Legislativo estadual é o único dos poderes no Amazonas que descumpre a lei federal e não publica na internet a folha de pagamento
Ao contrário de outros órgãos dos três poderes no Amazonas, a Assembleia Legislativa do estado continua a omitir a lista de servidores efetivos e comissionados da Casa. (Foto: Danilo Mello / Aleam)
Considerado o órgão com o pior nível de transparência entre os poderes estaduais, conforme ranking 2024 do Ministério Público de Contas (MPC), a Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), há mais de 13 anos, esconde a lista salarial nominal de servidores efetivos e comissionados, pagos com recursos do contribuinte amazonense. Em 2023, o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), responsável por fiscalizar a Casa, arquivou um processo que tratava sobre o tema.
Atualmente, não é possível visualizar a lista de pessoas contratadas por indicação de parlamentares na Assembleia Legislativa ou mesmo aqueles aprovados em concurso. Diferente da Aleam, o Tribunal de Justiça do Amazonas; Governo do Amazonas, Câmara Municipal de Manaus; Ministério Público do Amazonas; Tribunal de Contas do Amazonas e até a Prefeitura de Manaus - que antes também omitia o dado - hoje, divulgam a relação de servidores.
Quem quiser saber se uma pessoa recebe pela Aleam precisa ter o nome completo do cidadão para fazer uma busca nominal em uma plataforma disponibilizada pela Assembleia Legislativa. Além disso, o único documento disponível é a tabela de cargos e salários, sem qualquer nome de pessoas. As remunerações na Casa podem variar de R$ 2.127,51 a R$ 28.851,24 e ultrapassar os R$ 40 mil no caso de procuradores, somando-se a gratificação da função.
Na abertura dos trabalhos legislativos de 2024, o atual presidente da Aleam, deputado Roberto Cidade (União), disse reiterar o compromisso com “a transparência, com o trabalho incessante e com a democracia, pilares de todas as ações e decisões no Poder Legislativo”.
Procurada na sexta-feira (24) para comentar a falta de divulgação da lista de servidores, a assessoria de comunicação da Assembleia não retornou até o fechamento desta reportagem.
A falta de transparência, no entanto, não é um problema exclusivo da atual legislatura. O mesmo ocorreu em relação à lista de servidores nas gestões recentes de outros presidentes da Aleam. Quando o deputado Ricardo Nicolau estava no comando da Casa, prometeu ao menos três vezes divulgar a lista, o que nunca aconteceu. A mesma promessa apareceu na gestão do deputado Josué Neto, atualmente conselheiro do TCE-AM; e na do então deputado David Almeida, hoje prefeito de Manaus.
Foi na gestão de Josué Neto que o Ministério Público de Contas passou a cobrar a lista após reportagens de A CRÍTICA e do site Portal do Zacarias. À época, o então presidente alegou que a Casa havia iniciado adequação de espaço no site para a devida divulgação das informações “sem violar direitos de intimidade e privacidade de servidores [...] mesmo com grau de divergência doutrinária” e “considerando a ausência de regulamentação em âmbito estadual”, o que levou à metodologia de divulgar os salários a partir da busca por nome completo. À imprensa, ele prometeu ao menos três vezes que divulgaria a lista.
A cobrança realizada pelo Ministério Público de Contas persistiu durante a gestão do então presidente David Almeida. Por sua vez, ele alegou que a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) não determina forma específica de divulgação, nem mesmo o acórdão do Superior Tribunal Federal (STF) que tratou da constitucionalidade da divulgação dos salários de servidores. Ele chegou a dizer à imprensa que divulgaria a lista, o que também não aconteceu.
O acordão citado por David Almeida se refere a uma ação julgada em 2015 na qual o STF decidiu ser constitucional a divulgação de salários dos servidores. À época, funcionários públicos questionaram a publicação de suas remunerações, alegando ser violação à intimidade e à privacidade.
O Supremo entendeu que a publicação é de interesse geral e não fere os direitos dos trabalhadores. Considerou ainda o caso de repercussão geral, ou seja, vale para todos os entendimentos jurídicos sobre o tema.
Em 2018, o MPC apresentou uma representação ao Tribunal de Contas do Amazonas para obter a lista nominal. Em 2020, o caso foi julgado procedente por unanimidade pelos conselheiros da Corte. A relatora da ação, Yara Lins, entendeu que o sistema adotado pela Aleam “fere o princípio da publicidade” e concedeu um prazo de 90 dias para que a Casa adequasse a divulgação dos salários.
O período para adequação do sistema foi estendido em 2021, a pedido do atual presidente Roberto Cidade. O caso tramitou até 2023, quando a Assembleia Legislativa atualizou seu portal da transparência. O sistema, ainda utilizado hoje, exibe o nome e remuneração dos parlamentares, pagamento de diárias e exibe a lista de cargos, mas continua sem disponibilizar lista completa de servidores efetivos e comissionados.
Ainda assim, em agosto de 2023, a Secretaria Geral de Controle Externo do TCE-AM considerou que a decisão da Corte havia sido cumprida pela Aleam. A procuradora Evelyn Freire de Carvalho, do MPC, concordou com a manifestação da auditoria. Já a relatora da ação, Yara Lins, considerando os dois posicionamentos, arquivou o processo.
Na avaliação do coordenador do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção, Carlos Santiago, a não divulgação da lista de servidores é uma grande contradição da Aleam. A iniciativa reúne membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no estado, o Conselho Regional de Contabilidade e o Sindicato dos Jornalistas do Amazonas, dentre outros entes.
“Uma das atribuições do poder legislativo é justamente fiscalizar os atos dos secretários do chefe do poder executivo, os atos do governador e de seus secretários, contando, inclusive, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado. No entanto, a Assembleia Legislativa, quando não dá total transparência nos seus atos, além de não dar um bom exemplo, também age de forma inconstitucional”, diz ele.
“A percepção que a sociedade tem da Assembleia Legislativa do Amazonas hoje é muito negativa. É uma visão de que a Assembleia apenas cumpre o que determina o governo do Estado. E isso é muito ruim para a democracia, porque numa democracia as instituições devem representar o anseio popular. E quando um poder tem baixa aceitação popular, em que o seu presidente sequer foi para o segundo turno em uma eleição municipal, mostra a falta de sintonia entre a sociedade e o poder”, acrescenta.
Risco de 'funcionários fantasmas' na Casa
Além da negatividade inerente à falta de transparência, a não divulgação da lista de servidores propicia a ocorrência de ilegalidades, como a contratação de 'funcionários fantasmas', segundo especialistas.
A Aleam já registrou mais de uma denúncia sobre o tema. Em 2021, o TCE-AM aceitou um pedido para investigar a deputada estadual Mayara Pinheiro (Progressistas) por suspeita de funcionários fantasmas na Aleam.
Um ano antes, em 2020, o próprio então presidente da Casa, Josué Neto, foi notificado pelo MPC sob suspeita de nomear um funcionário fantasma após publicação de um portal local. Ele negou qualquer irregularidade.
A reportagem procurou o TCE-AM, que obteve ciência da demanda, mas não retornou ao pedido de nota. O Ministério Público do Amazonas (MPAM) também foi procurado, mas o promotor Edinaldo Medeiros, que trata sobre patrimônio e transparência, informou via assessoria que está de férias e retorna na segunda-feira (27).