TRAMITA COM URGÊNCIA

CMM analisa projeto que cria o Conselho Municipal da Igualdade Racial

Após concurso público sem cota para negros, criação do Conselho visa o combate a todas as modalidades de racismo, discriminação étnico-racial, preconceitos, intolerância religiosa e racismo religioso

Emile de Souza
politica@acritica.com
27/11/2024 às 14:50.
Atualizado em 27/11/2024 às 14:50

(Divulgação/CMM)

Após a realização de um concurso público denunciado pela ausência de cotas para negros, indígenas e quilombolas e pela abordagem de cunho racista no processo judicial que autorizou o certame, a Câmara Municipal de Manaus (CMM) vai analisar um projeto de lei (PL) de autoria do Executivo que cria o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (Compir). 

Um dos objetivos do conselho é o combate a todas as modalidades de racismo, discriminação étnico-racial, preconceitos, intolerância religiosa e racismo religioso. A proposta de criação do conselho, assinada pelo prefeito David Almeida na sexta-feira foi registrada no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da CMM. Na mensagem enviada à Casa, o Executivo pediu que a matéria seja apreciada em regime de urgência, procedimento aprovado nesta quarta-feira. 

De acordo com o projeto, o conselho contará com a participação de 16 membros titulares. Serão oito vagas destinados aos representantes das órgãos da administração direta e indireta do município e oito para organizações da sociedade civil. Cada vaga terá direito a suplente. 
Participarão da entidade as secretarias da Mulher, da Assistência Social e Cidadania (Semasc); de Habitação e Assuntos Fundiários (Semhaf);  de Educação (Semed);  de Saúde (Semsa);  do Trabalho, Empreendedorismo e Inovação (Semtepi);  de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc); a Fundação Municipal de Cultura (Manauscult) e da Casa Civil. 

Já os representantes da sociedade civil serão de religiões de matriz africana; movimento de mulheres negras; capoeira; população lgbtqiapn+ negra; cultura negra; comunidades indígenas e quilombolas; juventude negra e da população parda. 

Caberá ao conselho apreciar matérias de políticas públicas que promovam igualdade, enfrentar as desigualdades em diferentes áreas (saúde, educação, econômica e política), além de atuar no monitoramento e fiscalização das políticas públicas setoriais.  

Para o diretor da juventude da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), Ernan Passos, a criação do Compir  era um pedido antigo dos movimentos negros do Amazonas. 

“A criação do Conselho é uma questão que a gente já vem debatendo desde o início do ano, mas devido às eleições, atrapalhou um pouco todo esse processo. Desde abril vem tramitando essa situação do Conselho, que é importantíssima para presença dos movimentos sociais, das organizações civis que se organizam em torno da pauta de igualdade racial”, afirmou Passos. 

O ativista ressaltou que  uma das questões raciais mais recentes envolvendo a CMM foi o concurso público sem cotas para negros, indígenas e quilombolas e que isso mostra a dificuldade em garantir os direitos da população preta. 

“Teve diversas irregularidades e nesse caso das cotas teve dificuldade de garantir os direitos. A fala da instituição foi totalmente racista num âmbito em que analisa as cotas raciais e étnicas aqui no Amazonas como se não houvesse pessoas negras, como se não houvesse pessoas racializadas aqui no Amazonas”, ressaltou Passos.

Ele enfatizou que as cotas raciais não são ‘um favor’ e que faltou compreensão das desigualdades raciais do país na formação da elaboração do edital do concurso. 

“Existe uma leitura equivocada do que eles compreendem em cotas raciais, né? Eles pensam que cotas é um favor ou é algo parecido, mas as cotas são uma reparação histórica. Então, tá alinhada à escravidão, tá alinhada ao massacre dos povos originares, não é um favor que a gente está realizando, é uma reparação dentro da nossa sociedade brasileira”, destacou.

O diretor da juventude Unegro afirmou que a criação do conselho é uma oportunidade de mudar essa construção social discriminatória e que esse racismo foi percebido na estrutura da procuradoria da CMM.

“Em uma das falas da procuradoria, que publicamos em nota, diz que são ‘famigerados esquerdopatas’. A partir do momento que eles falam ‘famigerados esquerdopatas’, eles estão se referindo a esses movimentos sociais que lutam por essa reparação. Então existe um elemento ideológico que está aí, dentro da estrutura da Câmara Municipal, dentro da estrutura da Assembleia Legislativa do Amazonas”.

Ernan Passos vê esse novo espaço, o conselho, como uma oportunidade de diálogo entre os vários segmentos, inclusive da administração pública, para a formulação de políticas públicas afirmativas e inclusivas. 

“Existem várias nuances que a gente precisa dialogar. Eu acho que esse conselho é uma oportunidade pra gente conversar, pra gente dialogar com diversos setores, encaminhar essa proposta do conselho e a gente poder, sobretudo, dialogar com os vereadores, com as pessoas responsáveis em estruturar. Também dialogar com as pessoas responsáveis em realizar também esses concursos, mas também, por exemplo, as datas comemorativas”.

O concurso

A ausência de cota para pessoas pretas, pardas e indígenas foi um dos motivos que levou o  Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) a contestar, na Justiça, o concurso da CMM. A ação civil pública foi apresentada pelo promotor de justiça Antônio José Mancilha. “São duas demandas. Uma é a omissão de previsão de cotas para pessoas negras, indígenas e quilombolas; e a outra é o fato de que a isenção de pagamento de taxa estava restrita a somente uma vaga”.  

O  juiz responsável pelo caso, Ronnie Frank Stone, da 1ª Vara da Fazenda Pública, não concedeu a liminar pedida pelo MP-AM para suspender o concurso. O promotor Antônio Mancilha entrou então com um  pedido de providências durante o plantão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM). A demanda foi rejeitada pela desembargadora Oniza Abreu Gerth no dia 14 deste mês, às vésperas das provas, dois dias depois.

Nota emitida, na quarta-feira (20), em conjunto pela OAB-AM, União de Negros e Negras pela Igualdade(Unegro), Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (MEI-AM), Coletivo Pererê e a Associação pela Advocacia Popular do Amazonas, repudiaram o que consideraram de termos discriminatórios utilizados pela CMM para justificar à Justiça a inexistência de cota racial em seu concurso. 

“A cota racial não é favor, é uma justiça histórica, e tratá-la com uma linguagem ofensiva, de desprezo, de apagamento, é potencializar o código de linguagem que dá suporte ao racismo”, diz um trecho da nota de repúdio das entidades. 

Em entrevista publicada no A CRÍTICA na sexta-feira (22), o procurador da CMM, Sílvio da Costa, que cuida do processo que questiona o concurso, disse que considera a cota para negros discriminatória. “Cota para negro é discriminatório. Eu sou a favor de uma cota seguinte, tanto na universidade quanto para os concursos públicos, cota para todos aqueles que estudaram em escola pública. Aí eu sou a favor. Se é branco, se é preto, se é pardo, se é índio, se é quilombola, não interessa. Estudou em escola pública, tem que ter cota”, afirmou.

Disse também que a racial promove a vitimização. “Os negros, eles têm que lutar para que isso (racismo) não exista mais. Não lutar por uma vitimização, porque eu quero cota, porque eu sou vítima. Eles têm que lutar, e nós todos temos que lutar, para que eles não sejam mais vítimas. Essa questão de você fazer cota, é simplesmente perpetuar a vitimização deles. Então hoje esses movimentos que não percebem isso ficam vivendo de migalhas”.

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