Ufam: Precarização do trabalho e dignidade em frangalhos

Por: Prof. Bruno de Oliveira Rodrigues e Prof. José Ademir Ramos, docentes do Departamento de Ciências Sociais da UFAM

OPINIÃO/ARTIGO
30/08/2024 às 12:38.
Atualizado em 30/08/2024 às 19:56

O Instituto de Filosofia, Ciência Humanas e Sociais da Universidade Federal do Amazonas – IFCHS/UFAM vive tempos de profunda precarização das condições de trabalho, agoniza em meio a carências de todo tipo.

Irresignados, damos aqui um grito de desespero! A palavra é nossa única arma! Na condição de servidores públicos e professores por vocação recorremos a este instrumento para tentar mudar algo. Assim, como a navalha, nossa palavra pretende cortar a carne e despertar no leitor o sentimento de indignação e solidariedade, com a perspectiva de gritarmos juntos contra o desmonte do nosso IFCHS.

O IFCHS, localizado no setor norte do Campus, é o antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras – ICHL, de memoráveis batalhas e lutas travadas pela democratização do nosso País. Criada em 1974, a unidade contava com os cursos de Ciências Sociais, Filosofia, Geografia, História, Serviço Social, Língua Inglesa, Língua Francesa, Língua Espanhola, Língua Japonesa, Língua Portuguesa, Libras, Comunicação Social, Biblioteconomia, Arquivologia, Música e Artes Plásticas.

ICHL Loteado

Em 2017, o ICHL

Com o processo de separação, seus espaços e equipamentos tornaram-se objeto de disputas internas que mobilizaram as três novas unidades contra aquela de que se originaram. Derrotado, o IFCHS perdeu espaço físico (salas de aula, administração, reunião e laboratórios), mantendo apenas parte do que já ocupava antes. A narrativa contada pelos vencidos deve também incorporar suas derrotas, e não silenciá-las como vergonhas históricas, o IFCHS sim foi derrotado, primeiramente por ele mesmo e pela falta de articulação entre seus docentes, discentes e técnicos-administrativos. Esse é um fardo histórico que temos carregado!

As novas unidades acadêmicas receberam prédios novos e bem equipados (com ar condicionados novos, grandes e potentes, com data-show pendurado no teto e quadros novos).  Ergueram-se novos templos para a construção do conhecimento dos outros!.

Outros ainda ganharam um “tapa de renovação” nas velhas estruturas com pinturas, novos aparelhos de ar condicionado e outras bricolagens. Todos agraciados, sobretudo, com aquele bem mais estimado e disputado em uma Universidade, aquilo que chamamos de “código de vaga”, a permitir a expansão do quadro docente através de concurso, aumentando o número de professores.

Este último tema é bem sensível.

Em síntese, parece que ficou para o IFCHS “o resto do tacho”, a parte da estrutura mais antiga, com fiação elétrica que não suporta novos aparelhos de ar- condicionado, salas divididas por biombos e obsolescências de várias ordens.

A FIC, por sua vez, com a separação, ganhou um prédio “zero bala”, que no entendimento do seu mandatário não era o suficiente para a sua mais nova e notável missão institucional. Da noite para o dia, resolveu trocar as fechaduras das chaves das salas de aula, controlando os meios de acesso a elas e demarcando território. E sobre isso, nós calamos!

 Abandono Institucional

O IFCHS amanheceu ceifado de uma parcela de seu espaço físico, sob o argumento da transitoriedade, alegando que assim que novos espaços surgissem, o IFCHS seria restituído.

O pior de tudo é que a violação foi seguida pelo silêncio do violado!

Estamos esperando até o presente as promessas de devolução e reposição dos bens que foram tomados, trabalhando em estado precário em estruturas carcomidas pelo tempo e abandono.

É comum, no IFCHS, professores dividirem gabinetes de 15m2 com outros 3 ou 4 colegas, quando não, dividem esses 15m2 com biombos, gerando 2 ou 3 salas individuais. Os professores, para chegarem em suas mesas de trabalho, passam se esfregando no biombo para alcançar a cadeira. Enquanto isto, os novos sujeitos detêm gabinetes individuais.

Temos a sensação de que o IFCHS é o primo mais velho numa família na qual ninguém se gosta muito, mas é um primo velho, fraco e raquítico. Aquele que pagou pelo ônus de permanecer imóvel e imobilizado pelos primos mais jovens e fortes. E assim ficou calado, pois estas decisões foram tornadas definitivas

Embora estes órgãos superiores sejam compostos pelos membros de todo canto da Universidade, representantes de todos os becos universitários, são instâncias de representação que operam em contextos preliminares, nem sempre proativos e, por vezes, operam também de forma provinciana em si e para si. No caso, o IFCHS ficou mudo, deixou o primo mais forte se apossar dos melhores brinquedos merecendo a pecha golpista: “Perdeu, Mané!”.

Tudo isto para dizer que o IFCHS mudou bastante. Essa mudança não foi boa, é para o pior mesmo, porque desde 2017 não recebeu nenhuma substancial melhoria, nem mesmo reforma ou manutenção.

