OPINIÃO

Retalhos de memória do golpe militar na Amazônia (1)

Ivânia Vieira
01/04/2024 às 12:08.
Atualizado em 01/04/2024 às 12:08

Página de A Crítica do dia 31 de março de 2014

Em 2014, uma série de seis entrevistas, publicadas em A CRÍTICA, apresentou alguns dos efeitos da ditadura militar na Amazônia a partir da visão de pesquisadores e ativistas. Era o cinquentenário do golpe. Hoje, nos 60 anos do regime ditatorial iniciado em março de 1964, reproduzo trechos de duas dessas falas pela necessária memória dos 21 anos de exceção, para que nunca mais o Brasil seja submetido a regimes dessa natureza e porque as formulações apresentadas geram perguntas até agora não respondidas pela e para a região Amazônia utilizada como uma das razões autoritárias.   

Para o professor emérito da Ufam, o sociólogo e escritor Renan Freitas Pinto é “precisamos ter o compromisso de fazer uma diferença: existem aspectos resultantes desse acontecimento político chamado golpe militar que tem o lado militar, de fato, mas há um componente muito mais complexo que é o civil. Banqueiros, empresários, setores importantes da sociedade brasileira se alinharam em torno da ideia de uma modernização conservadora ou modernização autoritária”

Autor do livro Amazônia – a viagem das ideias (editora Valer), Renan Freitas Pinto afirma que “o Brasil teve no extremo sul e em outras regiões situações muito próximas a da Amazônia e o que se verifica, hoje, por lá é um outro padrão, inclusive cultural. São cidades dinâmicas. Aqui na Amazônia convivemos com um processo de estagnação”. O que oferecemos, questiona o pesquisador, para os jovens de cidades como Tabatinga, Manicoré, Tefé, Fonte Boa, Coari? Que sociedade o Estado, o Governo Federal e o Governo Municipal estão oferecendo a esses jovens? Como se educam, como se formam? Quem é que determina essa estagnação? Falamos sempre de uma política de desenvolvimento. Ora, sabemos que existe na ciência política e na sociologia estudos sobre a formação e a produção do subdesenvolvimento que se dá simultaneamente com as tentativas de desenvolver. Djalma Batista, em ‘O Complexo da Amazônia’, trabalhou isso. O esforço dele é para explicar o porquê do nosso subdesenvolvimento, por que nos falta essa vontade de formar, efetivamente, um sistema de educação que produza cidadãos, técnicos profissionais, cientistas, artistas. O projeto autoritário aqui instalado trabalhou noutra direção, distanciou esse caminho”.

Página de A Crítica do dia 1 de abril de 2014 ()

 Ex-reitor da UFAM, o médico especialista em doenças tropicais, Marcus Barros faz uma pergunta: “O que foi o golpe militar?” E responde: “Na Amazônia, ele começa pelo dístico ‘Integrar para não entregar’. A região era altamente estratégica e precisava de mobilização das tropas. O que eles fizerem para executar esses projetos? Fizeram caminhos de infraestrutura para mobilizar as tropas, com obras do tipo Transamazônica, projetos como o desastre da Hidrelétrica de Balbina, no Município de Presidente Figueiredo.

“Uma das coisas que me chocaram foi a destruição das aldeias dos waimiri-atroari. Eu acompanhei o Egydio Schwade, missionário, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário, Cimi) e a Doroty (missionária educadora e indigenista, mulher de Egydio), alfabetizando os índios enquanto a ditadura matava os índios com napalm (arma química desenvolvido e usada na segunda guerra mundial). Os índios eram metralhados. E isso era desenvolvimento! Era a ação para abrir caminho da Torquato Tapajós até Boa Vista (RR) e de lá à Venezuela porque o Suriname ameaça a ideologia da segurança nacional traduzida na mobilização das tropas no interior da região”.

Na Amazônia, iniciava-se um movimento junto à Igreja Católica, muito próximo de um cara chamado Dom Moacyr Grechi, uma figura muito significativa nesse processo de apoio, de abrigo à resistência e de espaço para a denúncia do que estava ocorrendo. Eu ia pro Acre, para a juntada dos camponeses, lá com Chico Mendes e com o Raimundo Cardoso que continuava numa militância pesada. Eu tinha 16 anos em 1964, aos 27 anos estava formado em medicina e queria prestar atenção aos surtos de malárias nessa região, na estrada Porto Velho–Rio Branco, onde havia um projeto de assentamento chamado ‘Padre Peixoto. Fui para lá e vivi os efeitos da repressão. De um Brasil torturado.”

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