver a questão da moradia somente com o orçamento municipal. Você não vai resolver o problema de criação de uma boa coleta, de uma destinação adequada do lixo na cidade de Manaus somente com os recursos da prefeitura. E um dos maiores problemas da cidade é a violência, a insegurança.

Isso requer muito mais ainda parcerias com os governos do Estado e Federal. Manaus é requer governantes preocupados, não com suas vaidades, mas com a cidade. E, quando se preocupar, essa preocupação com a cidade tem que se traduzir em parcerias para melhorar a qualidade de vida dos manauaras.

‘Combater as fake news é um desafio coletivo’

Santiago é membro do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção Eleitoral

Na eleição de 2022, as fake news foram um grande problema, talvez o maior do pleito. Para este ano, temos visto que o Judiciário tem feito um esforço para blindar o processo eleitoral dessa chaga, publicando novas normativas, acionando as plataformas digitais. Acredita que isso será suficiente?

Olha, tudo indicava que as fake news teriam limites, porque a Justiça Eleitoral tratou isso de uma forma muito dura, com punições nas eleições gerais de 2022. Inclusive, com punições severas a ponto de retirar do ar alguns veículos de comunicação que propagavam notícias falsas. No entanto, com essa tragédia do Rio Grande do Sul mostra que o desafio para combater as notícias falsas, a desinformação, é enorme e que não pode ser tarefa apenas do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Poder Executivo, tem que ser da sociedade.

A fake news não vai acabar, mas pode ser controlada. Para isso, a sociedade tem que se envolver no combate, não só das fakes, mas combater os péssimos políticos que são eleitos com notícias falsas, com desinformações, porque isso tudo corrompe a democracia, o Estado Demarcado de Direito.

É um desafio coletivo, isso?

Sim. Somente o Poder Judiciário não vai conseguir, mesmo com punições severas, frear ou controlar a quantidade de desinformação. É necessário que as instituições, todas as instituições do Estado, como o Executivo, o Legislativo e, principalmente, a sociedade civil, sejam agentes ativos nesse combate, porque a fake news faz mal a todos, não só a democracia, mas principalmente à população. E a tragédia no Rio Grande do Sul tem mostrado isso, como a desinformação é terrível para a sociedade, e nas eleições é muito mais terrível por conta de vender informações não verídicas contra o nosso sistema de votação.

Já que falou da importância da mobilização da sociedade civil, eu lembro aqui que você é integrante do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção Eleitoral há bastante tempo. Uma coisa que a gente cobria muito no jornal antigamente era a questão da compra de votos. Agora, como já tratamentos aqui, só se fala nas fake news. O que aconteceu com a compra de votos? Ela acabou? Superamos isso?

Não. A compra de voto está acontecendo no período pré-eleitoral, no período eleitoral e há uma mobilização por parte de comitês de combate à corrupção, por parte de pessoas, por parte do Ministério Público Eleitoral e por parte da Justiça Eleitoral para combater a prática. Mas você tem locais como, por exemplo, o Amazonas, que tem um território enorme. É muito difícil controlar isso ou pelo menos fiscalizar. E há uma relação entre aquele que compra e aquele que vende o voto, nem sempre isso é exposto.

A legislação é até dura com relação à compra de voto, no sentido de cassar ou registro de candidatura ou diploma de eleito e também punir o cidadão que vendeu. Mas a corrupção nesse processo todo amolece a lei. Mas, apesar disso, a compra de votos precisa continuar sendo combatida, até porque se você elege um político que compra voto, você está elegendo um péssimo político, um péssimo representante, que pratica crime.

Então, o eleitorado tem que ter um voto qualificado, um voto decente, eleger pessoas decentes. Na compra de voto tem não só no político como responsável, mas também parte da sociedade que vende o voto. O eleitorado deveria ter mais critério na hora de votar. O político eleito comprando voto certamente vai piorar ainda mais a política e será um péssimo gestor do dinheiro público.

O comitê funciona apenas no período eleitoral?

O comitê é formado por várias instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Amazonas, a Igreja Católica por meio da Arquidiocese de Manaus, os conselhos regionais de Administração, Contabilidade e Economia, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas e o Sindicato dos Fazendários. O comitê é permanente, ele não só trabalha no período eleitoral e três grandes princípios.

O primeiro deles é educação política. Nós temos que ensinar a sociedade a votar de forma decente, um voto consciente para o bem comum, a sociedade tem que entender que a política é o reflexo das suas decisões. Se temos péssimos políticos, é porque temos péssimos eleitores.

O outro aspecto é que nós temos a formação de curso de como funciona a legislação eleitoral, em especial, que combate crimes eleitorais. Ensinamos como funciona a Lei de Acesso à Informação, quais são as atribuições dos órgãos que cuidam de fiscalizar. Então, além da formação cidadã, nós oferecemos cursos para a sociedade ter instrumentos.

E o terceiro elemento, que é o que mais aparece, é da fiscalização, recebimento de denúncias com relação à corrupção. A gente recebe essas denúncias, faz uma avaliação, até porque o comitê tem mais de dez advogados, se é procedente, assina encaminhando aos órgãos competentes, ao Ministério Público Estadual, ao Ministério Público Federal, aos tribunais de contas. E, não só encaminhamos, mas também nós cobramos e estamos vigilantes. Quando ocorre arquivamento, por exemplo, nós recorremos.

Então, é importante o comitê, como instrumento da sociedade civil, não só no sentido de fazer a crítica, de fazer a fiscalização, mas no sentido também de fazer curso de formação, de esclarecimento da sociedade, para a sociedade votar pelo bem comum, votar consciente, votar para melhorar a classe política, porque melhorando a classe política nós teremos bons governos e os serviços oferecidos à sociedade serão bem melhores do que nós temos hoje.

‘Essa cidade precisa de muito amor’

Cientista analisa as pautas prioritárias da capital

Esse trabalho é um grande serviço público que o comitê presta à sociedade. Nesse sentido, peço que você deixe uma mensagem final aos leitores e eleitores.

O manauara tem que votar consciente, tem que votar com responsabilidade. Parte das mazelas da cidade de Manaus é culpa das decisões políticas do seu eleitorado. Se queremos construir uma sociedade melhor, uma cidade, uma cidade cidadã, o voto tem que ser, tem que objetivar o bem comum, a coletividade. Se o cidadão, se o eleitorado troca voto por alimentos e favores, certamente os problemas que Manaus enfrenta hoje se agravarão, até porque quem compra voto nas eleições não será um bom governante, um bom representante da sociedade.

Manaus precisa de muito amor, muito amor não só dos seus governantes, mas também da sua população. E a sua população não só tem que votar de forma decente, mas também tem que ajudar o poder público a cuidar dessa cidade. Essa cidade está muito suja, está sem carinho, sem atenção e isso se reflete, por exemplo, nas calçadas e nos igarapés. Então, Manaus precisa não só de governantes decentes, mas também de uma população responsável e que ame essa cidade. Essa cidade precisa de muito amor para superar todos esses problemas.

E quem se interessar, quiser participar de um curso, quiser fazer uma denúncia, como chega ao comitê?

A pessoa chega ao comitê pelo telefone 92 99977-9680. Eu mesmo atendo a esse telefone.

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