OPINIÃO

Lembrar para romper a impunidade

A carta lida por Marçal para o Papa João Paulo II era um pedido de socorro que permanece atual e necessário

Ivânia Vieira
29/11/2023 às 10:37.
Atualizado em 29/11/2023 às 10:37

(Paulo Suess)

O dia 25 de novembro de 2023 marca 40 anos do assassinato do líder indígena Marçal de Souza Tupã-Y. Em 1983, Marçal se encontrava em casa, na aldeia Campestre, município de Antônio João (MS), quando foi morto com cinco tiros. Os responsáveis permanecem impunidade.

No período de 2019 a 2022 foram assassinados 795 indígenas. No ano de 2022, as mortes alcançaram 180 registros oficiais, desse total, 41 ocorreram em Roraima, o primeiro na lista dos Estados onde mais indígenas foram mortos; em segundo lugar, Mato Grosso do Sul, com 38; e em terceiro, o Amazonas, com 30. Assassinar indígenas continua como prática recorrente no território brasileiro, mandantes e autores, na maioria das ocorrências, permanecem impunes.

O martírio de Marçal Tupã-Y é relembrado tanto pela exigência de justiça quanto na memorização de uma das vozes emblemáticas do nascedouro do movimento indígena e dos povos indígenas. Do dia 22 até o dia 25, na grande assembleia dos povos  kaiwá e guarani – “Aty guasu” – uma série de atividades será desenvolvida como parte da iniciativa “Marçal, presente: memória dos 40 anos do assassinato de Marçal de Souza Tupã-Y”. A coordenação da assembleia, o CIMI, a Universidade Federal da Grade Dourado (UFGD) e o Ministério Público Federal (MPF) são algumas das organizações responsáveis pelo programa em homenagem a Marçal.

A voz de Marçal ecoou o mundo, em julho de 1980, quando representou os povos indígenas no encontro com o Papa João Paulo II (hoje São Paulo II), em Manaus. A carta lida por ele era um pedido de socorro que permanece atual e fundamentalmente necessário: “Somos uma nação subjugada  pelos  potentes,  uma  nação  espoliada,  uma  nação  que  está  morrendo aos poucos sem encontrar o caminho, porque aqueles que nos tomaram este chão não têm dado condições para a nossa sobrevivência, Santo Padre.

Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, não temos mais condições de sobrevivência. Pesamos a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte dos nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam o nosso chão, aquilo que para nós representa a nossa própria vida e a nossa sobrevivência nesse grande Brasil.{...} Este é o país que nos foi tomado”. A carta pode ser acessada aqui.

Á época do assassinato de Marçal o Brasil estava sob a ditadura, iniciando o processo de redemocratização que tem na eleição de Tancredo Neves, em 1985, por um colégio eleitoral, uma das referências. Na democracia e na experiência mais recente de um governo autoritário, vinculado às ideias da extrema direita, os indígenas foram atacados, expostos à mercê de assassinos, suas terras invadidas e o sistema de proteção e de garantia, desmantelado para que os algozes pudessem passar e agir. Em quatro anos (2019 -2022), morreram 3.552 crianças indígenas com idade de até quatro anos (dados do CIMI). A omissão dos órgãos de governo é a responsável.

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