Histórico de medições mostra que repiquete ocorre antes do fim da vazante
Após alcançar a maior seca desde o início dos registros, o rio Negro segue agora tendência de fazer o caminho inverso (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)
Pela primeira vez em quatro meses, o rio Negro em Manaus voltou a encher. Entre o domingo (13) e esta segunda-feira, a cota subiu dois centímetros, chegando a medir 12,13 metros. Embora seja um sinal de que a maior estiagem do Amazonas está perto de acabar, o histórico de medições do afluente evidencia que o fenômeno é comum e não representa o fim da vazante.
Dados disponibilizados no Painel do Clima Amazonas, do governo estadual, apontam que o rio Negro havia enchido pela última vez em 16 de junho. Naquele dia, a cota chegou a 26,85 metros, o auge do período de cheia, e depois estabilizou até começar a secar no dia 23 de junho. Desde então, o sétimo maior rio do mundo em volume de água só secou ao longo de 109 dias, até o último domingo.
Imagem do porto público de Manaus (roadway) próximo de onde fica instalada a régua de medição do nível das águas do rio Negro
Doutor em Ordenamento Territorial e Ambiental e um dos principais pesquisadores sobre a hidrografia da Amazônia, o geógrafo José Alberto Lima de Carvalho explica que a subida em dois centímetros do rio Negro indica a ocorrência de um fenômeno conhecido como ‘repiquete’.
O repiquete de 2023 aconteceu na primeira semana de novembro, como citado pelo especialista. O histórico de medições mostra que o rio atingiu 12,70 metros no dia 26 de outubro e depois encheu 52 centímetros durante dez dias até começar a secar de novo e atingir 12,96 metros. Só depois desse dia é que a estiagem finalmente encerrou e iniciou o ciclo de cheia.
Repiquete segue exemplo do acontecido em 2023
Os dados do Painel do Clima evidenciam, inclusive, que São Gabriel da Cachoeira já vive neste momento o fenômeno. O município é o primeiro do Brasil a receber as águas do rio Negro, que nasce no leste da Colômbia e se une ao Solimões, próximo a Manaus, para formar o rio Amazonas.
Naquela região, o Negro chegou a medir 6,58 metros em 24 de setembro e depois iniciou um período de recuperação das águas. Entre 1º e 5 de outubro, encheu pouco mais de 30 centímetros, alcançando a cota de 7,1 metros até voltar a secar no dia seguinte, 6. A medição mais recente, do dia 10 de outubro, aponta que o rio estava em 6,7 metros.
Maior rio em vazão de água e o segundo mais extenso do mundo, o rio Amazonas é considerado crucial para a economia do estado. É por ele que são transportados insumos para a Zona Franca de Manaus, mas também outros gêneros, como alimentos e combustível.
De acordo com a medição realizada pela Praticagem dos Rios Ocidentais da Amazônia (Proa Manaus), que reúne profissionais da navegação, o rio Amazonas não secou entre o domingo e esta segunda-feira, indicação considerada positiva após 119 dias de estiagem severa. A soma foi feita a partir do dia 17 de junho, última vez em que as águas encheram.
Outro dado que chama a atenção é o fato de os rios estarem subindo em Iquitos, no Peru (nascente do Solimões), e em Tabatinga e Santo Antônio do Içá, ambos no Alto Solimões. Nos municípios brasileiros, o afluente marcou -1,82 metros e -1,55 metros, respectivamente. O número negativo é em relação à régua instalada no local, que começa com uma cota 0 para fins de referência.
Cheia
Um fenômeno observado por especialistas na seca deste ano está relacionado à antecipação de momentos-chave do fenômeno. O próprio processo de vazante foi mais intenso em comparação a 2023, o que fez com que o recorde fosse batido já em 3 de outubro, com 12,69 metros. A data marcou 23 dias de diferença do recorde anterior, do ano passado, registrado em 26 de outubro.
Doutor em Clima e Ambiente, o geógrafo Rogério Marinho explica que a estabilização das águas costuma ocorrer no fim de outubro, mas neste ano também foi influenciada pela antecipação de todo o processo de vazante. Ele é vice-coordenador do projeto de extensão Rios On-line, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que monitora as águas amazônicas.
Em 2024, o recorde da seca foi batido em 3 de outubro, com 23 dias de diferença do recorde anterior, 26 de outubro
Mestre em Clima e Ambiente, o meteorologista Willy Hagi também ressalta que a redução do ritmo de queda do rio Negro é um bom sinal, mas não a confirmação do fim da estiagem. “Ainda não parece claro o bastante se esse leve aumento do nível vai continuar de forma consistente pelas próximas semanas”, alerta.
Segundo ele, a mesma análise vale para a estação chuvosa no Amazonas, apesar de o estado ter registrado ventos fortes e tempestades em alguns municípios, incluindo Manaus.
Imagem de 2021, quando Manaus estava sob os efeitos do fenômeno La Niña
Entre especialistas ainda há uma expectativa de que, após o El Niño, ocorra o fenômeno La Niña, que resfria as águas do oceano Pacífico e altera o regime de chuvas na região amazônica. Porém, Willy diz que o Pacífico vive atualmente uma situação de neutralidade.