SOFRIMENTO

Preso por engano, homem é solto após depoimento do pai da vítima

Railson da Silva Marques tem o mesmo nome de um homicida, mas nunca cometeu crime nenhum e passou um ano e oito meses na cadeia em Manaus

Saadya Jezine
21/04/2018 às 17:40.
Atualizado em 11/03/2022 às 17:08

((Foto: Jair Araújo))

“Foi danificada a minha dignidade”. A afirmação é de Railson da Silva Marques, 34 anos, que busca retomar a vida após ficar preso por um ano e oito meses injustamente ao ser confundido com um homicida que tem o mesmo nome que o dele. O defensor público Maurílio Casas Maia conseguiu provar a inocência de Railson através do pronunciamento do próprio pai da vítima em um julgamento que parecia caminhar para a condenação, ainda que existissem provas de que Railson da Silva Marques é homônimo do verdadeiro criminoso, ou seja, possuem nomes idênticos.

Em agosto de 2016, Railson estava voltando do trabalho a caminho de casa, quando foi abordado em uma barreira policial. “Eles foram logo me agredindo, usando palavrões e fazendo questionamentos como se eu fosse criminoso. Pediram minha identificação, foram na viatura fazer a consulta de antecedentes e já voltaram me dando ordem de prisão por homicídio e continuaram a violência física e psicológica (...) Eu estava com as fotos e os documentos dos meus filhos, tentei explicar que era pai de família, que não fazia ideia do que eles estavam falando. Eu nunca tive nem arma de fogo”, lembra Railson.

Segundo ele, a situação continuou sem sentido. “Na delegacia, me fizeram assinar a confissão de homicídio. Eu tentei contestar, mas fui realmente obrigado a fazer isso. Caso contrário, eu não teria direito a advogado”, afirmou. Em seguida, Railson foi levado ao Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), para esperar o seu julgamento.

O defensor público Maurílio Casas afirmou que contestou a prisão porque não existiam provas, nem testemunhas contra o seu assistido, que foi preso apenas pelo seu nome. “As testemunhas não fizeram o reconhecimento porque simplesmente não lembravam das fisionomias do assassino, então realizamos buscas e encontramos pelo menos quatro pessoas que tinham o mesmo nome e sobrenome do réu, inclusive com envolvimento em homicídios”, explicou.

A série de atos equivocados só foi interrompida nos minutos finais do seu julgamento. “Eu preciso dormir tranquilo. Não foi esse homem que matou meu filho e, se eu não falar isso agora, ele irá ser condenado e eu não me perdoarei por isso”, afirmou o pai da vítima, no julgamento, ocorrido em 26 de março deste ano, quase dois anos após a ordem de prisão.

“O pronunciamento do pai foi um fator determinante para sentenciar a inocência de Railson”, afirmou o defensor Maurílio Casas, que explicou que foi necessário pedir uma “questão de ordem” no julgamento para que o pai da vítima pudesse se pronunciar, visto que já havia superado o momento de ouvir testemunhas e informantes. “Fico imaginando o que teria sido da vida do Railson se o pai da vítima não tivesse conseguido fazer isso”, disse o defensor.

Ação por danos físicos e psicológicos

Railson da Silva Marques está movendo uma ação contra o Estado pelos danos físicos e psicológicos sofridos. “Eu preciso fazer isso, não somente por tudo que aconteceu comigo, porque isso nem dinheiro é capaz de apagar”, disse ele. “Mas preciso muito fazer algo porque quero evitar que isso aconteça com outras pessoas”, acrescentou.

E por conta do seu nome, Railson precisará ser cauteloso. “Ele precisa andar com documentos que comprovem que é um homônimo e ser cauteloso para não ser confundido novamente”, explicou o defensor público Maurílio Casas.

“Sei que nem todo policial é violento, sei que nem todo delegado é corrupto, ou que todo advogado acredita na gente. Existem sempre pessoas boas e ruins, mas estamos entrando com processo para que os ruins não fiquem sem punição”, disse Railson.

Após o período em risco de morer na penitenciária, Railson ainda não está totalmente livre

Railson era operador de máquinas industriais, casado, e é pai de três filhos, uma menina (12 anos) e dois meninos (9 e 15 anos). Atualmente, está desempregado, divorciado e seus filhos estão morando longe. “Ser preso fez a minha vida desandar. Eu trabalhava e era o esteio da minha família. Tudo desandou. E eu agora preciso de um emprego para ter meus filhos de volta”, afirmou, emocionado.

No entanto, esses não foram os únicos problemas enfrentados por Railson. Ao chegar no Ipat, ele relembrou o nervosismo dos primeiros dias. “Eu não sabia que tipo de crime o outro Railson tinha cometido, nem se ele fazia parte de alguma facção. Eu podia estar correndo risco de morte e isso me deixava até com problemas de saúde”, disse.

Além disso, ele estava preso em janeiro de 2017, quando ocorreu fugas em massa, grandes rebeliões e chacina de detentos. “Eu estava calmo porque sou evangélico e os cristãos são muito respeitados na penitenciária. Mas a minha família, que estava fora, não sabia o que estava acontecendo. E por conta dessa rebelião, minha mãe, uma idosa de 74 anos, acabou sofrendo um acidente, que comprometeu a saúde dela”, afirmou Railson.

“Quando dizem que a cadeia é uma escola é porque ela é mesmo. Mas não tem nada de bom para aprender. Tínhamos aulas, mas eram poucas. Na prisão, não tem nada que contribua para a humanização da gente ou para a nossa melhoria”, disse. “E, sinceramente, eu não sei o que será mais difícil de superar: o tempo que eu passei na prisão ou minha vida agora. É como se continuasse cumprindo um outro tipo de pena. Quem quer dar emprego para um ex detento?”, questionou Railson, enfatizando que a sociedade não está preparada para a reinserção de ex-detentos.

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