AVALIAÇÃO

Após decepção na COP 29, cresce expectativa sobre edição no Brasil em 2025

Conferência mundial do clima no Azerbaijão terminou com acordo de US$ 300 bilhões anuais aos países em desenvolvimento, quatro vezes menos que o valor solicitado, US$ 1,3 trilhão

Waldick Junior
waldick@acritica.com
25/11/2024 às 17:31.
Atualizado em 25/11/2024 às 17:36

Vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, durante participação na COP 29 (Foto: Cadu Gomes/VPR)

Um ano marcado por secas extremas, furacões e enchentes mortais não foi suficiente para convencer os países desenvolvidos a adotarem uma meta de financiamento climático adequada para que países em desenvolvimento se adaptem às mudanças climáticas. A 29ª Conferência das ONU sobre Clima (COP 29) encerrou no domingo (24), em Baku (Azerbaijão), com um acordo que prevê US$ 300 bilhões anuais aos países emergentes, quatro vezes menos que o reivindicado, de US$ 1,3 trilhão. O resultado coloca mais responsabilidade sobre a COP 30, marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).

Pesa ainda o fato de o acordo “fraco” contrastar com a piora do cenário mundial. Um estudo divulgado pelo World Weather Attribution antes das COP 29 mostrou que as mudanças climáticas tornaram mais letais os dez maiores desastres dos últimos 20 anos. Morreram ao menos meio milhão de pessoas nesses eventos. As chuvas no Rio Grande do Sul, em maio deste ano, deixaram 182 vítimas, por exemplo.

O montante aprovado na Conferência foi considerado “decepcionante” e “insuficiente” pelas principais organizações que acompanham o tema. O secretário Executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, avalia que o resultado coloca ainda mais peso sobre a COP 30, marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).

“A presidência da COP 29 foi desastrosa, perdendo apenas para o conteúdo do texto aprovado, que é absolutamente insuficiente para qualquer solução da crise climática. O desfecho de Baku  escancara que os países ricos fogem de qualquer responsabilidade, além de deixar aberta a conta do financiamento. A COP 30, sob a liderança do Brasil, terá que ser muito competente e dedicada para preencher as lacunas deixadas por esta conferência,  promover o avanço de ambição e manter o objetivo de 1,5 ºC”, diz.

A diretora de clima do WRI Brasil, Karen Silverwood-Cope, destacou que mais financiamento climático incentivaria os países a apresentarem metas mais ambiciosas de redução dos gases do efeito estufa. Segundo o Acordo de Paris, as novas NDCs (metas) têm de ser anunciadas até fevereiro de 2025. Porém, o valor aprovado não empolga.

“Trata-se de um aumento que meramente cobre a inflação dos US$ 100 bilhões anuais prometidos em 2009. A lacuna de investimentos no presente aumentará os custos no futuro, criando um caminho potencialmente mais caro para a estabilidade climática”, pontua.

Cifras

Além dos US$ 300 bilhões anuais até 2035 aos países em desenvolvimento, a COP 29 também aprovou a garantia de esforços de “todos os atores” para aumentar o financiamento de países em desenvolvimento, de fontes públicas e privadas, no valor de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035.

A falta de detalhamento do texto permite interpretar como financiamento climático uma série de transações e investimentos, incluindo empréstimos de países ricos aos mais pobres, ou gastos do setor privado com mitigação e adaptação às mudanças do clima. Tudo o que, na balança, reduziria a dívida histórica dos países desenvolvidos. 

“O texto deixou muitas questões em aberto sobre o papel de fontes públicas, privadas, recursos concessionados, e outros aspectos qualitativos dessa mobilização. Assim, há muito trabalho pela frente para que os recursos cheguem aos países em desenvolvimento em tempo adequado, com processos transparentes, a fim de promover o desenvolvimento sustentável e redução de vulnerabilidades, sem levar a maior endividamento”, avalia a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Maria Netto. 

Negociações

O debate sobre financiamento demorou para engatar na COP. Só no penúltimo dia do evento um primeiro rascunho previu US$ 250 bilhões aos países mais pobres. Mais dois dias de negociações e pressão das nações emergentes e de organizações não governamentais fizeram o valor chegar a US$ 300 bilhões. 

Além do próprio tema difícil de negociar, pesou na COP de Baku um contexto geopolítico delicado. Duas guerras (no Oriente Médio e na Ucrânia); a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, um negacionista da mudança do clima; e  a realização do evento em um país fortemente dependente dos combustíveis fósseis pelo segundo ano consecutivo. 

Para Maria Netto, os resultados da edição deste ano trazem desafios na preparação do Brasil para a presidência da COP 30. O país, junto com o Reino Unido, chegou a ser convidado pelo Azerbaijão para ajudar nas negociações da conferência deste ano, que estavam travadas.

“Abre-se também uma oportunidade de apoiar o restabelecimento da confiança no multilateralismo e de alinhar a discussão sobre mudança do clima a novos modelos de desenvolvimento, com redução de desigualdades e mais inclusão. Em um contexto geopolítico complexo, construir pontes e encontrar consensos é primordial. Isso só será possível com ampla participação social e inovação”, comenta.

A COP 30 está sendo chamada pelo governo brasileiro de “COP da implementação”. O evento é considerado um dos mais importantes dos últimos anos não somente porque acontecerá pela primeira vez na Amazônia brasileira, mas porque marca os dez anos do Acordo de Paris, da COP 21.

Até lá, os países precisam apresentar suas novas metas climáticas para contribuir com o objetivo comum de impedir que a terra aqueça acima de 1,5 ºC. O Brasil foi o segundo país, após o Reino Unido, a apresentar a sua. O governo se comprometeu a reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, comparado a 2005.

Carbono

Em contraste ao debate truncado sobre financiamento, a COP 29 aprovou, após quase uma década de trabalho, os blocos de construção finais que definem como os mercados de carbono operarão sobre o Acordo de Paris, tornando o comércio de país para país e um mecanismo de crédito de carbono totalmente operacional. 

Dentre as definições, está a que fornece maior clareza sobre como os países autorizarão o comércio de créditos de carbono e como irão operar os registros que rastreiam isso. Os países concordaram com padrões para um mercado de carbono centralizado sob a ONU, conferindo maior segurança jurídica às transações e prevendo, por exemplo, consulta a comunidades e povos afetados para avançar com projetos.

“Em relação a sinais positivos da COP, destaca-se a decisão a respeito de elementos do Artigo 6º do Acordo de Paris, que poderá potencializar a descarbonização por meio de mercados de carbono com integridade ambiental e respeito a salvaguardas, assim como a operacionalização do Fundo de Perdas e Danos”, diz Maria Netto.
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