Marcada para novembro, em Belém (PA), a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP) é vista por uma série de setores de economia sustentável como a oportunidade para alavancar projetos em uma região que pouco olha para o tema.
Para a fundadora da marca de moda sustentável Yanciã, Elijane Nogueira, o espaço deverá reunir desde populações tradicionais até investidores e governos. Além disso, fomentar o debate sobre moda sustentável e geração de renda com a floresta em pé.
Para A CRÍTICA, ela falou ainda sobre o mercado de biojoias no Amazonas, os cuidados para não recair em apropriação cultural e como incentivar o desenvolvimento de um setor - a bioeconomia - em um estado que agora vê seu futuro econômico dar passos largos rumo à mineração. Confira a entrevista.
Como surgiu a Yanciã?
Eu sempre gostei de moda, mas esse era um conhecimento distante para nós aqui no Amazonas, especialmente em Manaus, onde não tínhamos bons cursos ou oportunidades nesse mercado. Não temos um ecossistema de moda forte. O artesanato sempre foi a principal possibilidade, mas ele não era conectado à moda. Comecei a refletir sobre consumo responsável, materiais, saberes tradicionais e questões como vulnerabilidade social, direitos e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Isso me levou a olhar para o empreendedorismo e as iniciativas privadas, percebendo a oportunidade de trabalhar com a bioeconomia. Em 2016, comecei a pesquisar mais sobre o artesanato local e as etnias do Amazonas, que têm saberes incríveis ainda pouco valorizados. Foi assim que a Yanciã surgiu, como uma marca de moda de impacto socioambiental positivo.
Como você descreve o cenário atual do mercado de biojoias no Amazonas?
Vejo um cenário de muitas oportunidades. Hoje, há um interesse crescente em moda com impacto socioambiental, que é justamente o foco da Yanciã. Queremos causar impacto positivo, pensando no efeito econômico, social e ambiental de cada produto. Vivemos um momento em que temas como sociobioeconomia, mudanças climáticas e consumo consciente estão em pauta. O Amazonas, com sua biodiversidade e saberes tradicionais, tem um potencial enorme para atender a essa demanda global por materiais regenerativos. A moda é o segundo setor mais poluente do mundo, e há uma grande procura por alternativas sustentáveis. Aqui, temos sementes, fibras e pigmentos naturais que podem ser explorados de forma positiva, com incentivo à educação e organização das cadeias produtivas.
Por que, na sua avaliação, ainda não conseguimos desenvolver plenamente esse potencial?
Acredito que falta desenvolver uma cultura de moda local. Precisamos conectar a demanda global com nossa potencialidade e trazer essa discussão para as universidades e outros espaços. Recentemente, abrimos uma galeria temporária para mostrar o conceito de moda e artesanato, chamando atenção para o valor desses produtos. Quando trabalhamos uma produção de moda com styling bem feito, as pessoas conseguem incorporar essas peças em seu estilo, valorizando a identidade amazônida. A exposição teve como nome "El Dourado", e foi pensada para ajudar a mudar a percepção das pessoas sobre o valor do que temos aqui. Muitas vezes, por estarmos tão acostumados com sementes e fibras, não enxergamos seu valor. Quem é de fora acaba valorizando mais. Precisamos mudar essa mentalidade e nos orgulhar do que é nosso.
Os adereços indígenas são carregados de significados e houve um debate nas redes após a cunhã-poranga do Boi Garantido, Isabelle Nogueira, ir para o BBB e vestir essas peças, mesmo não sendo indígena, embora seja da região. Como você vê esse debate?
Minha formação inclui estudos sobre moda decolonial e como evitar a apropriação cultural. É importante ter cuidado com o que usamos, especialmente com elementos como penas, cuja comercialização é proibida. Precisamos entender a origem dos acessórios, dar crédito aos artistas e às culturas que os produzem. No caso de pessoas amazonenses, a utilização desses elementos pode ser uma forma de valorizar nossa cultura, mas é essencial dar protagonismo aos artistas e comunidades tradicionais. Por exemplo, se uma artesã vende uma peça, devemos falar sobre seu trabalho, mostrar sua importância e tirá-la da invisibilidade. Isso fortalece a todos nós, amazônidas.
Você integra a recém-formada Associação dos Negócios de sócio-bioeconomia da Amazônia - Assobio. Qual o perfil dos membros e o papel da entidade?
A Assobio reúne mais de 70 pequenas e médias empresas que atuam na sociobioeconomia da Amazônia, incluindo cadeias de alimentos, cosméticos, biotecnologia e moda. O foco é gerar impacto positivo, não apenas econômico, mas também social e ambiental. A Yanciã, como membro, trabalha com artesanato e moda, buscando fortalecer cadeias produtivas responsáveis. A associação é importante porque, juntas, essas empresas têm um impacto maior, promovendo geração de emprego, reflorestamento e manejo sustentável. Acredito que precisamos de mais iniciativas como essa para fortalecer a sociobioeconomia na região.
Como evitar que as riquezas da região sejam exploradas sem beneficiar as populações locais?
Precisamos capacitar as comunidades locais e garantir que os produtos sejam beneficiados aqui, não apenas exportados como matéria-prima. É essencial levar tecnologia e conhecimento para as bases, onde a maioria das extrações e cultivos ocorre. Se não houver valorização e boas condições de trabalho, as pessoas podem migrar para atividades ilegais, como extração de madeira ou pesca predatória. Precisamos mostrar que fazer a coisa certa vale a pena, e há muitos editais e oportunidades voltados para povos indígenas e comunidades tradicionais. Esse é o caminho para manter as riquezas na região e distribuir a renda de forma justa.
A COP30, que acontecerá em Belém, se volta principalmente para as mudanças do clima. Porém, há um enorme espaço para discutir bioeconomia. Quais possibilidades você enxerga?
A COP30 será uma grande vitrine e espaço de troca. Poderemos ver iniciativas que já estão acontecendo e conectar diferentes atores, desde povos indígenas e comunidades tradicionais até investidores e governos. Tive uma experiência de participar da COP da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, e foi muito importante nesse sentido, porque pude ver o que o país em de biomateriais. Aliás, é muito semelhante ao que temos aqui. Então, a COP 30 é uma oportunidade para posicionar a Amazônia como um território de importância econômica e cultural, conectando saberes tradicionais com ciência e tecnologia.
Vejo como uma grande oportunidade para impulsionar os negócios da socio-bioeconomia, de maneira a atingir ao máximo desde quem está empreendendo, quem está coletando, da base até o produto final.
Como você vê o futuro da bioeconomia na matriz econômica do Amazonas, hoje dominada pela Zona Franca com sua indústria, comércio e serviços, e avançando para o setor de mineração?
Vejo um grande potencial, especialmente no setor de moda e artesanato. A indústria da moda está buscando fibras vegetais e materiais sustentáveis, e nós temos uma biodiversidade incrível para atender essa demanda. No entanto, falta investimento em indústrias têxteis e pesquisas para desenvolver tecnologias locais. Precisamos de políticas públicas e incentivos para criar um polo têxtil e de moda na Amazônia, explorando fibras como Curauá, Juta e Malva. Acredito que, com mais investimento e interesse, a bioeconomia pode se tornar uma parte significativa da nossa matriz econômica, complementando setores como a Zona Franca.
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