Manaus

‘Quando saiu o resultado da votação, eu estava cassado’, declara Arlindo Porto

Nesta quarta-feira (03), a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), devolve ao ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Arlindo Porto , mandato de deputado, cassado há 49 anos pela ditadura  militar

kleiton renzo
02/04/2013 às 14:39.
Atualizado em 12/03/2022 às 00:31

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Passadas quase cinco décadas do momento em que teve cassado o mandato de deputado estadual da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) pela ditadura militar, o escritor, jornalista e presidente da Academia Amazonense de Letras (AAL), Arlindo Porto, se prepara para receber nesta quarta-feira (03) o diploma que lhe devolve o mandato parlamentar. Na entrevista, concedida ontem a A CRÍTICA, o imortal de 85 anos relembra o dia em que teve o mandato cassado e dos nomes de políticos e de autores amazonense que o acompanharam nos quatro meses em que ficou preso. A seguir a entrevista:

Presidente, o que representa para o senhor o ato da Assembleia Legislativa (ALE-AM) em devolver, mesmo que em ato simbólico, o seu mandato cassado?

É algo que ocorre 49 anos depois. Foi em maio de 64 tudo isso. Não sei em que dia foi. Numa reunião da Assembleia foram ameaçados de cassação o Arlindo Porto e o Renato de Souza Pinto. Na reunião nós fomos surpreendidos porque havia chegado na Assembleia um telegrama da Comissão Nacional de Investigação, um negócio assim. Era a comissão que fazia as punições da didatura pelo Brasil inteiro. E essa comissão dizia que a Assembleia Legislativa se abstivesse de cassar mandatos e que deixasse essa incumbência para a Comissão Nacional de Investigação.

Mas não foi o que ocorreu...

Não! Acontece que a Assembleia já tinha posto em funcionamento um mecanismo e havia participado aos militares dominantes que haveriam punições entre os deputados e resolveram cassar só o meu mandato. Deixaram o do Renato pra depois. Quando saiu o resultado da votação eu estava cassado. Não sei quantos votaram a favor.

Deputado por três mandatos, hoje o senhor sabe o que levou a Assembleia a cassar o seu mandato?

Além de três mandatos eu havia recebido na última eleição a terceira maior votação. E não sei o motivo. Era um comandante que naquela época tinha uma função executiva e fez uma indicação por escrito para o presidente da Assembleia, Anfremon Monteiro, pedindo que os deputados com comportamento de esquerda, para a época, fossem retirados. No Brasil inteiro nenhum Assembleia tinha cassado deputado. A nossa (Assembleia) entrou no processo por pânico ou vontade de servir para se salvar. Nunca saberei.

Então só o senhor foi usado pra judas nesse processo?

Exatamente. Eu e o Renato. Para poder justificar aquele processo todo de cassação. Por que o Renato? Porque ele coordenava comigo os movimentos. Fazia pronunciamentos nacionalistas; Defendia o monopólio do petróleo para o Brasil. Nós tínhamos as posições esquerdistas da época e nos rotularam como comunistas.

O senhor esperava essa devolução ainda que tardia do mandato usurpado?

Está me pegando com a mais absoluta surpresa. De lá pra cá, nesses 49 anos eu mereci apenas uma atitude muito bonita do deputado Homero de Miranda Leão, que reconhecendo a injustiça cometida na cassação do mandato, propôs medida que me permite sentar na cadeira de qualquer deputado na Assembleia quando eu quiser.

E o senhor já usou esse direito alguma vez?

Eu fui umas duas ou três vezes. Não gosto muito de ir por lá. Fui convidado para alguma homenagem e quando tem muita gente eu sento em alguma cadeira para não ficar em pé (risos).

O senhor foi preso logo após a cassação do mandato na Assembleia?

Não. Eu fui para casa. Disse para o Renato, olha, vamos sair daqui (da ALE-AM). E cada um foi para a sua casa. Lá pela noite eu soube, pelo rádio, que tinham cassado meu mandato. Quando eu estava me preparando para jantar parou um carro. Saltaram várias pessoas à paisana. Me prenderam. E me levaram. Quando o carro tomou a direção da avenida Constantino Nery, passou do Boulevard, eu me lembrei que logo depois da ponte de ferro, no lugar onde hoje está um alojamento militar, era oara onde os militares levavam e castigavam os colegas que cometiam infrações. Quando eu vi o cabra indo naquela direção tive receio de ser levado para aquele lugar e temi.

