OPINIÃO

As aulas nas ondas do mar

Ondas desenhadas em palavras substantivadas e adjetivadas são enigmas para decifrar

Por Ivânia Vieira
08/08/2024 às 09:42.
Atualizado em 08/08/2024 às 09:42

Gabriel Medina celebra onda 'perfeita' nas oitavas de final das Olimpíadas de Paris (Jerome Brouillet/AFP)

É de Teahupo'o, maior ilha da Polinésia Francesa, no Taiti, um dos cenários belos deste mundo e um dos mais instigantes na produção de aprendizados proporcionados pelas Olimpiadas de Paris. O encontro de vidas humanas e não humanas. Ou o desencontro.

O surfe no “muro das caveiras”, como é traduzida a palavra Teahupo'o, religa as coisas e convoca cada um de nós, a humanidade, a repensar o jeito de ser na passagem, com tempo marcado, pela Terra.

Os surfistas em espetáculos de enorme proporção – Gabriel Medina em pintura na foto do francês Jérôme Brouillet e a nota 9.90, a mais alta pontuação na história dessa modalidade – são alguns dos feitos a entupir as mídias sociais e as redes sociais para descarte em pouco tempo das memórias instantâneas produzidas pelos dedos apressados em ação nos miniteclados.

A composição mar/surfista/ondas/pranchas pede treino tenaz, capacidade de observação, paciência, determinação e perspicácia. O mar, deus absoluto, pede leitura profunda, faz esperar e surpreende. Se a grande onda, aquela do tubo perfeito, não vem, os andarilhos sobre águas não podem voar e sim andar em movimentos diversos, igualmente produtores de exercícios bonitos que somam pontos e, nossos olhos, educados para ver outra performance, não consigam perceber.

Teahupo'o encarna amor, perigo, perfeição. Abriga ondas difíceis de serem decifradas, cheias de ímpeto na celebração da vida, da vitória ou no choro das águas diante das tragédias humanas. É lei observar o movimento do mar antes de outro movimento, reconhecer que cada dia tem um dado novo, uma descoberta a ser feita, não para dominar e sim compreender e ter sabedoria no agir:

“Minha jangada vai sair pro mar/
Vou trabalhar, meu bem querer/
Se Deus quiser quando eu voltar do mar/
Um peixe bom eu vou trazer”

A complexidade do surfe carrega a transdisciplinaridade traduzida também pela prancha sob o manejo desde cedo por meninos e meninas, tostados pelo sol, em iniciação nas praias do mundo. Alcança a beleza do ser complexo em surfistas acostumados aos circuitos de tantas ondas dos diferentes mares que a Natureza abriga e os coloca para o bom usufruto das vidas.

As ondas desenhadas em palavras substantivadas e adjetivadas são enigmas para decifrar. Estão em permanente estado de revelação aos que desejarem conhecer... o mar, a terra, a floresta: a vida.

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