Presidente da CDH da OAB-AM, Caupolican Padilha, avalia que faltou sensibilidade à justiça para reconhecer o racismo contido na ausência de cota racial no concurso da CMM
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM Caupolican Padilha, lamentou postura do Judiciário em relação ao concurso da CMM (Foto: Divulgação/OAB-AM)
Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da seccional do Amazonas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AM), Caupolican Padilha, criticou recente decisão judicial que manteve o concurso público da Câmara Municipal de Manaus (CMM) sem cota racial.
Na avaliação dele, esse caso vai na contramão do que prevê o protocolo aprovado essa semana pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para reduzir os impactos do racismo na atuação da Justiça. O concurso foi realizado no último domingo.
A ausência de cota para pessoas pretas, pardas e indígenas foi um dos motivos que levou o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) a contestar, na Justiça, o concurso da CMM. A ação civil pública foi apresentada pelo promotor de justiça Antônio José Mancilha. “São duas demandas. Uma é a omissão de previsão de cotas para pessoas negras, indígenas e quilombolas; e a outra é o fato de que a isenção de pagamento de taxa estava restrita a somente uma vaga”.
O juiz responsável pelo caso, Ronnie Frank Stone, da 1ª Vara da Fazenda Pública, não concedeu a liminar pedida pelo MP-AM para suspender o concurso. O promotor Antônio Mancilha entrou então com um pedido de providências durante o plantão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). A demanda foi rejeitada pela desembargadora Oniza Abreu Gerth no dia 14 deste mês, às vésperas das provas, ocorridas no domingo.
Indignação
Caupolican lamentou a postura do Judiciário em relação às denúncias do concurso da CMM. “Agora é complicado, é triste essa situação, esse fato que é recente, que nós publicamos no dia 20 uma nota de indignação, no dia de luta pela consciência negra. É triste que a gente veja que provavelmente não vai dar em nada, e o magistrado que dirige o processo provavelmente não vai tomar, como não tomou nenhuma atitude”.
O concurso público para cargos na Câmara Municipal de Manaus, sem a previsão de cota racial, foi realizado no último domingo (Foto: Mauro Pereira/CMM)
O representante da CDH da OAB-AM avalia o protocolo antirracismo aprovado pelo CNJ como “necessário” e que demonstra preocupação do conselho em mudar a atual realidade, porque em situações como o concurso público da CMM, os direitos dessas minorias sociais não são assegurados.
Na avaliação dele, a distribuição de cargos ainda é desigual dentro do judiciário brasileiro e que somente as cotas raciais, não são suficientes para dar direitos iguais. “Sabemos que na justiça o povo negro ocupa a menor parte de cargos. Esse monitoramento de igualdade de raça pode ajudar a equilibrar mais a justiça. De novo, só o tempo, como é que os concursos vão ser formatados. Hoje já existe a questão da cota. A cota, enquanto a ação é afirmativa, ela contribui muito. Mas, às vezes, mesmo a existência da cota em si não é suficiente para a gente enfrentar esse problema que é histórico e que é estrutural”, ressaltou.
‘Compromisso’
Na última terça-feira, durante o lançamento do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal de Justiça (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou o compromisso com a implementação de mudanças estruturais de combate ao racismo e a promoção da equidade racial no Judiciário brasileiro.
Presidente do CNJ, Luís Roberto Barroso, durante o lançamento do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial (Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ)
“A democracia é um projeto de autogoverno coletivo que pressupõe a participação de todos. Evidentemente, se uma parcela expressiva da população está excluída dessa participação em igualdade de condições, nós não conseguimos ter uma democracia verdadeiramente plena”, disse Barroso.
O ministro enfatizou que ações afirmativas se justificam por uma dívida histórica de um povo que veio escravizado, trazido à força para o Brasil e que depois sofreu uma abolição irresponsável, sem inclusão social, sem renda, sem educação, sem terras. Portanto, temos essa obrigação. “Todos nós, da sociedade dominante, fomos beneficiários de uma estrutura que oprimiu um grupo e privilegiou o outro”, disse.
Combate à discriminação
A presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, desembargadora Nélia Caminha disse que o protocolo aprovado pelo CNJ fortalecerá fortalecerá as medidas de combate à discriminação e ao racismo que já vêm sendo executadas pelos tribunais brasileiros.
