Opinião

A política da cadeirada

Júlio Antonio Lopes
julioajlopes24@ gmail.com
22/09/2024 às 16:46.
Atualizado em 22/09/2024 às 16:46

A cadeirada que o candidato Datena deu no candidato Pablo Marçal é um dos momentos mais burlescos da política brasileira e, também, um marco vergonhoso desses tristes tempos que vivemos (Reprodução/ TV Cultura)

Sempre fui um otimista, daqueles incorrigíveis. Sempre procurei ver, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, um aspecto positivo ou uma lição edificante a tirar. Afinal de contas, nem tudo é somente ruim o tempo todo, não há mal ou noite que nunca se acabe e, creio, a esperança, ao invés do que diz antigo ditado, não deve morrer jamais.  

Os acontecimentos políticos de nosso país nos últimos tempos, todavia, têm posto à prova essa minha convicção. O nível dos debates televisivos em São Paulo, não que os níveis dos debates em geral sejam melhores, é o fundo do fundo do poço, numa tragicomédia que envolve jornalistas (jornalistas?) que tomam partido contra determinados candidatos; emissoras que armam arapucas ou estendem tapetes para outros; por candidatos que não discutem os problemas da comunidade e que, ao contrário disso, trocam acusações pessoais, envolvendo até as respectivas famílias; e que disputavam uma espécie de campeonato para provar (ou inventar) quem possui uma ficha criminal maior ou já esteve preso.

Com todo o respeito e com a ressalva de quem que não entra nesse jogo asqueroso, parece disputa para chefe de facção, nunca para prefeito da capital paulista. A cadeirada que o candidato Datena deu no candidato Pablo Marçal é um dos momentos mais burlescos da política brasileira e, também, um marco vergonhoso desses tristes tempos que vivemos. Crime cometido ao vivo, em cores e, o que é pior, sem consequência nenhuma para o agressor, o qual ainda deu entrevistas, dizendo que não se arrependia...

Claro, não ignoro que a política sempre foi uma arena de dissenso, de muita fricção, de muita discussão e de passionalismo, às vezes, não poucas vezes, de violência real. Alguém já disse, inclusive, que a política seria a guerra, mais sofisticada, por outros meios, embora eu também não concorde com essa definição, porquanto em muitos casos uma decisão política, mesmo camuflada pela mais pomposa diplomacia, pode ter resultados brutais. Política, no seu aspecto maior e clássico, numa apertada síntese, consiste  na arte de administrar a polis, a cidade, onde vivem os cidadãos, no interesse exclusivo do bem comum.


Essa noção benigna, positiva, entretanto, se perdeu, lamentavelmente.  Até as discussões, outrora também acerbas, davam-se em outro nível, em nível mais criativo, inteligente e, até, engraçado. Isso no mundo todo. As diferenças políticas para homens e mulheres de outras épocas não se resolviam por meio de tiros, de facadas ou de cadeiradas.


A propósito, lembro aqui de alguns episódios do gênero. Em Manaus, Câmara Municipal fervilhando, debatiam os vereadores Fábio Lucena e Waldir Barros, aquele de oposição ao prefeito; este líder da situação. Fábio era um valente e grande orador, homem muito culto, citava os clássicos e tinha um português escorreito; Waldir, combatente líder da situação, não deixava Fábio falar sozinho. Conta-se que, um dia, Waldir pediu um aparte e teria dito: “Vereador Fábio Lucena, eu quero lhe lançar um réptil (querendo dizer repto). Prove o que está dizendo!”. Fábio, então, respondeu: “Se Vossa Excelência me lançar um réptil, eu lhe lançarei um batráquio”. 

Todos caíram no riso. E para finalizar, embora os exemplos sejam muitos, lembro do seguinte episódio ocorrido no parlamento britânico. Após uma dura discussão, lady Nancy Astor, primeira mulher eleita para a Câmara dos Comuns, irritada com as manobras do primeiro-ministro Winston Churchill, saiu-se com esta: “Winston, se você fosse meu marido, eu poria veneno no seu chá!”. Ao que redarguiu Churchill: “Senhora, se eu fosse seu marido, tomaria esse chá o mais rapidamente possível”.      

Velhos tempos, belos dias, em que as contendas políticas ficavam, no máximo, no campo das anedotas, das tiradas espirituosas. Nós não merecemos o que estamos a assistir nos dias de hoje...

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