SINAS DA CHEIA

Rio Negro volta a subir, mas ainda não é o fim da seca

Histórico de medições mostra que repiquete ocorre antes do fim da vazante

Waldick Júnior
online@acritica.com
14/10/2024 às 14:33.
Atualizado em 14/10/2024 às 14:38

Após alcançar a maior seca desde o início dos registros, o rio Negro segue agora tendência de fazer o caminho inverso (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

Pela primeira vez em quatro meses, o rio Negro em Manaus voltou a encher. Entre o domingo (13) e esta segunda-feira, a cota subiu dois centímetros, chegando a medir 12,13 metros. Embora seja um sinal de que a maior estiagem do Amazonas está perto de acabar, o histórico de medições do afluente evidencia que o fenômeno é comum e não representa o fim da vazante.

Dados disponibilizados no Painel do Clima Amazonas, do governo estadual, apontam que o rio Negro havia enchido pela última vez em 16 de junho. Naquele dia, a cota chegou a 26,85 metros, o auge do período de cheia, e depois estabilizou até começar a secar no dia 23 de junho. Desde então, o sétimo maior rio do mundo em volume de água só secou ao longo de 109 dias, até o último domingo.

Imagem do porto público de Manaus (roadway) próximo de onde fica instalada a régua de medição do nível das águas do rio Negro

Doutor em Ordenamento Territorial e Ambiental e um dos principais pesquisadores sobre a hidrografia da Amazônia, o geógrafo José Alberto Lima de Carvalho explica que a subida em dois centímetros do rio Negro indica a ocorrência de um fenômeno conhecido como ‘repiquete’.

“Nessa época do ano, é comum ocorrer o repiquete. A palavra vem de repique, ou seja, vai e volta. Normalmente acontece de o rio parar de secar, depois encher um pouco e aí voltar a secar até finalmente a vazante encerrar. No interior se dizia que o repiquete acontecia sempre na semana do 2 de novembro [Dia dos Finados], mas aconteceu antes”, diz.

O repiquete de 2023 aconteceu na primeira semana de novembro, como citado pelo especialista. O histórico de medições mostra que o rio atingiu 12,70 metros no dia 26 de outubro e depois encheu 52 centímetros durante dez dias até começar a secar de novo e atingir 12,96 metros. Só depois desse dia é que a estiagem finalmente encerrou e iniciou o ciclo de cheia.

Repiquete segue exemplo do acontecido em 2023

“A bacia amazônica é a maior bacia de drenagem do mundo. Trata-se de uma área de 6,5 milhões de quilômetros quadrados e abriga uma área muito grande na faixa equatorial da Terra, com uma variação de 25 graus de latitude. Isso quer dizer que os rios são muito extensos e os afluentes que formam a margem esquerda e direita do rio Amazonas têm o regime hidrológico diferenciado. Esse balanço [seca em um, enche em outro] é um dos causadores do repiquete”, afirma.

Os dados do Painel do Clima evidenciam, inclusive, que São Gabriel da Cachoeira já vive neste momento o fenômeno. O município é o primeiro do Brasil a receber as águas do rio Negro, que nasce no leste da Colômbia e se une ao Solimões, próximo a Manaus, para formar o rio Amazonas.

Naquela região, o Negro chegou a medir 6,58 metros em 24 de setembro e depois iniciou um período de recuperação das águas. Entre 1º e 5 de outubro, encheu pouco mais de 30 centímetros, alcançando a cota de 7,1 metros até voltar a secar no dia seguinte, 6. A medição mais recente, do dia 10 de outubro, aponta que o rio estava em 6,7 metros.

Rio Amazonas

Maior rio em vazão de água e o segundo mais extenso do mundo, o rio Amazonas é considerado crucial para a economia do estado. É por ele que são transportados insumos para a Zona Franca de Manaus, mas também outros gêneros, como alimentos e combustível.

De acordo com a medição realizada pela Praticagem dos Rios Ocidentais da Amazônia (Proa Manaus), que reúne profissionais da navegação, o rio Amazonas não secou entre o domingo e esta segunda-feira, indicação considerada positiva após 119 dias de estiagem severa. A soma foi feita a partir do dia 17 de junho, última vez em que as águas encheram.

Outro dado que chama a atenção é o fato de os rios estarem subindo em Iquitos, no Peru (nascente do Solimões), e em Tabatinga e Santo Antônio do Içá, ambos no Alto Solimões. Nos municípios brasileiros, o afluente marcou -1,82 metros e -1,55 metros, respectivamente. O número negativo é em relação à régua instalada no local, que começa com uma cota 0 para fins de referência.

Cheia

Um fenômeno observado por especialistas na seca deste ano está relacionado à antecipação de momentos-chave do fenômeno. O próprio processo de vazante foi mais intenso em comparação a 2023, o que fez com que o recorde fosse batido já em 3 de outubro, com 12,69 metros. A data marcou 23 dias de diferença do recorde anterior, do ano passado, registrado em 26 de outubro.

Doutor em Clima e Ambiente, o geógrafo Rogério Marinho explica que a estabilização das águas costuma ocorrer no fim de outubro, mas neste ano também foi influenciada pela antecipação de todo o processo de vazante. Ele é vice-coordenador do projeto de extensão Rios On-line, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que monitora as águas amazônicas.

“Quando o rio está secando, ele faz isso com uma velocidade muito alta em agosto e setembro, e começa a diminuir bastante em outubro. Isso ocorre geralmente no fim do mês, mas temos visto isso ser antecipado. Nos próximos dias, o rio deve variar pouco até estabilizar e começar a encher com maior intensidade daqui a cerca de três semanas”, afirma.

Em 2024, o recorde da seca foi batido em 3 de outubro, com 23 dias de diferença do recorde anterior, 26 de outubro

E as chuvas?

 Mestre em Clima e Ambiente, o meteorologista Willy Hagi também ressalta que a redução do ritmo de queda do rio Negro é um bom sinal, mas não a confirmação do fim da estiagem. “Ainda não parece claro o bastante se esse leve aumento do nível vai continuar de forma consistente pelas próximas semanas”, alerta.

Segundo ele, a mesma análise vale para a estação chuvosa no Amazonas, apesar de o estado ter registrado ventos fortes e tempestades em alguns municípios, incluindo Manaus.

“Outubro ainda faz parte de um período de transição do período seco para o chuvoso na nossa região, mas as previsões de chuva para a segunda quinzena do mês são um pouco mais otimistas dessa vez para boa parte do estado”, avalia.

Imagem de 2021, quando Manaus estava sob os efeitos do fenômeno La Niña

Entre especialistas ainda há uma expectativa de que, após o El Niño, ocorra o fenômeno La Niña, que resfria as águas do oceano Pacífico e altera o regime de chuvas na região amazônica. Porém, Willy diz que o Pacífico vive atualmente uma situação de neutralidade.

“O La Niña ainda não chegou e, apesar das expectativas que podem girar ao redor do evento, que geralmente representa um período chuvoso mais intenso para a Amazônia, o consenso entre vários módulos de previsão climática vem indicando que deve ser um evento fraco e de curta duração”, afirma.
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