ENTREVISTA DA SEMANA

Aderson Frota defende mais policiamento e critica impacto da estiagem no comércio de Manaus

Presidente da Fecomércio-AM ressalta a necessidade de segurança no Centro e alerta para os prejuízos causados pela seca e pela reforma tributária

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
20/10/2024 às 14:15.
Atualizado em 20/10/2024 às 14:23

Presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio-AM), Aderson Frota. (Foto: Divulgação)

O presidente da Federação do  Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio-AM), Aderson Frota, afirma que “o Centro de Manaus precisa de mais policiamento para que a população se sinta segura para fazer compras na região.

“Não é que a polícia seja ostensiva, mas [precisa de] uma polícia presente para evitar qualquer tipo de agressão”, afirma o representante do setor que mais emprega e recolhe tributos no Amazonas.

Para Aderson Frota, apesar das ações tomadas pelo governo, o comércio ainda teve prejuízos com a estiagem histórica. Ele também criticou o texto de regulamentação da reforma tributária, aprovado na Câmara, e disse que adversidades regionais precisam ser consideradas no sistema tributário. Confira a entrevista:

Historicamente, o Centro de Manaus sempre atraiu pessoas que desejam fazer compras. Foi por muito tempo o ponto principal do comércio. Essa ainda é a realidade, hoje? 

Os consumidores ainda prestigiam em suas compras o Centro da cidade. Ocorre que o Centro está perdendo substância muito forte em termos de atratividade. Hoje, por exemplo, a Fecomércio faz em cada evento importante, do ponto de vista comercial, Dia das Mães, Dia das Crianças, pesquisas com dois meses de antecipação. Elas servem para que a gente possa ter um parâmetro de quais são os interesses do consumidor. 

Nós, hoje, indagamos o consumidor, não só sobre os produtos que ele quer comprar, mas também perguntamos quanto ele quer gastar e em qual local vai preferir fazer suas compras. Antigamente, era o Centro da cidade o local preferido pela grande maioria da população. Hoje é o shopping, por questão de segurança. Depois é que vem o Centro da cidade, mas o comércio nos bairros também está crescendo muito, algo que antes quase não tinha preferência.  

Por que isso acontece? Hoje o consumidor, vai para o Centro da cidade e quando dá 16h30, ele começa a ir embora. Por quê? porque o Centro está insustentável. O que você vê é muito morador de rua, muito traficante, muito catador de embalagem. Isso está gerando um problema de insegurança muito forte.

Esse é um problema. Então, nós estamos tentando, conversando com as autoridades, para colocar como preocupação das pessoas, uma visão de quais são as providências que poderiam ser desenvolvidas para restaurar o Centro da cidade.

O que um prefeito pode fazer de política pública para alterar esse cenário, na sua avaliação?

A maioria dos candidatos fala em aumentar a guarda municipal para manter a segurança do Centro da cidade, o que é uma necessidade mesmo. Não é que a polícia seja ostensiva, mas uma polícia presente para evitar qualquer tipo de agressão à população.

Quando a pessoa se sente mais protegida, é claro que ela se sente muito melhor. Então, hoje, você vai ver muita gente pedindo, muita gente catando embalagem no Centro da cidade, muitos traficantes transitando ali. Isso tudo gera um quadro de instabilidade e de insegurança muito forte.

Na votação do texto que regulamentou a reforma tributária, sete dos oito deputados do Amazonas votaram contra, por considerarem que ela era prejudicial à Zona Franca, mas também ao comércio. O texto ainda pode mudar no Senado, mas pela redação atual, como pode prejudicar o setor de comércio e serviços? 

As premissas da reforma tributária eram simplificar a legislação, reduzir a burocracia e não permitir que houvesse aumento da carga tributária. Só que o Brasil é um país de diversidade. Por outro lado, nós aqui do Amazonas temos um projeto que é a exceção no Brasil, que é a Zona Franca de Manaus. Por que nós somos uma área de exceção? Por causa da nossa dificuldade em logística, a exemplo da estiagem que vivemos agora. Dificulta o abastecimento das cidades, das empresas, da população.

