opinião

Jornal Dum Rebelde: uma obra de recordações do autor Albano Forjaz de Sampaio

O livro chama a atenção porque, na verdade, o texto diverge totalmente do título, pois não traduz a rebeldia do escritor, sob nenhum aspecto dos que seria possível deduzir à primeira vista.

Robério Braga
roberiospbraga@gmail.com
07/12/2024 às 19:24.
Atualizado em 07/12/2024 às 19:24

Livro Jornal Dum Rebelde, do autor Albano Forjaz de Sampaio (Foto: Reprodução)

De vez em quando, tomo das estantes da biblioteca, quase a esmo, um livro que levo para a cabeceira da cama e servirá, por tempo, para a leitura detida, paciente, ao tempo em que fico à espera do sono que vai retemperar meu ânimo e libertar meu espírito para os ensinamentos superiores.

Há pouco, tomei nas mãos uma das obras de Albano Forjaz de Sampaio (1884-1949), escritor que integrou a Academia das Ciências de Lisboa, publicado pela Editora Literária Fluminense, de Portugal, já em seu segundo milhar de circulação. Trata-se do autor de “Palavras cínicas”, um dos títulos que teve maior número de edições na terra-mãe, durante muitos anos.

Jornalista, atuou ao lado de Fialho de Almeida e Brito Camacho, em “A Lucta”, mas escreveu muito mais voltado para o modelo de crítica social, de cujo conjunto literário realçam, também, “Crónicas Imorais” (1909); “Prosa Vil” (1911); “Cantáridas e Violetas” (1915); “Tibério, Filósofo e Moralista” (1918) e “O Homem que deu o seu Sangue” (1921).

O livro “Jornal dum rebelde” chama a atenção porque, na verdade, o texto diverge totalmente do título, pois não traduz a rebeldia do escritor, sob nenhum aspecto dos que seria possível deduzir à primeira vista. É uma obra de recordações, de relembranças de figuras de convivência com o autor ou nos círculos pelos quais ele transitava com certa desenvoltura. Na abertura da obra já se vê que era esse o seu objetivo: recompor uma espécie de diário íntimo ou quase íntimo.

Esse formato e espírito do livro, entretanto, não impediu que Albino de Sampaio, aqui e ali, deitasse crítica mais acesa ou aguda, e até ferina, como forma de protesto e contra o que considerava estupidez.

Não se perdeu em biografar “grandes homens” do seu tempo com os exageros que poderiam ser comuns entre amigos, mas procurou fazê-lo com isenção, refletindo as experiências que decorreram de convivências fraternas, tocando a vida de cada um e abrindo espaço – o que ainda era raro –, para se referir a mulheres que considerou célebres na literatura e nas artes. Cuida de Matilde de Melo, a apaixonada de Gomes Freire, ela que rompeu todos os tabus do seu tempo para viver o amor que desejava, assim como de Ana Augusta Plácido (1831-1895), autora de “Luz Coada por Ferros” e “Herança de Lágrimas”, esta que foi esposa de Camilo Castelo Branco.

Vai de Tibério, filósofo e memorialista, para a literatura trabalhada por médicos, coisa que passou a ser comum no Brasil, por muitos anos, mas chega a apreciar Camilo e suas manias, principalmente as de marcação dos livros que lia, das anotações à margem da página e da venda de suas bibliotecas, porém, o que melhor pode retratar a intenção do festejado escritor luso é a crônica que dedica a Fialho de Almeida, o mestre que lhe abrira as portas para o trabalho em jornal e para a edição de obras de sua lavra. Bem parece que travava, ao vivo, uma conversa direta com Fialho, frente a frente, tratando de livros, do exílio em Cuba, do esmero para a preparação de “Os Serões”, de como Fialho costumava trabalhar a palavra escrita, o que gostava de ler e como lia, das suas viagens, da sua biblioteca – esta que Sampaio, ao modo de Herculano, reconhecia ser a primeira necessidade do homem.

Não abandonou a memória das ruas antigas que sempre gostava de recuperar, e, quase ao fim, revela o seu horror à inveja e à ingratidão que seriam “dotes dos corações pequenos que não sabem lutar, que não sabem viver e que nunca saberão amar...”. Gostei muito de ler mais um trabalho de Albino Sampaio.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2024Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por