O senhor foi torturado?

Não. Quando passamos pela frente do terreno e chegamos na pista que segui para o comando militar, então eu me tranqüilizei. Isso era umas 19h. Fui preso numa saleta de um dos prédios. Naquela saleta eu fiquei oito dias em regime incomunicável. Só que houve uma exceção. Ocorreu que na passagem do dia das mães, para minha surpresa, a portinha do quartinho abriu e entrou um grande amigo que havia, com seu prestígio pessoal, rompido a incomunicabilidade. Era o arcebispo metropolitano de Manaus, Dom João de Souza Lima (renunciou ao cargo em 1980 e foi nomeado arcebispo coadjutor de Salvador). Veja só a qualidade desse esquerdista.

O senhor ficou só enquanto esteve preso?

Não. Para onde eu estava foram colocado o padre Luiz Ruas e o acadêmico Ernesto Pinto Filho. E ali nós ficamos uma meia dúzia de dias. Inclusive nesse período conseguimos através de requerimento assinado por nós três direito a pegar um solzinho durante a manhã (risos).

Foi nesse quartinho que o senhor ficou quatro meses como prisioneiro?

Depois desse período curtíssimo nos levaram para um outro alojamento. Esse em cima do primeiro andar do quartel. Alí já estavam os escritores Aldo Moraes, Letício de Campos Dantas e o acadêmico Amazonino Mendes, que naquela época era tido como elemento de esquerda. Estava também o Cid Cabral da Silva e o saldoso Manoel Rodrigues, ex-presidente do sindicato da construção civil, e Berlamino Marreiro. Ficamos 128 dias presos. De detenção. E nunca me deram conhecimento do que eu estava respondendo. De nenhum processo.

E hoje o senhor já sabe?

Nunca soube até hoje. No final dos 128 dias me chamaram e disseram: “pode ir. A auditoria não encontrou nada contra a sua pessoa”. Até hoje amigo, eu não sei quais os motivos levaram esses homens a me prenderem esse tempo todo. Não me acusaram de nada.

O mandato cassado e a prisão foram os motivos que o levaram a deixar a política?

Sim. Depois disso eu assumi a editoria do jornal “A Notícia”. Os primeiros anos do jornal quem comandou foi Arlindo Porto. Depois começaram as perseguições junto aos donos do jornal e me mudei para o Rio de Janeiro onde trabalhei por dez anos. Fui das redações do “Última Hora” e “Diário de Notícias”. É preciso que se diga que eram empregos de curta duração. Dei colaboração no jornal “O Globo” e voltei para Manaus em 1992 sobretudo porque faleceu minha primeira esposa que era irmã do saudoso governador Gilberto Mestrinho. Ela faleceu e foi sepultada no Rio de Janeiro e eu voltei para ajudar o Gilberto Mestrinho na constituição do PTB, que depois virou PP e por fim virou PMDB.

Acabou voltando para a política...

Foi. Aqui comecei a retomar a minha vida profissional. Fui trabalhar em A CRÍTICA onde tive apoio do Umberto Calderaro para a publicação do livro “Regatão da Saudade”. E entrei no Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM), porque a Assembleia estava com uma vaga para indicar um nome. Um grupo de amigos na Assembleia, com a presença do Josué Filho, Philipe Daou e Armando Menezes, articularam junto a Assembleia a aprovação do meu nome para aquela vaga. E graças a Deus isso aconteceu. Se não fosse isso eu estaria passando as maiores privações hoje.

A experiência de privação da liberdade de ir e vir lhe trouxe reflexões para vida literária?

Ela parou. Parou  porque não tinha local para trabalhar. Eu fiz muitas cartas pra mim mesmo naquele momento. Relatórios internos do que estava sentido. Nunca mandei para ninguém.

Não seria hoje o momento de publicá-las?

Não sei. Se um dia eu publicar você terá a primazia (risos).

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