OPINIÃO

Jornalismo encobre realidade das cidades nas eleições

A cada debate o posicionamento é mensurar os atos de violência e, em seguida, transformá-los em ordem do dia

Por Ivânia Vieira
25/09/2024 às 10:02.
Atualizado em 25/09/2024 às 10:02

O jornalismo está diante de uma encrenca neste período eleitoral. Não é isolada nem é única nesse universo. O recorte feito para as eleições municipais se fundamenta na importância da pauta – eleições diretamente vinculadas ao lugar do acontecimento, a cidade – e de como o jornalismo cobre o assunto.

Se o jornalismo é compreendido como uma das janelas de acessar conhecimento sobre as representações do mundo e é ato político, na cobertura das eleições municipais a janela está estreita, quase uma fresta. Outras janelas são escancaradas, asfixiam o jornalismo e mobilizam atenção previamente estabelecidas e destinadas aos cortes que desvirtuam o contexto real dessa ou daquela fala, dessa ou daquela imagem e, até agora, com larga liberdade de circulação e difusão nas redes sociais. 

A violência nos debates públicos entre candidatos e candidatas marca os pós-encontros, antes anunciados por conglomerados de mídia como iniciativas democráticas, de promoção pedagógica do exercício eleitoral, mas, o conteúdo da iniciativa está longe da realidade das ruas e do sentimento da população. Debates apáticos ou não debates e candidatos travestidos de lutadores de rua, incitadores da violência. 

O jornalismo tem sido o outro espaço de propagação das violências. A cada debate o posicionamento é mensurar os atos de violência e, em seguida, transformá-los em ordem do dia. Parte dos jornalistas repete “que absurdo” diante das cenas violentas praticadas por candidatos e assessores. Não são abordadas as propostas ou a ausência delas para os municípios. Não se faz inserções dos indicadores municipais como parte importante da matéria jornalística.

Faz-se a divulgação e a disseminação dos atos de violência imediatamente vinculados a outro movimento crucial, o dos institutos de pesquisas de intenção de votos do tipo: a cadeirada beneficiou o candidato x ou y? O espancamento entre assessores de candidatos diminuiu intenção de votos ou aumentou? O ataque do candidato à candidata (violência política de gênero) fez subir o índice de aceitação do candidato tal... O jornalismo capturado age de acordo com os algoritmos nesse cenário de selvageria em busca de audiência (longe da credibilidade, categoria por onde também são sustentados os negócios no mercado da mídia).

A cidade, objeto de desejo dos prefeituráveis, as potencialidades, as fragilidades, os desafios de administrar e assegurar vida digna aos habitantes do lugar, de lidar com o presente e fomentar, de modo técnico, criativo e responsável o futuro, é de modo sistemático e, talvez, intencional ignorada. Nem candidatos nem o jornalismo se ocupam dela.

Os 62 municípios do Amazonas vivem situação drástica. O adjetivo se sustenta por uma série de dados de pesquisas sobre o ritmo da destruição dos bens naturais e de ataques ao ecossistema e da série de serviços oferecidos. São cidades onde parte da população passa fome, não tem acesso a programas de atenção integral à saúde, à educação, à merenda escolar decente, à moradia adequada, sem banheiro, sem água potável. As eleições municiais poderiam ser uma chave para iniciar outra caminhada e o jornalismo um dos instrumentos de pressão e de expressão das realidades locais.  

A justiça eleitoral deve conter a conduta predadora dos candidatos e o jornalismo insistir em ser janela de conhecimento sobre as realidades municipais para além da noção de que “candidatos predadores são pop”. O jornalismo ajusta na manutenção da cultura de violência política consagrando-a nas campanhas eleitorais e nos debates.

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