Por quê? Porque a gente pode levar em consideração que existem quatro modais de transporte. Tem o mais barato, que é o navio, a cabotagem, tem ferrovia, rodovia e transporte aéreo. Ocorre que o mais barato, e que realmente é o que nos atende com 86% da nossa movimentação de carga, a cabotagem, hoje não tem calado para receber os navios.

A logística se complicou demais, porque os navios estão indo para portos intermediários, depois os intermediários descarregam o volume de contêineres que trazem dentro dos navios, 3 mil, 2 mil contêineres, que são distribuídos em pequenas quantidades em balsas. 

Isso tudo aumenta o custo do frete, aumenta o tempo que a gente tem para receber mercadoria e é um desgaste muito forte não só pela demora da mercadoria, mas pelo fato de a gente não receber a mercadoria, não vender e acabar sofrendo uma descapitalização. 

Desde o início do debate sobre a reforma, já havia uma expectativa de que o comércio pagaria mais com a alteração do sistema tributário. O texto de regulamentação também retirou a isenção de impostos em operações internas do comércio, no Amazonas. Também há esse ponto, certo? 

É verdade. Tem esse ponto bem específico. O Brasil é um país gigantesco, com cinco regiões, com características, com dificuldades, com logística totalmente diferente. Então, fazer uma única lei para regulamentar toda atividade tributária no país é muito difícil, até porque nós somos o único Estado que só tem um modal de transporte que é a cabotagem, porque nós não temos rodovias e não temos hidrovias, isso dificulta e encarece. Nós pagamos o frete mais caro do Brasil.

Manaus tem, em nível municipal, o FOPAZFM, um fórum das atividades econômicas ligadas à Zona Franca. Existe a possibilidade de a prefeitura conceder incentivos fiscais ou outras políticas de impulsionamento do comércio e indústria. Pensando no prefeito dos próximos quatro anos, o que pode ser feito pela gestão para incentivar o comércio manauara?

O comércio precisa ser entendido, respeitado e reputado. Por quê? Porque hoje o nosso segmento, comércio de bens e serviços, é responsável por 47% do PIB do estado do Amazonas. Nós somos os maiores empregadores do estado do Amazonas, com 70% da mão de obra dentro do setor de comércio e serviços.

O principal tributo do estado do Amazonas é o ICMS. O nosso segmento era responsável por 61% do recolhimento até o ano passado. Este ano já aumentou. Neste mês de setembro, o setor de comércio e serviços foi responsável por 75% da receita do estado do Amazonas em termos do ICMS. 
Então, o comércio tem que ser entendido, respeitado e valorizado. Você está matando, está desprestigiando o seu melhor artilheiro, o seu melhor zagueiro, o seu melhor meio de campo. Quer dizer, o cara que faz mais dentro do time, ele não é entendido, não é prestigiado, não é valorizado.

Hoje o comércio está desprestigiado? A gente fala muito sobre a Zona Franca do ponto de vista econômico, embora não seja a única atividade. 

Não, veja bem. O tratamento do ICMS é regulado a nível nacional pelo Confaz, até hoje. O que nos diferencia dos demais estados é que nós temos a isenção, pelo lado federal, do PIS, COFINS, do PIS e COFINS. Isso nos dá um diferencial de 10%. Outro fator é que o ICMS nos dá uma devolução do ICMS de acordo com a região. Se for Nordeste, você tem 12% de desconto. Se for Sul, Centro, Sul e Sudeste, você tem 7%. Então, esses são os diferenciais que a condição de estar dentro do Amazonas, dentro da Zona Franca de Manaus nos dá. E também, do lado federal, nós temos o IPI. Então, nós não pagamos o imposto sobre produto industrializado e temos isenção, pela Zona Franca, do PIS e COFINS.

