ESTIAGEM SEVERA

O lago desapareceu, menos a esperança

Moradores do Lago do Aleixo perderam a fonte de renda e calculam os prejuízos gerados pela descida das águas

Lucas Motta
online@acritica.com
15/09/2024 às 07:51.
Atualizado em 15/09/2024 às 07:53

Rogério Silva comprou flutuante e dez canoas, mas o lago secou (Foto: Junio Matos/A CRÍTICA)

O cenário de escassez provocado pela vazante do rio Negro se intensificou durante o início da semana no Lago do Aleixo, na zona Leste de Manaus. Os moradores da região perderam a fonte de renda e calculam os prejuízos gerados pela descida das águas, onde a tendência é piorar a cada dia. 

Quem passa pela orla, localizada no bairro Colônia Antônio, confunde o que antes era um grande lago, e hoje parece mais com um córrego, de tão intenso o nível da vazante. O contraste maior fica para as embarcações como canoas ou as casas flutuantes que estão encalhadas no barro seco e rachado pelo sol. 

Onde antes era um belíssimo lago, hoje se vê lama e terra seca (Foto: Junio Matos/A CRÍTICA)

Em uma dessas moradias vive o senhor Miguel Gomes, de 73 anos. Ele passa a maior parte do dia sentado, observando o lago ficar cada vez menor e desaparecendo a cada dia. A descida do nível da água também fez cair o rendimento dele, no pequeno comércio que abriu em casa, que não  vê clientes há cerca de um mês. Sem trabalho e sem familiares por perto, o idoso busca o que tem ao redor para sobreviver. 

Sem trabalho e familiares por perto, Miguel Gomes busca o que tem ao redor para sobreviver (Foto: Junio Matos/A CRÍTICA)

“Com o que eu ganho não dá pra estocar comida, não. Daí, a gente, aqui e acolá pega um peixinho e vai vivendo até chegar o dia da gente trabalhar de novo com alguma coisinha pra vender” comentou Miguel

No   ano passado, a intensidade da, até então, pior vazante registrada no Amazonas fez com que Miguel perfurasse uma cacimba em frente da casa. É  com a água de lá que ele toma banho, lava louças e roupa com a ajuda de uma bomba. 

'Com o que eu ganho não dá pra estocar comida, não. Daí, a gente, aqui e acolá pega um peixinho e vai vivendo até chegar o dia da gente trabalhar de novo com alguma coisinha pra vender' - Miguel Gomes, 73, Morador de casa flutuante (Foto: Junio Matos/A CRÍTICA)

O poço também ajuda outros moradores. Na região vivem atualmente seis famílias em flutuantes ao longo do lago e um dos mais novos da vizinhança é o senhor Rogério Silva, 55 anos, que se mudou há cinco meses para o local. 

Ele investiu R$ 30 mil para comprar o flutuante e ganhar uma renda com o aluguel de canoas, mas não deu tempo de ver o retorno do investimento. E o que ele viu foi o rio secar cada vez mais.

“Vendi minha casa pra comprar o flutuante e fazer um dinheiro. Aí tem dez canoas pra alugar, tá tudo parado porque o rio tá seco e não passa nada. Essa é a minha fonte de renda, então não tenho condições de investir em outra coisa”, lamentou  Rogério. 

A esperança é esperar a temporada de cheia voltar, mas assim que o lago começar a encher os moradores vão ter que enfrentar os prejuízos nas estruturas das embarcações. O flutuante do Rogério passa por uma pequena reforma em uma das laterais. 

Ele mesmo é o responsável pelo serviço, que avança lentamente por causa da falta de dinheiro para comprar mais materiais. A preocupação do autônomo, na verdade, é com as canoas. Expostas ao sol e encalhadas, não há madeira que suporte. 

“Eu já fiz a conta aqui de umas oito que eu vou ter que reformar. O preço varia de caso pra caso, né? Mas vamos botar aí uma média de duzentos reais por cada uma delas” explicou Rogério.

Com a vazante do rio Negro, muitas casas-flutuantes ficam encalhadas (Foto: Junio Matos/A CRÍTICA)

Difícil situação

 A situação do Miguel já é um pouco mais complicada, o flutuante onde ele vive perdeu três “vigas” de sustentação. Elas ficam debaixo da casa e são responsáveis pela base de toda a estrutura. Para comprar novas ele estima ter que desembolsar R$ 1.500, fora a mão de obra que deverá ser contratada para realizar a manutenção. 

“Eu não tenho ideia de quanto vou conseguir comprar porque a minha situação é essa aqui que você tá vendo, não tive dinheiro hoje nem pra comprar um pão” disse Miguel rindo da situação.

Cota do rio Negro

Pilastras de sustentação da ponte sobre o rio Negro visíveis com o baixo nível do rio (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

O rio Negro baixou 22 centímetros nessa sexta-feira,  conforme atualização do Porto de Manaus, chegando à cota de 16,75 metros. Em 2023, nesse mesmo dia, o rio havia vazado 28 centímetros, com a cota de 20,91 metros.

Na quarta-feira (11), a Prefeitura de Manaus decretou, por 180 dias, situação de emergência através do Decreto nº 5.983,  publicado no Diário Oficial do Município. Com a decisão, a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social pode adotar as medidas necessárias ao mapeamento dos riscos e à diminuição dos efeitos decorrentes da estiagem.

Entre as ações previstas estão: planejar, organizar, coordenar e controlar medidas a serem empregadas durante a situação de anormalidade; articular-se com as esferas federal e estadual a fim de combater a emergência; propor a contratação temporária de profissionais, aquisição de bens, materiais e contratação de serviços necessários à atuação.

Na próxima segunda-feira (16), o município vai iniciar a primeira fase da operação Estiagem, com a distribuição de cestas básicas e kits para as famílias das comunidades dos rios Negro e Amazonas. No total, são mais de 7,7 mil famílias, o que corresponde a cerca de 25 mil pessoas de 93 comunidades ribeirinhas da capital.

Em um primeiro momento, 43 comunidades do rio Negro, entre o Tarumã Mirim e o Apuaú, vão receber a distribuição de mantimentos e kits de higiene. No total, serão encaminhados para essas comunidades mais de 14 mil cestas básicas, 500 mil garrafas de água de 2 litros, 39 mil litros de gasolina e 46 mil litros de diesel.

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