Entrevista da semana

Turismo e negócios: presidente da câmara portuguesa aponta desafios e oportunidades para Manaus

Joaquim Silva destaca problemas de segurança, limpeza e infraestrutura como entraves ao turismo e projeta novos caminhos para o fortalecimento das relações entre Portugal e o Amazonas em 2025

Lucas do Santos
economia@acritica.com
17/11/2024 às 13:53.
Atualizado em 17/11/2024 às 13:53

(FOTO: NILTON RICARDO/FREELANCER)

O presidente da Câmara Portuguesa de Comércio no Amazonas, Joaquim Silva, avaliou, em entrevista ao acritica.com, que a questão da segurança ainda é um dos principais gargalos para tornar Manaus uma atração turística maior, bem como outras questões relacionadas à limpeza pública e ao próprio aspecto da cidade.

"Eu não queria ser muito crítico em relação à situação do Amazonas. Eu acho que, para fazer turismo, nós temos que melhorar muitas coisas na cidade, não é? Entre elas o aspecto, a limpeza, a segurança, todas essas coisas que são básicas em qualquer país do mundo que quer vender turismo, tem que ter algum cuidado e alguma preocupação para quando o turista chegar, tem que ter essas condições", disse Joaquim Silva, um dos articuladores do retorno da rota Manaus-Lisboa, realizada pela companhia TAP Air Portugal. Na entrevista abaixo ele fala, dentre outras coisas, sobre a possibilidade de negócios entre os dois países.

O que exatamente é a Câmara Portuguesa de Comércio e no que ela atua?

A Câmara do Comércio foi montada há cerca de uns quatro anos por um grupo de portugueses vivendo aqui em Manaus, já há alguns anos, tinham como intenção abraçar este projeto da Câmara de Comércio porque percebemos, em determinada altura, que deveria haver aqui um órgão que transmitisse aos possíveis empresários com necessidade de investir em Portugal ou de empresários de Portugal que necessitassem investir em Manaus, no Amazonas ou no Brasil, tivessem algum órgão de apoio.

Em quase todos os estados do Brasil existe Câmara de Comércio. E existe, inclusive, a Federação das Câmaras de Comércio portuguesas aqui no Brasil. Todas essas Câmaras de Comércio basicamente dedicam-se a promover eventos e a divulgar a indústria e o comércio português. Isto porquê? Na nossa opinião, e na minha também, quando os brasileiros olham para Portugal, olham como um país muito pequenino. Quase que não vale a pena dar a importância de que aquilo é tão pequenino.

E quando os portugueses olham para o Brasil, olham um país que é tão grande, dizem que vai ser difícil chegar aqui. Mas ficou demonstrado há décadas atrás, há séculos atrás, de que tudo isso é ultrapassável. De tal maneira que as nossas atuações têm vindo melhorando e, inclusive, hoje Portugal abraça mais de 700 mil brasileiros em Portugal.

São aqueles que se têm inscrito nos últimos anos, e que nós continuamos a receber com muita alegria e muito carinho essas pessoas que querem empreender em Portugal. A função da Câmara não é uma função de dar lucro, a única coisa que a Câmara dá é informação, apoio. Dá apoio a todos aqueles que quiserem investir num lado ou no outro. Damos informação sobre o Brasil e damos informação sobre Portugal.

Mais sobre Portugal do que sobre o Brasil, que não é a área que nós nos dedicamos mais. E até hoje temos tido algum sucesso. A Câmara tem andado, digamos que, um pouco devagar, com falta de infraestrutura, mas temos vindo melhorando ao longo destes anos.

O senhor participou do processo de retomada dos voos entre Portugal e Brasil via Manaus. Como foi essa articulação?

Esse processo não foi fácil, porque havia sempre a negativa de que a experiência tinha sido má. Quando se fez o primeiro voo de Manaus-Lisboa, que durou uns meses, não se acreditou muito no projeto e deixou-se um pouco que ele andasse por ele próprio. Só que essas coisas de voos e turismo, as coisas têm que ser divulgadas, e eu acredito que [esse foi] um dos projetos que houve a falta de divulgação do voo na Europa.

Porque muita gente, provavelmente até aqui em Manaus, e em Portugal a mesma coisa, nem sequer sabia que havia voo direto para cá. Então penso que isso levou à parte do fracasso do voo daquela época. Quando foi agora para instituir este novo voo e construir todo este projeto do voo para retornar a Manaus, houve aqui algumas reticências, tanto da TAP como dos órgãos todos, as agências de viagem, tudo isto. Um voo implica uma série de organizações. Não é só um voo por si só que faz funcionar este trajeto. Portanto, há muita coisa que envolve.

Eu penso que desta vez, fruto da dificuldade de acertar da primeira vez, eu penso que desta vez tem havido outros cuidados que não houve na época. E acredito que, se for divulgado, e até porque hoje a cidade de Manaus tem mais unidades hoteleiras do que tinha à época, inclusive com este novo hotel que vai ser recuperado, o Tropical Hotel, que é uma unidade com cerca de 500 quartos, o que pode vir a dar uma grande vantagem ao voo da TAP. Porque um dos problemas de quem viajava para cá turisticamente era arranjar um lugar, porque normalmente os hotéis, fruto do polo industrial, normalmente estão cheios.

O senhor falou que essa ligação pode trazer novas chances de fomentar os negócios entre Portugal e o Brasil. Que tipo de negócios os dois países podem tratar a partir de agora?

Isso inclusive era uma coisa tão simples, mas que não existia, não é? A possibilidade de você querer mandar uma amostra via área para a Europa e tinha que dar três voltas de avião ao Brasil para chegar a Lisboa, enquanto hoje vai direto. Há mercadoria que se pode mandar em voo direto. Portanto, há muita coisa que se pode agrupar e anexar ao voo que pode rentabilizar o voo e tudo que o envolve. 

