Estatuto das Cidades, que completa 23 anos em julho, é marco do direito urbanístico em torno do qual a política urbana deveria ser constituída
(Márcio Melo - 29/09/2010)
Retomar os diálogos sobre o direito à cidade é a saída para enfrentar o processo aloprado de sujeição da cidade ao mercado, às estruturas privadas e ao macro modelo de “construção de espaço de exclusão, dissimulação ou ocultamento” (MARICATO, 2002). A pauta pede passagem para, na pluralidade das vozes, colocar abaixo o muro da linguagem, um dos suportes na consolidação dos territórios de exclusão e manutenção do “analfabetismo urbanístico”.
Em julho deste ano, o Estatuto da Cidade (como ficou conhecida a lei federal nº 10.257, de 2001), irá completar 23 anos. Nascido das lutas de um movimento social intenso, forte, articulado, o estatuto é o marco do direito urbanístico em torno do qual a política urbana deveria ser constituída.
Nas cidades, o direito de uma maioria de pessoas é sistematicamente negado. Os instrumentos legais têm sido manejados, em repetidos acontecimentos e na própria modelação urbana, para assegurar ao privado as garantias e a qualidade dos serviços públicos. O poder senhorial da terra permanece em ação.
“A esta altura da história, o direito a cidade tem de ser uma luta global, predominantemente contra o capital financeiro, pois esta é a escala na qual o processo de urbanização opera agora”, propõe David Harvey (2012). A tarefa política de organizar tal confronto é difícil, se não assustadora, afirma o geográfico e, com algum otimismo ou esperança lembra que “as oportunidades são múltiplas pois {..} as crises irrompem repetidamente em torno da urbanização, tanto local como globalmente, e porque a metrópole é o ponto de colisão massiva – à coragem chamamos luta de classes? – contra a acumulação por despossessão, que beneficiou o mínimo de felizardos, e o ímpeto desenvolvimentista que procura colonizar o espaço para os ricos.”
No desenho de Harvey, um passo na direção de unificar essas lutas é adotar o direito à cidade tanto como lema operacional quanto ideal político, justamente porque ele enfoca a questão de quem comanda a conexão necessária entre a urbanização e a utilização do produto excedente: “A democratização desse direito e a construção de um amplo movimento social para fortalecer seu desígnio é imperativo, se os despossuídos pretendem tomar para si o controle que, há muito, lhes tem sido negado, assim como se pretendem instituir novos modos de urbanização. Lefebvre estava certo ao insistir que a revolução tem de ser urbana, no sentido mais amplo deste termo, ou nada mais.”
O Fórum Nacional de Reforma Urbana, criado em 1987, tem uma estrada feita de lutas, conquistas e sob ataques, opções por trilhas, resiliência, é um dos instrumentos a ser fortalecido em nível nacional/local para, de novo, ser o propulsor da pauta.
Todos os dias encontro postes nas calçadas e calçadas privatizadas que me forçam andar na pista. Ruas largas e bem cuidados nos espaços privados e ruas apertadas, esburacadas nos espaços públicos. Aglomerados cada vez mais distantes e sem estrutura básica dos equipamentos públicos que obrigam trabalhadores e trabalhadoras a dobrar a jornada na viagem de ônibus.