(© Ennio Candotti/Divulgação)
O encantamento do Prof. Ennio Canddotti, no dia 6, sem aviso prévio para parcela de nós, escancara a potencialidade e a fragilidade da vida. De Canddotti, esperávamos o retorno em curto prazo à lida e ele estava com agenda cheia de sonhos teimosos, disposto a conquistar mais parcerias para concretizá-los.
Hoje, sem a presença física dele temos o legado do pesquisador, do educador, do impertinente ser humano. Um tipo de gente missionária da ciência, da democracia e da Amazônia. Revoltava-se com determinadas posturas tanto quanto se enternecia diante de gestos em favor da causa humanizadora. Ouvia as autoridades e curvava-se para escutar crianças, responder às perguntas delas e compartilhar um sorriso grande, desse que ocupa a cara inteira.
Compreendeu a importância estratégica da comunicação e do jornalismo. Para além dos desencontros entre cientistas e jornalistas, Prof. Ennio Canddotti optou por lutar junto. É um dos poucos pesquisadores que aprendeu a inserir o jornalismo e a comunicação em seus blocos de anotações, planos de trabalho e de propostas como uma das necessidades tão importante quanto construir um sistema de ‘bancos’ de guarda e registro de sementes, germoplasma e controle periódico da sua germinação, descentralizado.
Ao semear a popularização da ciência nos anos de 1980 já sinalizava marcas de uma vida dedicada a fazer a inclusão da ciência no cotidiano dos brasileiros. Cada gesto criativo, como os que deram vida às revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das crianças, mais recentemente, o Museu da Amazônia (MUSA) ou o documento “Amazônia em 14 Tempos”, elaborado em parceria com outros pesquisadores, a comunicação é esteio.
Ver com lupa as entrelinhas dos escritos de Canddotti, para aqueles que atuam no campo comunicacional, é um roteiro a ser estudado, principalmente no âmbito da Amazônia. Neles estão presentes uma série de elementos valiosos ao exercício responsável do jornalismo e no tecimento de uma política pública de comunicação, religada à essência. “Informações valiosas de como tratar a floresta e os povos que nela vivem, em tempos de sérios impactos antrópicos nos ambientes, podem ser extraídas desses estudos”, assinalava o pesquisador. Como tratar a floresta em nossos relatos jornalísticos? Com o que e quem nos comprometemos?
Para Ennio Canddotti, a documentação e preservação da memória das comunidades indígenas é de fundamental importância para conhecer e conservar a floresta e as práticas de manejo tradicionais. Promover a ação de sindicatos e associações extrativistas (como o MIQCB, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu) no interior - e recuperar a sua história - fortalece a capacidade local de defender seus interesses e direitos, coletivos e individuais, combater as invasões violentas e expropriações das terras tradicionalmente ocupadas”. Eis o legado, eis as tarefas.
Por Ivânia Vieira
Professora da Ufam e Articulista de A CRÍTICA
e-mail: ivaniavieira04@ gmail.com