Pároco-reitor da Basílica do Sagrado Coração de Jesus na cidade do Recife, também falou em entrevista sobre o carinho recíproco com a cidade, os 20 anos da Novena de São José, do qual é o criador, além de outros assuntos
(Foto: Euzivaldo Queiroz/A Crítica)
O padre Sérgio Lúcio Alho da Costa, de 52 anos, saiu de Manaus há 14 anos, mas a cidade nunca saiu do seu coração. Religioso amado pelos amazonenses, ele esteve na capital durante a semana como convidado especial dos festejos de 20 anos da Novena da Benção de São José Operário, celebração que ele criou em 1999 quando era o pároco do santuário localizado na rua Visconde de Porto Alegre,na Praça 14 de Janeiro.
Aos 52 anos de idade, hoje ele é o pároco-reitor da Basílica do Sagrado Coração de Jesus na cidade do Recife, que integram o Colégio e Faculdade Salesianas da capital pernambucana. O religioso está fora do Amazonas desde 2005, quando foi trabalhar em Porto Velho, São Paulo (onde ficou por sete anos) até chegar ao Recife, onde está há quatro anos.
Em meio a celebrações, co-celebrações e muitas demonstrações de carinho, ele recebeu a reportagem de A CRÍTICA e falou sobre assuntos como o amor que tem por Manaus, o papel da Igreja Católica atualmente e o casamento de padres, que será discutido no Sínodo Pan-Amazônico, entre os dias 6 e 27 de outubro, no Vaticano, entre outros.
Como é retornar aqui a Manaus em meio a um momento tão especial quanto a celebração dos 20 anos da Novena da Benção de São José?
Para mim eu considero como uma benção muito grande porquê a própria palavra de Deus diz que aquilo que é projeto de Deus vai sempre prosperar. Naturalmente que, quando a gente sai, o povo ficou pensando assim: ‘Vai acabar’. Mas aquilo que é de Deus, prospera. Vir celebrar os 20 anos da novena com essas multidões que continuam aflorando aqui no Santuário é, pra mim, uma dádiva muito grande de Deus, que me usou para plantar uma semente nesse terreno fértil do povo amazonense, que fez crescer.
Como foi o reencontro com tantas pessoas que o admiram? As pessoas falam da saudade que têm do senhor, que o admiram, algumas pessoas choram quando falamos da sua pessoa...
Ficamos felizes porquê o primeiro ponto para você poder comunicar a palavra de Deus é criar empatia, amizade. Se você não cria essa sintonia a coisa pode até cair no vazio. Nós sempre procuramos, nesse atendimento pastoral, ser assim muito afetuoso com todo mundo. E tratar bem todo mundo, acolher. Nós vivemos uma realidade urbana tão massacrante, de anonimato, de desprezo, onde as pessoas mal se cumprimentam. E aqui no Santuário de São José nós fazemos exatamente o contrário, que é acolher e tratar bem todo mundo. E sobretudo, nessa acolhida, inserir a mensagem do amor de Deus.
Como o senhor lida, após tanto tempo, ser um padre tão popular, um pop star como são os religiosos Fábio de Melo e Marcelo Rossi, por exemplo?
Eu fico feliz, mas é claro que nós procuramos sempre orientar pastoralmente, mostrando que não é o padre, que o padre é só o meio, um instrumental, que a gente tem que ir para o amor de Deus, para o Evangelho, para a prática da palavra. Mas é claro que ficamos felizes de ser esse instrumento e receber o carinho do povo.
O que representa a Novena de São José na sua vida?
Representa um mandato de Deus, uma vocação. Quando comecei a novena em 1999 era o papa João Paulo 2º que estava pontificando a Igreja Católica e ele fazia esse apelo, na virada para o 3º milênio, ele pedia exatamente isso: que nós pudéssemos ousar em uma nova evangelização. Aí vimos exatamente essa realidade urbana, sobretudo aqui da paróquia de São José, e a começamos a propôr horários alternativos e, sobretudo, celebrações que pudessem comunicar e dar conforto, porque num ritmo massacrante as pessoas buscam também isso. E acho que foi por aí, com sempre o Espírito Santo nos orientando.
Quais foram as dificuldades que o senhor enfrentou na organização das novenas no início?
A primeira novena que propomos foi ao meio-dia. E te confesso que disse: “A igreja é grande, cabe 1.200 pessoas sentadas, um templo grande”. E fiquei pensativo se iria dar certo ou não. E foi surpreendente porque no meio-dia lotou a igreja e foi num crescente, chegando ao ponto que não coube mais (o público de fieis) na igreja e começamos a fazer outros horários e passando para a novena campal.
Do quê o senhor tem mais saudades das primeiras novenas?
Saudades sempre de ver o ardor do povo, não é? A piedade. O povo amazonense, norte-nordeste, tem essa característica. Estou trabalhando atualmente com os nordestinos e a gente vê uma similaridade muito grande. Há uma piedade muito sincera. Não vemos o povo falseando, ou simplesmente representando, e sim um extravasar de sinceridade, de piedade cristã. A saudade é essa: de ver o povo vibrando na fé.
Qual a sua opinião sobre a Igreja Católica nos tempos atuais?