A estiagem deste ano já se encaminha para o fim, mas ainda está forte. Diferente do ano passado, quando houve avisos sobre a seca, mas os governos não se prepararam o suficiente, neste ano tivemos medidas mais concretas para proteger a economia. Ainda assim, houve prejuízos ao comércio? 

Houve, e o nosso prejuízo acontece porque 86% da nossa carga vem na cabotagem, e a cabotagem foi vitimada pela seca. Ou seja, os navios não conseguem aportar em Manaus. São deslocados para Itacoatiara, lá no Rio Amazonas, para poder agilizar a descarga. Mas no ano passado foi muito pior, porque fomos pegos de surpresa.

Só que, veja bem, em março deste ano, o governo, através da Defesa Civil, nos convocou para anunciar que nós íamos ter, de novo, uma segunda estiagem forte. 

Nós fizemos circular, usando todas as mídias, Youtube, Instagram, Facebook, e pedimos a todos os empresários e empresárias, “caros colegas, por favor, não vamos cair no mesmo fosso de dificuldades do ano passado. Vamos planejar as nossas compras, vamos antecipar as nossas compras, para que a gente  não esteja vivenciando as dificuldades que nós vivemos no ano passado”.

Assim, nós antecipamos alguns produtos, o Distrito Industrial comprou muitos insumos antecipadamente, então todo mundo conseguiu fugir um pouco daquele momento difícil. Só que alguns produtos, como no ramo de alimentação, você não pode comprar antecipadamente. 

Desde o ano passado, o governo federal foi alertado sobre a nova seca deste ano. Havia a previsão de iniciar a dragagem, que primeiro foi em março, depois abril, depois junho e se estendeu até agora. O navio que será usado para o serviço no Tabocal chegou neste mês, já próximo do fim da seca. Não deveria ter chegado antes? 

Poderia, só que nós ainda vivemos uma falta de coerência muito forte. Por exemplo, a nossa estrada, a BR-319. Ela já deveria estar repavimentada há muito tempo e ainda estamos brigando com os órgãos do meio ambiente.

Nós temos quatro rodovias dentro da Amazônia. Nenhuma provocou dano ambiental. Nós temos a Brasília-Belém, que passa dentro da Amazônia, temos a Cuiabá-Santarém, que passa dentro da Amazônia. Nós temos a Porto Velho-Rio Branco, que passa dentro da Amazônia. Nós temos a BR-174, que conecta Manaus a Roraima, todas dentro da Amazônia.

Qual foi o dano ambiental? Nenhum. E a ministra Marina continua impiedosa, argumentando de forma totalmente indevido, e dizendo que nós queremos a estrada para passear. Como, se quinta-feira passada nós já estávamos com seis quilômetros de carretas paradas ao longo da BR-319? Quer dizer, é um absurdo. 

Nós de fato tivemos essa fila de carretas na BR-319. Historicamente, nessas estradas que o senhor citou, houve dano ambiental. Há o outro lado, da importância para a economia, mas o desmatamento no Amazonas, por exemplo, se concentra nos municípios próximos a essas estradas. Para além disso, se a BR-319 for reestabelecida e respeitar todas as questões socioambientais, de que maneira poderia ajudar o comércio, já que é mais barato transportar por navio?

Pode ajudar muito. Por exemplo, no momento da estiagem que nós não podemos receber os nossos navios, que trazem 86% da nossa carga. Se nós tivéssemos uma estrada, nós não estaríamos desabastecidos, com uma parte do Amazonas onde o povo está sofrendo, sem água potável, sem comida. Ela estaria sendo atendida pela rodovia. Nós teríamos mais acesso a alguns municípios do sul e sudeste do Amazonas. Então, essas pessoas estão desprovidas de água para beber, de alimento, medicamentos e combustível.  Inclusive, está faltando energia em alguns municípios, porque não tem combustível e isso afeta algumas atividades. 

A cabotagem é mais barata do que o rodoviário. O navio é mais barato que o caminhão, com certeza absoluta. E entre o navio e o caminhão, se nós tivéssemos uma ferrovia, seria mais barato transportar por ela do que por caminhão.

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