A situação dos prédios e equipamentos é crítica. As instalações elétricas são impróprias ao uso dos aparelhos (computadores, impressoras, condicionadores de ar, modens, no breaks etc.) necessários ao trabalho cotidiano; os condicionadores de ar mais antigos ou funcionam mal ou não funcionam; os novos não podem ser instalados, pois não há empresas contratadas para tanto. Nem mesmo a manutenção dos aparelhos envelhecidos é realizada! Esses tempos vimos um serviço de limpeza de aparelhos de ar condicionado chegar ao IFCHS, passando de sala em sala, mas para nossa surpresa, um tal contrato de limpeza da ordem de centenas de milhares de reais era para limpeza do “filtro” o rapaz vinha nos gabinetes, tirava a “telinha”, passava um jato de agua nela e instalava de novo. Ulalá, feita a higienização! Um colega disse ao rapaz que se era só isso que ia fazer, que não fizesse lá na sala dele, dispensando-o imediatamente.

Mas não é só por aí, diversas unidades estão com construções em andamento para expansão das suas unidades, inclusive as mais novas, menos o IFCHS, o que demonstra inclusive um panorama de falta de planejamento, que não leva em conta nem mesmo a quantidade de alunos, professores ou cursos, mas que estaria alinhados a planos estratégicos de expansão da Universidade, embora este plano deva estar rascunhado na gaveta de alguém

UFAM para o Mundo Ver

Estamos falando aqui de um micro

Voltemos então ao Campus de Manaus. Nossa exposição vai aqui englobar os setores norte e sul. Caso o leitor conheça nosso Campus, convido-o a ir até o setor sul, onde o oásis vem sendo construído. Nos campi da Faculdade de Ciências Agrárias (FCA), Faculdade de Educação Física (FEF), Instituto de Ciências Biológicas (ICB) entre outros… estão fazendo um prédio faraônico para a Odontologia (bem grande mesmo, e construído rapidamente). Lá tem o maior auditório da UFAM e foi construída uma nova biblioteca central.

Só luxo! Basta entrar no prédio de Educação Física para ver as marcantes diferenças: as salas e laboratórios.

A verdade é que o IFCHS é um lugar com muita luz, mas este brilho é só das pessoas, porque temos percebido que o sentimento de pertencimento e aquela vontade de estar na universidade há bastante tempo se foi, antes mesmo da pandemia... por onde se caminha o vento assovia “atividade online”, “reunião online”, “prova online”, “grupo de estudo online”, a palavra do momento é “on-line”, a virtualização das relações de ensino e estudo alçaram novos paradigmas.

Os alunos perderam as conexões relacionais, a presencialidade fora do espaço da sala de aula é a relação virtual, a universidade perdeu o espaço de sociabilidade (esperamos que não para sempre). Claro que a pandemia foi um tapa na cara da Universidade, sobretudo do IFCHS, foi um acelerador da virtualização da vida e dos processos de sociabilidade, pois o Campus foi abandonado e o IFCHS sofreu mais que todos os outros, isso porque o que é velho estraga mais rápido. Vigora uma subjetividade e sentimento de abandono do IFCHS, e nenhuma das últimas gestões da reitoria conseguiu fazer nada em relação a isto, pelo menos quanto à estrutura física.

As respostas administrativas são recheadas pelas justificativas de limitação orçamentária e nelas ecoam razões práticas de ausência de recursos, mas essas ausências parecem assolar mais fortemente o pessoal da Ciências Sociais, Geografia, História, Filosofia e Serviço Social, mais do que, pelo menos, aquela gente da Medicina, Odontologia, da Agronomia, entre outros.

Se diz que ser gestor é fazer escolhas trágicas, porque os recursos nunca são suficientes. Mas fazer escolhas cujos efeitos sejam conceder a uns muito e a outros nada, implica prática bio(necro)políticas, para usar uma linguagem mais técnica. O estado aqui é a UFAM, e esta tem o poder de fazer/deixar sofrer, e suavizar ausências. Essas escolhas são bastante claras para nós! A ideia de compartilharmos as bonanças e as ausências não funciona muito bem na UFAM, as bonanças são distribuídas em “políticas estratégicas”, e as ausências são universalizadas aos demais.

Dignidade no Trabalho

O IFCHS hoje detém, sem brincadeiras, detém 99 demandas administrativas de manutenção ou instalação de aparelho de ar condicionado, abertas em média de 2 anos, sem resolução ou previsão de ação. Os professores precisam fazer vaquinhas.

Estamos também acostumados com o calor da região, mas isso significa que devemos trabalhar e estudar no IFCHS o tempo todo com suor correndo na testa e escorrendo pelas costas enquanto não executamos nenhum esforço físico? Será que as ciências humanas promovem processos de adaptação corpóreas e fisiológicas ante o calor, os quais não se pode ver em outras “espécies” de estudantes e servidores distribuídos em outros lugares da própria UFAM?

A verdade é que escolhas políticas são feitas, e nelas alguns seres humanos são menos humanos que outros, porque negar “ar gelado” no Amazonas não nos parece uma regalia que se possa distribuir seletivamente, por qualquer critério que seja. Então, por que no castelo da reitoria e nos gabinetes das direções não falta ar gelado e quando falta suspende o turno?

A ar-condicionado é um item de dignidade humana no Amazonas, condição mínima para que possamos estudar e trabalhar, no IFCHS nos falta isto, dignidade para trabalhar e estudar! Mas do outro lado, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e o Ministério de Educação nos veem lá de Brasília como a fonte e nascedouro do conhecimento mais avançado e sofisticado enquanto a precarização do trabalho assola a nossa prática pedagógica e inviabiliza as condições materiais para consecução dos objetivos de nossas pesquisas.

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