Vejo que a Igreja procura responder aos desafios de cada tempo presente. Ela não está estática num passado, num saudosismo, não. Ela se renova porque o Espírito Santo é vivo. Quando vejo o papa Francisco convocando o Sínodo do Pan-Amazônico, que engloba todos so países limítrofes da floresta amazônica, é exatamente para buscar novas maneiras de evangelizar. De fato a região amazônica é muito carente, de sacerdotes, de ministros, e precisamos dar uma resposta a isso.
E qual o papel da Igreja nesses tempos de guerra, intolerância, mudanças de governo, de várias coisas que colocam em xeque a fé das pessoas?
O papel da Igreja é sempre evangelizar, proclamar e testemunhar a palavra de Deus. E a palavra de Deus ela sempre nos conforta. Gosto muito de uma frase que dizia que na Igreja primitiva se pregava a palavra, a verdade, e as pessoas se convertiam. Hoje em dia se prega a palavra e as pessoas mudam de igreja, e não pode ser assim. Tem que se pregar a palavra e mudar de vida. Não são as esterioridades, é você, é o seu caráter. Teu encontro com Cristo tem que ser pra valer, e não simplesmente uma religião cosmética, que vive só de aparências. O papel da Igreja é chamar pra verdade, e a verdade é Cristo. E nesse encontro com a verdade termos as nossas vidas transformadas.
Falando em Sínodo Pan-Amazônico, um dos assuntos que estará em pauta é a questão da autorização para padres casarem, especificamente na Amazônia, que é tão grandiosa que abre precedentes para essa discussão. Qual a sua opinião sobre o assunto?
Somos de rito latino, onde existe o celibato obrigatório, mas existem os católicos de rito oriental, onde o casamento do clero é facultativo, como os de rito armênio, eslavos e bizantinos, que são ritos diferentes do romano e dos quais têm a permissão pros padres serem celibatários ou casados. Então, não é uma novidade para a Igreja Católica ter padres casados. Dar essa ideia, eu acho que não foge em nada aquilo que é próprio à própria vivência da Igreja Católica que tem mais de 2 mil anos. Não é algo inusitado, já existe. Agora é claro que, se é no rito romano, aí naturalmente por isso o Sínodo, para se conversar, se debater, para ver como adaptar essa possibilidade do casamento dentro do rito romano, onde não é permitido.
Mas o senhor é favorável ao casamento de padres?
Sou favorável, meu irmão, sobretudo na proposta que eu vi, com anciãos, pessoas provectas, catequistas às vezes antigos das comunidades, indígenas também. Claro que isso é uma conversa que só o Sínodo vai responder. Mas sou favorável, em certas situações, porque eu já fiz experiências no rio Negro. Conheço as comunidades de Maturacá, de Santa Izabel do Rio Negro, de São Gabriel da Cachoeira, em ramais de cachoeira, e eu sei que às vezes, mal, mal, o padre passa uma vez por ano para a desobriga. Aí faz por atacado casamentos, batizados, faz tudo. E aí o pessoal não tem a Eucaristia, só o culto da palavra. Para determinadas situações eu sou favorável.
Ministrar na região amazônica sempre é um desafio, não é mesmo? Mas mais especificamente pelo quê?
Pelas distâncias, que são colossais. E sobretudo pelas dificuldades. Você veja: ir daqui pra São Gabriel da Cachoeira, onde temos missões salesianas, você pega às vezes quatro dias de barco. De avião é cara a passagem, quer dizer, e o nosso povo, como fica? E tem as outras distâncias, por exemplo: temos uma missão lá em Marauiá, subindo Santa Izabel. Tem que sair, puxar um barco, voadeira, sair de cachoeira em cima de cachoeira distâncias são muito complicadas. E tendo um ministro nas próprias comunidades é outra coisa.
O senhor pensa retornar um dia para Manaus?
Ah, sim. Eu sempre estou aberto. Como missionário nós vamos aprendendo e amadurecendo, sabendo que Deus sempre nos coloca onde o povo sempre precisa. Sou amazonense, manauara, minha família é daqui e eu volto sempre. Não tenho agora um trabalho fixo aqui, mas estou sempre voltando a Manaus, venho frequentemente, dou palestras, celebro, participo de missas, quando o pessoal me convida. Então Manaus está sempre presente no meu coração.
Padre, qual a mensagem que o senhor deixa para os fieis amazonenses, para a comunidade católica do Estado do Amazonas?
A mensagem que eu deixo é de caminhar sempre pela fé e não pelo medo. Muitas vezes nós sentimos o medo tomar conta do nosso coração, os problemas, as dificuldades, as crises mundiais e locais que vão assolando, e às vezes temos a tendência de não acreditar no futuro. Deixo a mensagem da ressurreição, é sempre essa que eu gosto de dar. Jesus está vivo e porque ele vive eu, você e todos nós podemos crer no amanhã. E São José é esse exemplo, pois ele passou por momentos de crise muito séria, no qual descobriu a sua noiva grávida e ele não sabia como resolver isso, e em silêncio se consagra a Deus e diz: “Seja feita a sua vontade!”. A vontade de Deus, que em sonho avisa que o fruto é exatamente a geração do Espírito Santo que vai ser Jesus, que está no ventre de Maria. Por isso que São José é esse exemplo de pessoa que se consagra, deixa Deus estar no comando.