Estratégia

Caprichoso chama primeira mestra de maracatu no mundo para o festival

Joana Cavalcante é mestra do Maracatu Nação Encanto do Pina e do Maracatu Baque Mulher, ambos sediados em Recife (PE)

Laynna Feitoza
27/06/2019 às 19:28.
Atualizado em 11/03/2022 às 09:19

(Foto: Jair Araújo)

Joana Cavalcante nasceu dentro do mundo mágico do maracatu, dança folclórica de origem afro-brasileira. O Maracatu Nação Encanto do Pina, sediado em Recife (PE), foi fundado por sua avó. A filha de sangue da idosa não quis dar seguimento à tradição, e o pai de Joana assumiu o grupo. Surgiram então vários problemas espirituais e de saúde na vida do homem, e por ter o maracatu relação direta com o candomblé, isso o inviabilizou na missão musical.

"Minha avó e mães de santo jogaram búzios pedindo autorização dos orixás - divindades africanas que simbolizam as forças da natureza - para eu assumir o posto dele e eu não entendia o porquê de todas essas obrigações para eu assumir o cargo. Pra mim seria muito natural. Após jogarem, minha mãe de santo falou 'Pode ir. Se você não assumir o maracatu, ele vai estacionar'", relembra ela. Ao assumir, todos os homens do maracatu abandonaram seus postos. E aí Joana compreendeu que a  missão que tinha pela frente: vencer o machismo existente dentro dos grupos musicais e religiosos.

Deste modo, Joana se tornou a primeira mestra mulher de maracatu do mundo. E é essa personalidade que fará parte da militância proferida pelo boi Caprichoso em sua passagem pela arena sob "O Canto de Esperança Para Mátria Brasilis". Além de liderar o Encanto do Pina, Joana é fundadora do maracatu Baque Mulher, composto exclusivamente por mulheres - e que participou da apresentação do bumbá azul no ano passado. Isso acabou motivando um novo convite para o festival.

Como o boi Caprichoso possui uma temática que exalta o matriarcado e a raiz da afro religião, as participações de Mestra Joana e do maracatu Encanto do Pina ocorrerão nos momentos de exaltação das matrizes africanas. Uma toada, em particular, se encaixa à realidade religiosa de Joana: "Boi de Encantaria" exalta o culto da Jurema Sagrada - religião indígena sediada no Nordeste e influenciada por elementos dos cultos afro-brasileiros. Joana é candomblecista e também cultua a Jurema Sagrada.

Aspectos

Por ser yakekerê - nome dado a alguém que possui o cargo de mãe pequena de uma casa de candomblé - do Ylé Axé Oxum Deym, Cavalcante possui plena legitimidade para falar sobre o tema diante do boi Caprichoso. Afinal, representa a mulher nordestina, negra e da cultura popular, sempre quebrando tabus. Sua aparição se dará nas três noites de festival, somando participações em alegorias, na arena e tocando maracatu de baque virado, assumindo o protagonismo em diversos momentos.

Joana conta que a preparação do maracatu Encanto do Pina para o festival iniciou no pós-Carnaval em Recife. "Toda a nossa concentração depois disso está voltada para esse momento. Na parte sonora não há muitos desafios, porque no fim terminamos sempre falando quase a mesma linguagem, embora o toque seja diferente. Falamos da cultura e do axé. E o boi traz muito a parte da Jurema, do candomblé. É uma ligação bem importante", destaca ela.

A preparação não é só musical, mas espiritual: integrantes do grupo tiveram que fazer obrigações religiosas para virem devidamente energizados para o festival. E, ainda que o som do maracatu vá se unir ao som do boi-bumbá, Mestra Joana garante que toda a essência da sonoridade do maracatu será rigorosamente mantida na arena do Bumbódromo.

Mestra Joana avalia a abordagem do boi Caprichoso à cultura de matriz afro bem positiva e rica. "Principalmente na conjuntura política que vivemos hoje. Essa visibilidade e reconhecimento de trazer nosso axé para a arena é de grande importância não só para nós, mas também para todos os povos de matriz africana. Me sinto honrada, porque é uma grande missão estar aqui, com certeza abençoada pelos orixás. O boi Caprichoso nos abriu as portas e tenho certeza que não é em vão. É um elo de tudo que trabalhávamos dentro nos nosso povos de matriz africana", declara ela.

O Maracatu Nação Encanto do Pina irá para a arena do Bumbódromo com 27 integrantes. Os membros da nação no total, segundo Joana, são incalculáveis. "Tem a nação sede com base em Pernambuco. Mas temos filhos no Brasil inteiro. Ensaiamos com 1.500 pessoas no desfile oficial da nação em Recife", pondera ela.

Novo projeto

Todo o preconceito vivido por Joana ao ser uma mulher que assumiu uma nação de maracatu só foi percebido por ela após 3 anos na função. "Fui bater de frente com meu pai, que no início não aceitava. Não me sentia acolhida. A partir daí, senti necessidade de ter um espaço só das mulheres. Tive a ideia de reunir as mulheres pra gente começar a transição e formamos o maracatu Baque Mulher", destaca Cavalcante.

Quando começaram a tocar, Joana começou a receber vários relatos das meninas da comunidade sobre assédio e machismo, "E passamos a trabalhar o empoderamento feminino", destaca ela. O maracatu Baque Mulher possui 42 filiais em todo o território nacional, além de 3 filiais fora do Brasil: em Portugal, na Polônia e na Argentina. "Tem uma filha de santo que está lá fazendo esse trabalho e passando conhecimento. São os filhos que multiplicam as nações", conta.

Se são os filhos que multiplicam as nações, os orixás é quem ditam o destino delas. Os instrumentos do maracatu receberam a permissão das divindades africanas, por meio do jogo de búzios, para serem transportados ao Festival de Parintins. Permissão essa que foi negada para o Carnaval do Rio de Janeiro em 2019, evento para o qual o Encanto do Pina também foi convidado, mas não participou. Se a permissão foi concedida para a Ilha Tupinambarana, está mais do que provado que os orixás não estão presentes nas toadas do touro negro por acaso. Mas, sim, se expressam e ditam os chamados - por meio delas.

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