A indústria, o comércio, porque há muita matéria-prima que hoje a Europa faz e que tem custos relativamente modestos, se pode pagar um custo de avião que é sempre muito mais caro, o transporte aéreo de uma mercadoria é sempre mais caro que o transporte marítimo. Mas que há produtos que permitem esse tipo de valor acrescentado. Só que agora é preciso começar a divulgar que o voo também pode transportar a mercadoria.

O senhor avalia que as indústrias daqui, por meio da Zona Franca de Manaus, podem ser abarcadas também com essa nova possibilidade de comércio?

Eu acredito que sim. Até pela facilidade de como se consegue transportar uma simples amostra, porque às vezes é uma dificuldade tremenda para transportar uma amostra, tem que ir a São Paulo, perto de uma semana ou duas para chegar a Lisboa.

Vocês têm algum levantamento sobre o que mais pode interessar aos comerciantes, os empresários e turistas que podem vir para o Amazonas?

Eu não queria ser muito crítico em relação à situação do Amazonas. Eu acho que, para fazer turismo, nós temos que melhorar muitas coisas na cidade, não é? Entre elas o aspecto, a limpeza, a segurança, todas essas coisas que são básicas em qualquer país do mundo que quer vender turismo, tem que ter algum cuidado e alguma preocupação para quando o turista chegar, tem que ter essas condições. Principalmente a segurança, é uma coisa que nós estamos aqui com alguma dificuldade.

Essa questão de segurança pública atualmente tem potencial para afastar o turismo da cidade?

Sobre isso, eu não tenho dúvida nenhuma, nem ninguém tem dúvida, porque a segurança é fundamental para um turista. Não é por acaso que Portugal tem 20 milhões de turistas e tem 10 milhões de habitantes e no Brasil temos 250 milhões de pessoas e temos 6 milhões de turistas. Esta é a proporção, porque há muita insegurança para o estrangeiro. Todos os dias que eu vou ver as notícias daqui eu fico com preocupação. Portanto, é essa definição que daqui pra frente tem que começar a melhorar.

Ainda nesse âmbito de negócios, tem um acordo que está sendo construído entre o Brasil e a União Europeia, que Portugal já se colocou a favor, só que ele ainda não avançou. O que o senhor avalia que pode estar impedindo? Se é uma questão local ou se é uma questão da Europa?

Eu penso que há aí alguns interesses ocultos que dificultam isso, tanto de um lado como do outro. Acho que é difícil atribuir a culpa à Europa ou ao Brasil, mas eu acho que tem vindo também uma falta de boa vontade de resolver o assunto. Porque eu já estou aqui há 14 anos, e há 14 anos que estou à espera que esse assunto se resolva.

Porque há muita potencialidade no Estado do Amazonas de muitos produtos que se podiam exportar. Só que as dificuldades são enormes, a nível de coisas básicas, até de um peixe. Nós temos aqui peixe de alta qualidade e podíamos aproveitar para exportar e esbarrarmos sempre na burocracia e nas leis e na dificuldade em que há de se conseguir documentação para exportar.

Então o senhor avalia que, hoje, a relação comercial entre Portugal e Brasil é muito bloqueada?

É, é muito bloqueada. Inclusive eu agora vi, com alguma surpresa, mas também deve ser fruto da quantidade de brasileiros que já existem em Portugal, eu já vi muitos produtos brasileiros à venda em Portugal. Nas grandes cadeias, supermercados, assinalando que há algum valor acrescentado e está dando para se exportar, e podia se exportar muito mais.

Já há muitos anos que essa paralisia que se tem aqui em relação a exportar e importar, alguém tem que bater o martelo de uma vez por todas para resolver estas questões que são básicas às vezes. São mesmo só para dificultar as situações.

Como o senhor vê a situação atual dos brasileiros em Portugal? Temos visto muitos relatos de ataques a imigrantes, incluindo brasileiros, motivados por xenofobia.

Há muitos críticos que dizem que a violência tem aumentado com o fluxo de imigrantes, mas já foi demonstrado estatisticamente que não há mais imigrantes metidos em problemas, na violência, ao contrário do que se pensa. Há menos imigrantes metidos nessa violência. Quando se vai ver a estatística, há mais portugueses do que imigrantes. 

Pelas minhas contas, Portugal tem nove a dez milhões de portugueses e tem um milhão e 100 mil imigrantes oficiais, fora os que ainda não tem documentos, que estão à espera. Se calhar, são mais de 200 ou 300 mil. Então tudo isso, num volume deste de seres humanos, é natural que a violência aumente, porque há mais pessoas, mas não está demonstrado que sejam os imigrantes que provocam a violência, pelo contrário.

Quais são as expectativas da Câmara de Comércio nas relações com Manaus em 2025?

Uma das coisas em atividade, já para o ano de 2025, que a Câmara de Comércio projeta fazer, daqui há uns anos, com que nós unamos Manaus com Braga, com a cidade de Braga. É uma cidade altamente desenvolvida, tanto na cultura como na educação, como na indústria, no comércio. É uma das cidades mais desenvolvidas de Portugal. 

Eu tive agora, há cerca de um mês, uma reunião na Prefeitura de Braga com o prefeito e ficou decidido que nós iríamos ampliar a nossa irmandade, digamos, fazendo alguns eventos, tanto em eventos culturais, empresariais, tanto na cidade de Braga como na cidade de Manaus. Vamos fazer um conjunto de ações para levar empresários e levar a cultura do Amazonas para a cidade de Braga, e vice-versa da cidade de Braga, trazer empresários, trazer cultura.

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