Eleições 2024 - primeiro turno

Eleitorado vai às urnas com seca e queimadas recordes

Efeitos das crises climáticas, cada vez mais presentes na vida da população, se constituem em novos desafios para as gestões municipais

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
05/10/2024 às 12:56.
Atualizado em 05/10/2024 às 12:56

Eleitores vão às urnas neste domingo para escolher o prefeito dos próximos quatro anos. Período eleitoral foi marcado pela estiagem e por queimadas recordes no estado, mas os temas não entraram nas prioridades da maior parte dos candidatos. (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)

Em meio à maior seca do Amazonas e em sucessivos recordes de queimadas, a população deve ir às urnas, neste domingo, para escolher os prefeitos que comandarão as cidades pelos próximos quatro anos. Será o primeiro turno de uma eleição que não teve esses problemas socioambientais no centro do debate, tampouco nos planos de governo da maioria dos candidatos. 

De acordo com o Boletim Estiagem 2024, do governo do Amazonas, há 767 mil pessoas afetadas pela estiagem atualmente, o que representa 17% da população do estado (4,2 milhões, segundo estimativa do IBGE). Para efeito de comparação, o total de afetados neste ano é quase três vezes maior que o do mesmo período do ano passado (266 mil).

O cenário crítico da estiagem prejudica o acesso à água potável, o transporte de mercadorias, como alimentos e combustível, além de dificultar a locomoção de pessoas. Crianças, idosos, doentes e gestantes são os mais prejudicados.

Não bastassem todos esses problemas, a seca deve prejudicar a ida de eleitores aos locais de votação, o que pode fazer com que a abstenção seja maior neste ano. De acordo com o Panorama da Vazante 2024, do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), 120 mil pessoas terão de se locomover a locais de votação com condições severas, moderadas ou impeditivas. 

O cenário mais crítico é o descrito como ‘severo’, quando há dificuldade muito grande para chegar ao local. A maior parte dessas áreas (8.323) está em Manacapuru, município da região metropolitana de Manaus. Parintins, no baixo Amazonas, concentra a maioria (5.329) dos locais ‘impeditivos’, onde há grande chance de isolamento das zonas eleitorais. 

Na opinião do porta-voz de Amazônia do Greenpeace, Rômulo Batista, a temática socioambiental deveria ser o centro dos debates na eleição. Ele cita o caso de Manaus, considerada ‘metrópole da Amazônia’, assim como Belém (PA), mas que ainda está longe de ter maior integração com os rios e a floresta, o que poderia ajudar a reduzir os efeitos da crise.

“Seria muito importante, quando a gente fala da maior cidade da Amazônia, que o tema ambiental fosse central. Manaus tem a oportunidade de ser um símbolo de como uma cidade pode, sim, conviver bem com a floresta que nos rodeia. Entender que ela não é um empecilho para o desenvolvimento, assim como os rios e os igarapés”, afirma.

Eleitorado

A desconexão do tema na campanha também pode ser explicada, em partes, pelo fato de outros temas igualmente importantes estarem mais latentes na mente do eleitorado. De acordo com a pesquisa Atlas/Intel (nº AM-00302/2024), divulgada na quinta-feira (3), os manauaras citam como principais problemas da cidade a criminalidade (72%), saúde (57%) e corrupção (35,2%). Só na quinta posição aparece a poluição (14,2%), temática associada ao meio ambiente, e que remonta aos meses em que a capital ficou engolida por fumaça de queimadas ilegais.

Em junho, julho e agosto, o Amazonas bateu recorde de focos de calor. Os meses ajudaram a elevar o número total no ano. Até sexta-feira (4), haviam sido registrados 22.470 focos de calor no estado, um aumento de 14% em relação a todos os 12 meses de 2023 e o recorde de toda a medição iniciada em 1998. 

Crise climática

Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e parceiros internacionais apontou que a seca de 2023, a segunda maior da história, foi 30 vezes mais provável de acontecer por causa do aquecimento global. A estiagem deste ano, agora a maior já registrada, também é associada à crise climática.

Atualmente, nenhum dos 62 municípios do Amazonas, incluindo Manaus, possui plano de adaptação climática. A ausência do documento norteador de políticas públicas já foi alvo de recomendações do Ministério Público de Contas (MPC), que cobra o planejamento.

“Não é de hoje que os cientistas afirmam que as mudanças climáticas são reais e causadas pelos homens. Dentre as principais medidas, está o plano de adaptação e mitigação a mudanças climáticas, que pode prever o que deve ser feito para adaptar as cidades e comunidades para esses eventos porque, infelizmente, eles estão cada vez mais frequentes, intensos e abrangentes”, afirma Rômulo Batista.

Exemplo da falta de atenção ao problema são os planos de governo dos candidatos à prefeitura de Manaus. Dos sete documentos entregues à Justiça Eleitoral, seis citam o problema, mas só Alberto Neto (PL), Amom Mandel (Cidadania) e Roberto Cidade (União) propõem a criação de planos climáticos.

Em números

Ao menos 192 seções eleitoraiss  estão classificadas pelo TRE-AM como condição 'severa' para o acesso pelos eleitores. Outras 67 seções são apontadas com nível 'impeditivo', quando pode haver isolamento e necessidade de acesso via helicóptero. A maior parte das seções no estado (7.868) está em condições 'normais'.

Blog

Marcos Castro Doutor em Geografia Humana (USP)

"As cidades  precisam fazer um levantamento sobre quais áreas mais sofrem com a seca. Já temos um parâmetro com dois anos seguidos de forte estiagem.  É preciso ter esse retrato e criar grupos de trabalho para resolver os problemas setorizados, cuidar do abastecimento, do acesso aos locais, para que a população possa sofrer menos. Ocorre que esperamos a seca todos os anos para poder escolhermos o que fazer em cima da hora. Nós temos que ser previdentes, temos que antever o processo, porque sabemos que vai acontecer, afinal de contas, isso é um ciclo da natureza. Cheia e seca se repetem todos os anos, mas nós vivemos em cima do improviso o tempo inteiro do ponto de vista governamental. Não dá para ver a fotografia e se lamentar, não dá para fazer governança partidária - só prestar suporte a quem apoia a gestão".

Só arborização não é o suficiente

Quando o assunto é meio ambiente, seja nos planos de governo dos candidatos ou nos debates, a proposta costuma se limitar à falta de arborização em Manaus.  A capital era a segunda menos arborizada do país até 2022, segundo dados do IBGE que já podem estar defasados. O problema merece, sim, atenção, mas o geógrafo Marcos Castro ressalta que a política pública não pode se resumir a isso.

“A arborização é importante, porque ajuda a emitir oxigênio, capturar carbono, promover sombra e melhorar a qualidade do ar. Ela tem uma série de benefícios que não são só paisagísticos. Entretanto, a melhor qualidade de vida em uma cidade, do ponto de vista ambiental, não se resume à arborização”, afirma.

“A qualidade ambiental se traduz também pela construção de mais parques, priorizando menos asfalto e concreto. Poderia haver também paradas de ônibus mais adaptadas ao calor ou à chuva. Manaus é uma cidade que está se verticalizando. Poderia ter, por exemplo, dispositivos que obrigassem as construtoras a fazer coberturas verdes, o que ajudaria a mitigar a crise do clima na cidade”, sugere o especialista.

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