Presidente do TJ-AM, desembargadora Nélia Caminha, disse que o protocolo do CNJ se soma às iniciativas já tomadas pelos tribunais brasileiros (Foto: Chico Batata/TJ-AM)
"No caso do Tribunal de Justiça do Amazonas, convém destacar que temos uma Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral, Sexual e Discriminação, que tem à frente a desembargadora Carla Reis, comissão esta que é muito atuante no desenvolvimento de cursos, seminários, cartilhas, palestras e outras iniciativas, fincadas no tema".
Iniciativa importante
A procuradora-geral de Justiça do Estado do Amazonas, Leda Mara Albuquerque, ressaltou que o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com a população negra. Disse que, na condição de operadora do direito, recebe com muita alegria o protocolo do CNJ. "Trata-se de mais uma iniciativa importante do Conselho Nacional que já editou protocolos em relação, por exemplo, à questão de gênero e hoje lança um protocolo relativo a essa questão do combate ao racismo, da necessidade de nós corrigirmos essa distorção histórica que ainda nos atormenta", disse.
Procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque, disse que todos os meios devem ser envidados para banir a discriminação racial do país. (Foto: Reprodução)
Leda Mara ressaltou que o racismo não diminui só o negro. Diminui a sociedade.
"Ele nos diminui enquanto pregadores, defensores dos direitos humanos. Então nós temos sim que louvar essa iniciativa que engrandece, que baliza o racismo. Usa as ações do Judiciário, mas que também engrandece a nossa justiça, que se torna ainda mais inclusiva a partir dessa ação do Conselho Nacional de Justiça", disse a chefe do MP-AM.
Para ela, é preciso mobilizar todos os meio possíveis para acabar com a discriminação racial em nossa sociedade.
O protocolo
O protocolo antirracismo do CNJ é dividido em cinco partes. Na introdução, apresenta princípios fundamentais e normativas nacionais e internacionais que norteiam o combate ao racismo.
Em seguida, aborda conceitos como racismo estrutural, vieses implícitos e interseccionalidades, contextualizando o problema com base em estudos acadêmicos.
Na terceira seção, oferece orientações objetivas e checklists para aplicação em diferentes etapas processuais. Orienta, por exemplo, sobre como lidar com grupos vulneráveis, corrigir vieses raciais na análise de provas e incorporar marcos legais em decisões.
A quarta parte explora os impactos do racismo em áreas do Direito, como família, trabalho, penal e civil, com foco em temas como seletividade penal, direito à terra e combate à discriminação no mercado de trabalho.
A quinta e última parte prevê a qualificação permanente de todo o corpo funcional do Poder Judiciário sobre temas como as múltiplas formas de racismo, discriminação e injúria racial; o acompanhamento e avaliação de resultados, por meio de estudos e pesquisas aplicadas sobre práticas processuais; e o combate ao racismo no âmbito institucional, com o fortalecimento do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (Fonaer).
'É discriminatório'
Nota emitida, na quarta-feira, em conjunto pela OAB-AM, União de Negros e Negras pela Igualdade(Unegro), Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEI-AM), Coletivo Pererê e a Associação pela Advocacia Popular do Amazonas, repudiaram o que consideraram de termos discriminatórios utilizados pela CMM para justificar à Justiça a inexistência de cota racial em seu concurso.
“A cota racial não é favor, é uma justiça histórica, e tratá-la com uma linguagem ofensiva, de desprezo, de apagamento, é potencializar o código de linguagem que dá suporte ao racismo”, diz um trecho da nota de repúdio das entidades.
Em entrevista publicada no A CRÍTICA desta sexta-feira (22), o procurador da CMM, Sílvio da Costa, que cuida do processo que questiona o concurso, disse que considera a cota para negros discriminatória. “Cota para negro é discriminatório. Eu sou a favor de uma cota seguinte, tanto na universidade quanto para os concursos públicos, cota para todos aqueles que estudaram em escola pública. Aí eu sou a favor. Se é branco, se é preto, se é pardo, se é índio, se é quilombola, não interessa. Estudou em escola pública, tem que ter cota”, afirmou.
Procurador da CMM, Silvio da Costa, disse que considera a cota racial como um ato de discriminação (Foto: Reprodução/Facebook)
Disse também que a racial promove a vitimização. “Os negros, eles têm que lutar para que isso (racismo) não exista mais. Não lutar por uma vitimização, porque eu quero cota, porque eu sou vítima. Eles têm que lutar, e nós todos temos que lutar, para que eles não sejam mais vítimas. Essa questão de você fazer cota, é simplesmente perpetuar a vitimização deles. Então hoje esses movimentos que não percebem isso ficam vivendo de migalhas”.