Entrevista

‘Com Lula, pelo menos, não tivemos retrocessos’, diz presidenta da Assotram, sobre políticas LGBTQ+

Rebeca Carvalho fala sobre representatividade na política, avanço da extrema-direita em pautas anti-trans, e defende a criação de oportunidades de ensino e trabalho

Waldick Júnior
26/01/2025 às 11:13.
Atualizado em 26/01/2025 às 11:14

Rebeca Carvalho, 54 anos, é cabeleireira e estética, e preside a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram) para o quadriênio 2023-2026. (Foto: Jeiza Russo/A CRÍTICA)

Presidenta da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram), Rebeca Carvalho diz não ver avanços significativos em políticas LGBTQIA+ na gestão do presidente Lula (PT), mas celebra o que considera fim dos retrocessos. 

Em entrevista para A CRÍTICA, no Mês da Visibilidade Trans, celebrado mundialmente, ela comentou sobre a baixa representatividade nas casas legislativas, os recentes fechamentos de programas de diversidade em grandes empresas, como Meta, McDonalds e Disney, e o que vê como abertura para a população trans na gestão do prefeito evangélico, e de direita, David Almeida (Avante).

Rebeca defende a criação de políticas públicas que ofereçam oportunidades de ensino e emprego para pessoas trans e diz ver hipocrisia em políticos de extrema-direita que tentam rejeitar a existência de pessoas LGBTQ+, embora elas estejam em todos os espaços da sociedade. Confira a entrevista.  

No mês internacional da visibilidade trans, vemos uma série de empresas anunciando a redução dos seus programas de diversidade na esteira da eleição de Trump nos EUA. Meta, McDonald's e Disney são exemplos. Como você vê isso?

É um retrocesso muito grande porque nós, travestis, mulheres e homens trans, lutamos por uma oportunidade. Desde cedo, isso nos foi tirado. Muitas vezes fomos expulsos, tanto do âmbito familiar quanto do escolar. Por mais que quiséssemos frequentar a escola, os professores, os estudantes e até o segurança nos rejeitavam. 

Aqui no Brasil, tivemos algumas conquistas, como vagas de emprego em algumas lojas e indústrias que aceitam a nossa identidade e respeitam o nosso gênero. Não precisamos mais nos mascarar, mudar quem somos para conseguir um emprego. Apesar de avanços, ainda estamos longe do ideal. Como seres humanos, temos direito ao trabalho e à educação, mas essa direita extrema parece querer tirar isso de nós. 

Eles agem como se fossem os donos da verdade, os donos do mundo, e isso é uma hipocrisia. No próprio meio deles existem pessoas LGBTs, seja no trabalho, seja em outros ambientes. Por mais que tentem esconder ou fingir, estamos presentes em todos os setores. Essa rejeição é uma tentativa hipócrita de apagar algo que está em toda parte. Nós, LGBTs, sempre damos o nosso melhor porque sabemos que, além de provar nossa competência, temos que superar o preconceito.

O que pode ser feito pelo governo – seja municipal, estadual ou federal – para garantir mais oportunidades na educação e no emprego para pessoas trans?

Nós temos um bom exemplo em São Paulo, onde uma associação vinculada à prefeitura paga bolsas para travestis e mulheres trans, muitas delas profissionais do sexo, dando oportunidade para retornarem aos estudos.
Aqui em Manaus, temos o projeto Passaporte, da Semasc. Esse projeto beneficia pessoas em situação de rua, oferecendo uma compensação de cerca de mil reais. Em troca, essas pessoas precisam estudar e trabalhar em algum órgão público por 4 horas diárias, de segunda a sexta-feira. Esse ano conseguimos, graças a Deus, incluir meninas trans nesse projeto. Elas se comprometeram a estudar novamente, muitas já estão fazendo o EJA, no Sesc, e trabalhando. Essas são as oportunidades que queremos.

