OPINIÃO

'É preciso buscar os elos que trazem à tona os sonhos dos oprimidos'

Trechos da palestra feita em junho de 2021 por Ìyá Sandrali de Ọ̀ṣun, nome de identidade religiosa, social e política de Sandrali de Campos Bueno

Ivânia Vieira
20/11/2024 às 12:57.
Atualizado em 20/11/2024 às 13:01

Neste 20 de novembro, reproduzo trechos da palestra feita, em junho de 2021, por Ìyá Sandrali de Ọ̀ṣun, nome de identidade religiosa, social e política de Sandrali de Campos Bueno, psicóloga e educadora, sobre o tema ‘Socialismo e Religiões sob a Cosmosensopercepção da Tradição de Matriz Africana e Afrodiaspórica’. Sandrali Bueno participou do 9º Encontro de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas, em 2020, realizado pelo Fórum de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas, criado em Manaus, há 12 anos.  

“Quero começar minha fala trazendo um parágrafo do pensador Achille Mbembe em Crítica da Razão Negra (2018, p.11) que refere: “o pensamento europeu sempre tentou bordar a identidade não em termos de pertencimento mútuo (copertencimento) a um mesmo mundo, mas antes da relação do mesmo com ele, do surgimento do ser e da sua manifestação em seu ser primeiro ou, ainda, em seu próprio espelho. Em contrapartida, interessa compreender que, como consequência direta dessa lógica de auto ficção , de autocontemplação e até mesmo de enclausuramento, o negro e a raça têm sido sinônimos, no imaginário das sociedades europeias”.

{...} quero adentrar numa outra lógica para debater o significado do binômio do socialismo e das religiões de tradição de matriz africana e sua amálgama em território das Américas do Sul e Central e, mais especificamente, no Brasil, cuja dimensão territorial contribuiu para o surgimento de uma pluralidade nas manifestações e expressões na liturgia de matriz africana e afrodiaspórica que se espraiou, enquanto um Povo, o Povo de Terreiro, como define o parágrafo único do artigo primeiro do Decreto 51.587, de 18 de junho de 2014 que cria o Conselho do Povo de Terreiro do Estado do Rio Grande do Sul.

Povo de Terreiro é: conjunto de mulheres e de homens submetidos, compulsoriamente, ao processo de desterritorialização, bem como de desenraizamento material e simbólico, civilizatoriamente falando, de várias partes do continente africano, cuja visão de mundo não maquineísta e/ou dicotomizada e por conta do rigor teórico da oralidade, ressignificaram, na dispersão pelas Américas, sua cosmovisão de forma amalgamada devido aos elementos culturais invariantes, onde operaram, portanto, um “ativo interculturalismo” que se (re)territorializou geotopograficamente, sob os fundamentos da xenofilia em que se consubstanciou toda uma dinâmica intercultural e transcultural e que assim o é em todo o Brasil.

Do lugar por onde me referencio enquanto “autoridade civilizatória da tradição de matriz africana”, uma das dirigentes da Sociedade Afro-brasileira “Ìlé Àiyé Orishá Yemanjá”, na cidade de Pelotas, quero afirmar que na tradição de matriz africana e afrodiaspórica percebe-se o mundo e seus fenômenos sociais, políticos, históricos e biodiversos, de forma conectiva, inclusiva, xenofílica e, portanto, o Eu e o Outro só existem se o espelho do Eu é o reflexo do Outro e vice-versa.

“{...}A luta pela liberdade e as estratégias de resistência do povo negro parte da cosmosensopercepção das manifestações religiosas oriundas do continente africano amalgamadas com as outras manifestações do sagrado direito de viver, de existir dos povos originários. E mesmo quando se trata do sincretismo não são as religiões de tradição de matriz africanas que criam a dicotomia, embora as interpretações históricas tenham dificuldade de perceber que a primeira organização de trabalhadores e trabalhadoras se deu nos quilombos e nos terreiros.

{...}É preciso buscar os elos que trazem à tona o sonho de todos os oprimidos que é a liberdade e trazer todas as lutas travadas pelo povo negro e povos originários, pois, se queremos construir uma sociedade socialista, é preciso aprofundar-se na verdadeira história desse país, só assim teremos condições de continuar sonhando com justiça e justeza para toda população brasileira. Axé.”

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