Após concurso público sem cota para negros, criação do Conselho visa o combate a todas as modalidades de racismo, discriminação étnico-racial, preconceitos, intolerância religiosa e racismo religioso
(Divulgação/CMM)
Após a realização de um concurso público denunciado pela ausência de cotas para negros, indígenas e quilombolas e pela abordagem de cunho racista no processo judicial que autorizou o certame, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) vai analisar um projeto de lei (PL) de autoria do Executivo que cria o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir).
Um dos objetivos do conselho é o combate a todas as modalidades de racismo, discriminação étnico-racial, preconceitos, intolerância religiosa e racismo religioso. A proposta de criação do conselho, assinada pelo prefeito David Almeida na sexta-feira foi registrada no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da CMM. Na mensagem enviada à Casa, o Executivo pediu que a matéria seja apreciada em regime de urgência, procedimento aprovado nesta quarta-feira.
De acordo com o projeto, o conselho contará com a participação de 16 membros titulares. Serão oito vagas destinados aos representantes das órgãos da administração direta e indireta do município e oito para organizações da sociedade civil. Cada vaga terá direito a suplente.
Participarão da entidade as secretarias da Mulher, da Assistência Social e Cidadania (Semasc); de Habitação e Assuntos Fundiários (Semhaf); de Educação (Semed); de Saúde (Semsa); do Trabalho, Empreendedorismo e Inovação (Semtepi); de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc); a Fundação Municipal de Cultura (Manauscult) e da Casa Civil.
Já os representantes da sociedade civil serão de religiões de matriz africana; movimento de mulheres negras; capoeira; população lgbtqiapn+ negra; cultura negra; comunidades indígenas e quilombolas; juventude negra e da população parda.
Caberá ao conselho apreciar matérias de políticas públicas que promovam igualdade, enfrentar as desigualdades em diferentes áreas (saúde, educação, econômica e política), além de atuar no monitoramento e fiscalização das políticas públicas setoriais.
Para o diretor da juventude da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), Ernan Passos, a criação do Compir era um pedido antigo dos movimentos negros do Amazonas.
O ativista ressaltou que uma das questões raciais mais recentes envolvendo a CMM foi o concurso público sem cotas para negros, indígenas e quilombolas e que isso mostra a dificuldade em garantir os direitos da população preta.
Ele enfatizou que as cotas raciais não são ‘um favor’ e que faltou compreensão das desigualdades raciais do país na formação da elaboração do edital do concurso.
O diretor da juventude Unegro afirmou que a criação do conselho é uma oportunidade de mudar essa construção social discriminatória e que esse racismo foi percebido na estrutura da procuradoria da CMM.
Ernan Passos vê esse novo espaço, o conselho, como uma oportunidade de diálogo entre os vários segmentos, inclusive da administração pública, para a formulação de políticas públicas afirmativas e inclusivas.
O concurso
A ausência de cota para pessoas pretas, pardas e indígenas foi um dos motivos que levou o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) a contestar, na Justiça, o concurso da CMM. A ação civil pública foi apresentada pelo promotor de justiça Antônio José Mancilha. “São duas demandas. Uma é a omissão de previsão de cotas para pessoas negras, indígenas e quilombolas; e a outra é o fato de que a isenção de pagamento de taxa estava restrita a somente uma vaga”.
O juiz responsável pelo caso, Ronnie Frank Stone, da 1ª Vara da Fazenda Pública, não concedeu a liminar pedida pelo MP-AM para suspender o concurso. O promotor Antônio Mancilha entrou então com um pedido de providências durante o plantão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). A demanda foi rejeitada pela desembargadora Oniza Abreu Gerth no dia 14 deste mês, às vésperas das provas, dois dias depois.
Nota emitida, na quarta-feira (20), em conjunto pela OAB-AM, União de Negros e Negras pela Igualdade(Unegro), Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEI-AM), Coletivo Pererê e a Associação pela Advocacia Popular do Amazonas, repudiaram o que consideraram de termos discriminatórios utilizados pela CMM para justificar à Justiça a inexistência de cota racial em seu concurso.
“A cota racial não é favor, é uma justiça histórica, e tratá-la com uma linguagem ofensiva, de desprezo, de apagamento, é potencializar o código de linguagem que dá suporte ao racismo”, diz um trecho da nota de repúdio das entidades.
Em entrevista publicada no A CRÍTICA na sexta-feira (22), o procurador da CMM, Sílvio da Costa, que cuida do processo que questiona o concurso, disse que considera a cota para negros discriminatória. “Cota para negro é discriminatório. Eu sou a favor de uma cota seguinte, tanto na universidade quanto para os concursos públicos, cota para todos aqueles que estudaram em escola pública. Aí eu sou a favor. Se é branco, se é preto, se é pardo, se é índio, se é quilombola, não interessa. Estudou em escola pública, tem que ter cota”, afirmou.
Disse também que a racial promove a vitimização. “Os negros, eles têm que lutar para que isso (racismo) não exista mais. Não lutar por uma vitimização, porque eu quero cota, porque eu sou vítima. Eles têm que lutar, e nós todos temos que lutar, para que eles não sejam mais vítimas. Essa questão de você fazer cota, é simplesmente perpetuar a vitimização deles. Então hoje esses movimentos que não percebem isso ficam vivendo de migalhas”.