Efeitos das crises climáticas, cada vez mais presentes na vida da população, se constituem em novos desafios para as gestões municipais
Eleitores vão às urnas neste domingo para escolher o prefeito dos próximos quatro anos. Período eleitoral foi marcado pela estiagem e por queimadas recordes no estado, mas os temas não entraram nas prioridades da maior parte dos candidatos. (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)
Em meio à maior seca do Amazonas e em sucessivos recordes de queimadas, a população deve ir às urnas, neste domingo, para escolher os prefeitos que comandarão as cidades pelos próximos quatro anos. Será o primeiro turno de uma eleição que não teve esses problemas socioambientais no centro do debate, tampouco nos planos de governo da maioria dos candidatos.
De acordo com o Boletim Estiagem 2024, do governo do Amazonas, há 767 mil pessoas afetadas pela estiagem atualmente, o que representa 17% da população do estado (4,2 milhões, segundo estimativa do IBGE). Para efeito de comparação, o total de afetados neste ano é quase três vezes maior que o do mesmo período do ano passado (266 mil).
O cenário crítico da estiagem prejudica o acesso à água potável, o transporte de mercadorias, como alimentos e combustível, além de dificultar a locomoção de pessoas. Crianças, idosos, doentes e gestantes são os mais prejudicados.
Não bastassem todos esses problemas, a seca deve prejudicar a ida de eleitores aos locais de votação, o que pode fazer com que a abstenção seja maior neste ano. De acordo com o Panorama da Vazante 2024, do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM), 120 mil pessoas terão de se locomover a locais de votação com condições severas, moderadas ou impeditivas.
O cenário mais crítico é o descrito como ‘severo’, quando há dificuldade muito grande para chegar ao local. A maior parte dessas áreas (8.323) está em Manacapuru, município da região metropolitana de Manaus. Parintins, no baixo Amazonas, concentra a maioria (5.329) dos locais ‘impeditivos’, onde há grande chance de isolamento das zonas eleitorais.
Na opinião do porta-voz de Amazônia do Greenpeace, Rômulo Batista, a temática socioambiental deveria ser o centro dos debates na eleição. Ele cita o caso de Manaus, considerada ‘metrópole da Amazônia’, assim como Belém (PA), mas que ainda está longe de ter maior integração com os rios e a floresta, o que poderia ajudar a reduzir os efeitos da crise.
A desconexão do tema na campanha também pode ser explicada, em partes, pelo fato de outros temas igualmente importantes estarem mais latentes na mente do eleitorado. De acordo com a pesquisa Atlas/Intel (nº AM-00302/2024), divulgada na quinta-feira (3), os manauaras citam como principais problemas da cidade a criminalidade (72%), saúde (57%) e corrupção (35,2%). Só na quinta posição aparece a poluição (14,2%), temática associada ao meio ambiente, e que remonta aos meses em que a capital ficou engolida por fumaça de queimadas ilegais.
Em junho, julho e agosto, o Amazonas bateu recorde de focos de calor. Os meses ajudaram a elevar o número total no ano. Até sexta-feira (4), haviam sido registrados 22.470 focos de calor no estado, um aumento de 14% em relação a todos os 12 meses de 2023 e o recorde de toda a medição iniciada em 1998.
Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e parceiros internacionais apontou que a seca de 2023, a segunda maior da história, foi 30 vezes mais provável de acontecer por causa do aquecimento global. A estiagem deste ano, agora a maior já registrada, também é associada à crise climática.
Atualmente, nenhum dos 62 municípios do Amazonas, incluindo Manaus, possui plano de adaptação climática. A ausência do documento norteador de políticas públicas já foi alvo de recomendações do Ministério Público de Contas (MPC), que cobra o planejamento.
“Não é de hoje que os cientistas afirmam que as mudanças climáticas são reais e causadas pelos homens. Dentre as principais medidas, está o plano de adaptação e mitigação a mudanças climáticas, que pode prever o que deve ser feito para adaptar as cidades e comunidades para esses eventos porque, infelizmente, eles estão cada vez mais frequentes, intensos e abrangentes”, afirma Rômulo Batista.
Exemplo da falta de atenção ao problema são os planos de governo dos candidatos à prefeitura de Manaus. Dos sete documentos entregues à Justiça Eleitoral, seis citam o problema, mas só Alberto Neto (PL), Amom Mandel (Cidadania) e Roberto Cidade (União) propõem a criação de planos climáticos.
Ao menos 192 seções eleitoraiss estão classificadas pelo TRE-AM como condição 'severa' para o acesso pelos eleitores. Outras 67 seções são apontadas com nível 'impeditivo', quando pode haver isolamento e necessidade de acesso via helicóptero. A maior parte das seções no estado (7.868) está em condições 'normais'.
Marcos Castro Doutor em Geografia Humana (USP)
"As cidades precisam fazer um levantamento sobre quais áreas mais sofrem com a seca. Já temos um parâmetro com dois anos seguidos de forte estiagem. É preciso ter esse retrato e criar grupos de trabalho para resolver os problemas setorizados, cuidar do abastecimento, do acesso aos locais, para que a população possa sofrer menos. Ocorre que esperamos a seca todos os anos para poder escolhermos o que fazer em cima da hora. Nós temos que ser previdentes, temos que antever o processo, porque sabemos que vai acontecer, afinal de contas, isso é um ciclo da natureza. Cheia e seca se repetem todos os anos, mas nós vivemos em cima do improviso o tempo inteiro do ponto de vista governamental. Não dá para ver a fotografia e se lamentar, não dá para fazer governança partidária - só prestar suporte a quem apoia a gestão".
Quando o assunto é meio ambiente, seja nos planos de governo dos candidatos ou nos debates, a proposta costuma se limitar à falta de arborização em Manaus. A capital era a segunda menos arborizada do país até 2022, segundo dados do IBGE que já podem estar defasados. O problema merece, sim, atenção, mas o geógrafo Marcos Castro ressalta que a política pública não pode se resumir a isso.
“A qualidade ambiental se traduz também pela construção de mais parques, priorizando menos asfalto e concreto. Poderia haver também paradas de ônibus mais adaptadas ao calor ou à chuva. Manaus é uma cidade que está se verticalizando. Poderia ter, por exemplo, dispositivos que obrigassem as construtoras a fazer coberturas verdes, o que ajudaria a mitigar a crise do clima na cidade”, sugere o especialista.