Muitas travestis e mulheres trans, especialmente as mais velhas, sequer completaram o ensino fundamental. Então, projetos como esse são essenciais para integrá-las à sociedade.

A Semasc, citada por você, tem uma gerência de diversidade. Chama a atenção, porque é um órgão vinculado a uma administração de um prefeito evangélico e de direita, o David Almeida. Como você vê isso?

Alguns gestores têm dificuldade de enxergar além das pressões de suas bases, especialmente quando são evangélicos. Eles precisam atender suas igrejas, mas, pelo menos aqui, o prefeito tem dado uma pequena abertura. É pouco, muito pouco. Conseguimos incluir algumas meninas, mas ainda há muitas que dependem de trabalhos precários e sofrem violência diariamente.
A televisão tem ajudado um pouco, mostrando mais a realidade das pessoas trans em novelas e outras produções. Isso faz algumas famílias começarem a nos acolher melhor.

Sobre a Câmara Municipal de Manaus, vimos um avanço do conservadorismo, com vereadores aprovando leis contrárias às populações LGBTs. Como a Assotram lida com isso?

Trabalhamos para conscientizar as meninas da Assotram sobre a importância do voto. As igrejas são muito articuladas, elegem representantes para defender seus interesses. Precisamos fazer o mesmo. É essencial ter pessoas LGBTs nos espaços onde as leis são feitas. Muitas vezes, candidatos da nossa própria comunidade nos ignoram após eleitos.

Nós buscamos diálogo com vereadores, especialmente os de esquerda, para barrar projetos prejudiciais. Conseguimos articular algumas ações e até entregar uma carta de repúdio com apoio de um vereador, mas é um trabalho árduo.

Manaus nunca teve uma vereadora ou deputado trans. Você vê essa possibilidade no futuro? O que falta para alcançarmos isso?

Nós tivemos três candidatas nesta última eleição. Para eleger alguém, precisamos primeiro nos unir enquanto associações. Em segundo lugar, a própria comunidade LGBTQ+ é desunida. Precisamos criar lideranças que gostem do movimento, que participem das atividades, de reuniões, viagens. Não é só a gente ficar na frente, outras meninas. E com isso vamos abrindo a cabeça de mais pessoas sobre a importância da militância, a importância da política. 

Eu vejo, sim, no futuro, Manaus elegendo uma vereadora ou vereador trans, já temos meninas que estão junto com a gente na militância e que estão começando a andar com as suas próprias pernas, mas isso não é da noite para o dia. 

São Paulo e Belo Horizonte tem vereadoras, mas isso não começou ontem, é uma construção política longa. A Érika Hilton não começou agora, ela atua desde a época de estudante. Então, hoje plantamos as sementes que estarão na política no futuro. Eu estou com 54 anos e espero poder ver isso, travesti vereadora aqui. 

A gestão Bolsonaro é considerada de retrocessos para a população LGBTQ+, já que o ex-presidente era abertamente contra a diversidade. Agora, com a presidência de Lula, você acha que avançamos em políticas para pessoas LGBT?

Não muito. Não é como na primeira vez em que ele foi eleito, quando, pela primeira vez, foi celebrada a visibilidade trans no plenário, em Brasília, com o tema ‘Travesti e Respeito’. Naquele período, foi criado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Foi a primeira vez que o plenário abriu as portas para mulheres trans e travestis com cartazes. Não tivemos muitos avanços agora, mas pelo menos não tivemos retrocessos, como certamente teríamos se a gestão fosse outra. 

Mas você enxerga avanços do ponto de vista de políticas públicas nesta gestão?

No Ministério da Saúde tem havido mais apoio a causas direcionadas por associações LGBTs, o que estava totalmente fechado na época do Bolsonaro. Como eu disse, não vejo tantos avanços, mas é melhor ele do que o retrocesso.

Perfil

Rebeca Carvalho

Idade: 54 anos.

Estudos: cabeleireira e estética.

Experiência: É presidenta da  Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (Assotram) para o quadriênio 2023-2026.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2025Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por