Modelo atual, ao invés de fortalecer a pós-graduação, reforça desigualdades e deixa de lado aqueles que mais precisam de apoio
Vamos hoje falar de pós-graduação, e como funciona na UFAM um sistema que premia os mais antigos e transfere recurso público para a mão de particulares. Vamos destacar quem são as 60 estrelas mais antigas que brilham mais forte!
É de conhecimento público que as universidades brasileiras, especialmente as públicas, são a espinha dorsal do desenvolvimento científico, tecnológico e social do país (pelo menos quando não estão sendo alvo de cortes orçamentários, é claro). A Universidade Federal do Amazonas (UFAM) é, sem dúvida, uma dessas instituições exemplares. Ela mantém 48 programas de pós-graduação, essenciais para a formação de mentes brilhantes na Amazônia Ocidental (o que não é pouca coisa). Contudo, essa grandiosidade precisa ser acompanhada de uma gestão transparente e, mais importante, de uma distribuição de recursos públicos que realmente beneficie toda a comunidade acadêmica. Mas, como podemos ver, as coisas nem sempre são tão simples.
O Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), administrado pela CAPES, destina recursos públicos para custear as atividades essenciais dos programas de pós-graduação da UFAM, que são importantes para garantir a participação de docentes e discentes em eventos acadêmicos, pagamento de taxas de publicação, tradução de textos, eventos e conferências, entre outras coisas. Então a CAPES manda de 20 a 40 mil reais por programa para a UFAM. Até aí, tudo bem. No entanto, surge a "brilhante" ideia da PROPESP, contingenciar 30% dos recursos dos programas e promover uma política universal que beneficie todos os programas da UFAM, visando o fortalecimento do ecossistema da pós-graduação da UFAM.
Então surge a ideia de premiar professores por suas publicações científicas com até R$ 5.000,00, com o pretexto de incentivar a produção acadêmica. Aqui vai um pequeno lembrete: os professores já são pagos para isso! Os professores detêm uma jornada de 40h com a UFAM, e disso, 10 a 15 horas são empenhados para as atividades nos programas de pós-graduação. Então, a pergunta que fica é: por que usar o dinheiro público e dos programas para financiar o que já é parte de suas responsabilidades? Sendo que o dinheiro nunca é nem mesmo suficiente para custear as necessidades dos programas até o final do ano.
Pior ainda, a UFAM/PROPESP faz isso contrariando expressamente a normativa da CAPES (Portaria 156/20214, art. 7, parágrafo 2). Isso só nos faz pensar: será que estamos assistindo a um desvio de finalidade em tempo real? Será que os recursos públicos estão sendo usados de maneira transparente, ou estamos diante de uma verdadeira caça ao prêmio, onde uns poucos programas (os mais antigos, maiores e consolidados, é claro!) ganham a maior parte da grana? Em minha interpretação, é um sistema que coloca os pesquisadores numa corrida contra os outros.
Vamos aos números (porque números são sempre divertidos, não é mesmo?). Se considerarmos que cinco programas ganharam mais de quatro prêmios, soma-se 37,97% do total do bolo. Se você está achando isso muito, adicione mais um programa à lista, o próximo da lista, que é o PPGPsi (Psicologia), e a concentração sobe para 49,28%. Ou seja, seis programas, em uma universidade com 48 PPGs, ficaram com quase metade da verba! Nada de muito democrático, certo?
Se considerarmos os programas que ganharam três ou mais prêmios, chegamos a 60% dos recursos nas mãos de apenas sete programas. E os outros 41 programas? Bem, eles podem esperar um milagre. Mas sempre sobram algumas migalhas!
Mas a surpresa não para por aí. A PROPESP se recusa a apresentar dados sobre os impactos dessa política nos anos anteriores, o que é, no mínimo, suspeito. Como é que alguém pode justificar uma política pública sem apresentar resultados concretos? A minha percepção é que, com esse edital, os programas menores e mais novos estão sendo deixados de lado, e isso é simplesmente inaceitável. Como uma política que visa fortalecer a pós-graduação pode, na prática, enfraquecer os programas menos consolidados?
Ah, e não podemos esquecer da cereja do bolo: existe um “Fórum de Coordenadores de PPGs” na UFAM, na instituição que diz no seu estatuto que deverá ser gestada democraticamente. Esse Fórum é aquele espaço supostamente democrático onde as decisões deveriam ser tomadas com a participação de todos os 48 coordenadores de programas.
Bom, na realidade, o Fórum tem se tornado mais um palco de anúncios unilaterais, onde a PROPESP simplesmente comunica suas decisões já tomadas, sem dar espaço para debate. Isso é, no mínimo, uma tragédia para a gestão democrática que deveria caracterizar a universidade. Onde está o debate? Onde está a participação de todos os envolvidos?
Registramos que há 3 meses pedi para discutir esse edital no fórum, mas fui ignorado, afinal sou de um daqueles programas que não foi considerado na divisão do bolo. O PPGSociologia, que eu coordeno na UFAM, abriu ainda em 2024, nem mesmo recurso da CAPES recebeu, mas o edital não limita a nossa participação, afinal, é a política universal da pós-graduação! Então dois professores do PPGS participaram, ambos ficaram na lanterna, porque o recurso foi para os docentes mais antigos, é a política de distribuição de recurso por antiguidade.
É quase uma política de redistribuição de renda invertida, recurso de todo mundo, inclusive dos programas mais novos, mas que contribuem para os mais consolidados e antigos, e como o critério é individual, é o professor com mais orientações e mais tempo no PPG que ganha. Com isto a UFAM dá prêmios aos professores que ganham mais, pois estão já estão mais adiante do que outros no plano de carreira.
E, claro, a cereja da cereja: a PROPESP pediu aos coordenadores que assinassem um "termo de anuência a posteriori" para validar o edital. Ou seja, em vez de consultar antes e ouvir as críticas e sugestões, a solução foi "assina aí que está tudo certo". Se você acha que isso soa como uma tentativa de corrigir algo que já está errado, você não está sozinho.
E, para finalizar, o edital foi lançado no dia 18/10/2024 com inscrição até dia 27/10/2024, o prazo ridiculamente curto para a inscrição dos docentes, sendo que destes 8 dias, 5 deles eram não úteis, como se estivéssemos todos com tempo sobrando em pleno fim de semana e feriados para trabalhar mais um pouco. Esse é o toque final de uma política que, ao invés de fortalecer a pós-graduação, reforça desigualdades e deixa de lado aqueles que mais precisam de apoio.
Na minha concepção, a política proposta no Edital 81/2024 é um exemplo claro de como não gerenciar recursos públicos. Vejo aí a falta de transparência, ausência de debate, um contexto de ausência de resultados concretos e, no final das contas, sem compromisso com os valores que deveriam reger uma universidade pública. O que está em jogo não é apenas o destino do dinheiro do PROAP, mas de como devemos gestar a UFAM, um patrimônio deste público federal neste Estado.
* Bruno Rodrigues é professor do departamento de Ciências Sociais (UFAM), coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UFAM) e doutor em Sociologia e Direito (UFF)