Parintins

“Matinta Perêra” pousa no Bumbódromo de Parintins e viraliza nas redes sociais

Registro feito pelo produtor audiovisual e pianista, Expedito Calixto, repercutiu nas redes pela beleza da coruja, assim como pelo mito da velha agourenta

Robson Adriano
online@acritica.com
08/11/2024 às 20:15.
Atualizado em 08/11/2024 às 20:15

Registro feito pelo produtor audiovisual e pianista, Expedito Calixto (Foto: Expedito Calixto)

No Bumbódromo de Parintins (município distante 369 quilômetros em linha reta de Manaus) as lendas indígenas e caboclas ganham forma e movimento em gigantescas alegorias e na arena o imaginário ganha cor, dança e toada. Nessa semana uma lenda viralizou nas redes sociais pelo registro em vídeo do produtor audiovisual e pianista do coral do Liceu de Artes e Ofícios Cláudio Santoro, desse município, Expedito Calixto, de uma Rasga-Mortalha ou Coruja-de-Igreja (Tyto fucata), ou para aqueles que temem a própria Matinta Perêra.

Calixto contou ao acritica.com nesta sexta-feira (8) que tocava ao piano Refrão de Bolero, canção do Engenheiros do Havaí (1987), por volta das 7h55 de quarta-feira (6), em uma sala dentro do liceu em aquecimento para o ensaio do coral das crianças daquele dia. Ao olhar para fora da sala por meio do vidro transparente, se deparou com a coruja com os olhos semicerrados como se estivesse prestes a dormir. Um vidro transparente separa o pianista do animal que estava confortavelmente em pé no parapeito. 

“De repente eu vi a coruja do lado de fora pelo vidro claro. Esse parapeito tem um espaço de, mais ou menos, um metro. Eu estava tocando (piano) e ela meio cochilando. Quando eu a vi me espantei e puxei o celular e fiz o registro. Me aproximei devagar, com o zoom, e a medida que fui chegando perto, ela (a coruja) abriu as asas e começou a fazer uns movimentos. Em alguns momentos ela fica repetindo esses movimentos. A intenção não era viralizar. Eu estava registrando para mostrar aos meus amigos”, contou Calixto. 

O pianista relatou a uma médica veterinária, amiga próxima dele, que havia se deparado com a coruja e os movimentos que o animal fez.

“Ela estava assustada e por isso fez aquelas movimentos. O movimento que ela faz com o bico é para tentar me espantar. Ela (a veterinária) disse que é comum. O que é incomum, e ela (a coruja) está de dia exposta assim. Depois desse contato que tive de dois minutos e pouco, ela (a coruja) voou e ficou no arco que tem bem no centro da arena do Bumbódromo. E ficou praticamente a manhã toda nesse arco exposta ao sol”, relembrou. 

Ao que tudo indica a coruja mora no liceu parintinense e outras aves também fazem da estrutura do Bumbódromo a própria morada.

“É comum ver, mas não tão perto. A gente vê elas (as aves) voando e quando estamos no térreo, no hall, são mais de dez metros de altura. É comum vê-las passar. A estrutura do Bumbódromo em si, abriga alguns animais, algumas aves, por ser muito grande. Tem muito pombo, alguns casais de papagaio, dizem quer era um casal de coruja brancas e agora só restou essa”, pontuou Calixto.

Riscos e Cuidados

Mário Cohn-Haft, ornitólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), declarou que é preciso se preocupar com o efeito negativo que o homem pode causar no animal.

“Não assustar o animal, para não afugentá-lo em direção a um carro ou janelas. Uma coruja dessas não vai atacar. Ela não representa riscos, a não ser que você a pegue. As pessoas costumam se preocupar com o bico, e o perigo estão nas garras. Ele gira e enfia as unhas dentro da carne. E tem força e muito difícil abrir as garras se a ave não quiser. Pode ferir, cortar nervos e causar danos”, advertiu.

Para o pesquisador é incomum ver coruja dessa espécie pela manhã, uma vez que possui hábitos noturnos. “A maioria das espécie de coruja são noturnas. Existem algumas espécies ativas durante o dia e igualmente durante o dia e noite. Essa espécie é de fato noturna. Não é comum vê-lo ativo durante o dia”, disse. “O mais importante não ter medo do animal, e entender que ele tem muito mais medo da gente do que nós dele. Tentar manter distância e não ameaçar a criatura”, ponderou o ornintólogo.   

A lenda

A ave é rodeada de mistérios e possui algumas versões para a lenda. No norte do Brasil, a Rasga-Mortalha ou Suindara (nome vernacular brasileiro), é sinônimo de mau agouro. A lenda fala sobre uma velha bruxa chamada Matinta Perêra que visita as casas dos povos ribeirinhos para atormentar os sono dos moradores e se transforma na coruja para emitir um assobio medonho que, segundo a lenda, é presságio para a morte. Para que ela siga o próprio caminho e deixe os moradores em paz, o caboclo precisa ofertar fumo e café. 

O antropólogo brasileiro Câmara Cascudo (1898-1986), sobre a Matinta Perêra escreveu. “À noite, se transforma em um pássaro agourento que pousa sobre os muros e telhados das casas e se põe a assoviar, e só para quando o morador, já muito enfurecido pelo estridente assovio, promete a ela algo para que pare. Assim, a matinta para e voa, e no dia seguinte vai até a casa do morador perturbado para cobrar o combinado. Caso o prometido seja negado, uma desgraça acontece na casa do que fez a promessa não cumprida".   

Na arena parintinense, a lenda também tomou forma. Em 2018, o boi Garantido com o tema “Auto da Resistência Cultural” apresentou a metamorfose da velha Matinta Perêra na grande coruja, em uma alegoria assinada pelo artista Roberto Reis, que atualmente atua no boi Caprichoso. A toada “Matinta” composta por Enéas Dias, João Kennedy e Marcos Moura retratam o temor do mau agouro da velha bruxa. “Leve o tabaco, mas poupe minha vida. Sussuram caboclos em superstição. É preciso escapar!”, diz a toada. 

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