SANEAMENTO MUDA VIDAS

O grito por águas limpas: a luta de Manaus por um meio ambiente saudável

Com o desafio de expandir a cobertura de esgoto, buscando transformar seus igarapés e melhorar a qualidade de vida da população, a concessionária Águas de Manaus visa ampliar a cobertura de esgoto em pelo menos 7% até o ano que vem e 22% até 2027

Emile de Souza
online@acritica.com
14/10/2024 às 10:37.
Atualizado em 14/10/2024 às 10:37

No Parque das Tribos, a água encanada e o acesso ao esgoto já é uma realidade (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Apesar de apresentar o direito à água tratada de forma universalizada, Manaus ainda enfrenta resistência ao esgotamento adequado, aponta Águas de Manaus. A concessionária pretende chegar a 38% de cobertura até o final de 2025 e alcançar 60% em 2027, sendo 31% a cobertura atual.

“Um dos nossos sonhos é voltar a ter os nossos igarapés limpos. É um sonho do manauara poder voltar aos banhos que existiam aqui, em vários lugares de Manaus, que hoje são impróprios. E esse dado, às vezes, a gente nem acredita, mas temos o exemplo das Olimpíadas (Paris), onde o Rio Sena já era considerado perdido, sem vida aquática, e, apesar dos problemas, está sendo recuperado”, disse Semy Ferraz, gerente de Responsabilidade Social da concessionária.

Para a concretização do sonho, no entanto, há algumas barreiras que precisam ser quebradas. Segundo Semy Ferraz,  a população aceita facilmente o fornecimento de água tratada, mas o esgotamento enfrenta resistência, pois requer mudanças estruturais e culturais.

Crianças do Parque das Tribos se divertem com água tratada, um recurso que traz mais saúde e alegria para a comunidade (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

“Com a água tratada, a população não tem resistência. É um serviço que a gente vai nas comunidades e oferece, e todos querem ter. Mas quando se trata do esgotamento adequado, é mais difícil, porque precisa mudar toda a estrutura e não despejar mais direto nos igarapés”, relata Ferraz.

O Instituto Trata Brasil aponta que Manaus tem mais de 98% de cobertura de água tratada, enquanto no esgotamento, a capital está com 31%. Semy Ferraz informou que, apesar de desafiador, levar esgotamento é satisfatório.

“O que mais é transformador é o acesso ao esgoto tratado, porque o esgoto a céu aberto atrai insetos que pousam nele e depois vão parar no copo. Às vezes, na hora de beber água ou comer um alimento, você acaba trazendo um processo de contaminação. O saneamento adequado é essencial para garantir a saúde pública e preservar o meio ambiente.”

Modelo de bom resultado

Um dos trabalhos que a concessionária tem realizado é atender rip-raps e levar esgotamento adequado, como no Beco Nonato, localizado no bairro Cachoeirinha, que se tornou um modelo de recuperação com 1.000 redes coletadas. Segundo Semy Ferraz, isso reduziu a quantidade de dejetos, melhorando a oxigenação da água.

“Antes, havia um cheiro muito forte, e agora já aparecem alguns peixinhos. A população reclamava muito do forte odor, mas agora não temos mais reclamações”, apontou Semy.

Para a médica infectologista Fabiane Borges, garantir esses direitos à população é uma questão de saúde.

“A água tratada tem grande impacto na redução de doenças, e o saneamento básico diminui consideravelmente as chances de a água contaminada por micro-organismos nocivos ser consumida pela população”, ressaltou.

Algumas das principais doenças transmitidas por água contaminada, segundo a infectologista, são gastroenterites, amebíase, giardíase, criptosporidiose, febre tifoide e paratifoide, hepatite infecciosa e cólera, problemas que são comuns em regiões sem esgotamento adequado.

“Em casos de surtos, a investigação dessas doenças deve contar com a participação da equipe de vigilância da qualidade da água para consumo humano”, destacou a infectologista.

Alívio

Apesar da universalização da água, algumas pessoas, especialmente as de áreas periféricas, tiveram esse acesso apenas recentemente, assim como o esgoto. Para o cacique Ismael Munduruku, do Parque das Tribos, uma comunidade indígena localizada no bairro Tarumã Açu, em Manaus, passar pela pandemia, que começou em 2020, com água tratada foi “uma bênção”.

“A gente estava preocupado porque não tinha água encanada, né? Mas antes que a Covid se alastrasse por Manaus, a água já estava ligada aqui na comunidade. Então, deu para ter água durante a pandemia e não precisar buscar mais longe”, contou o cacique.

Ismael Munduruku é cacique na comunidade indígena Parque das Tribos. Ele conversou com A CRÍTICA sobre a diferença que o saneamento fez para a comunidade durante a pandemia (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Ismael Munduruku relatou que, antes de ter acesso à água, doenças causadas por contaminação eram mais frequentes.

“A água tinha um gosto muito ruim, uma cor muito ruim. A gente se sujeitava a usar o que tinha, e as crianças ficavam doentes por causa disso. Agora, pode andar por aqui e vai ver curumins dentro das caixas d’água e baldes. Porque é algo muito da nossa cultura gostar de água, gostar de tomar banho e ter contato com o rio”, disse o cacique.

Kananciuê: Deusa água 

Para os moradores do Parque das Tribos, a água não é apenas um recurso básico; ela é chamada de Kananciuê, mãe e deusa.

“Nós temos uma relação espiritual com a água. Fazemos trabalhos ritualísticos da cultura indígena que precisam de água boa, não pode ser qualquer lugar, nem qualquer água. Temos uma relação muito grande, porque somos povos de beira de rios, e ela traz segurança e vida para a aldeia”, afirmou o Ismael Munduruku.

Ismael destacou que, para os indígenas, a água tem uma forma própria, e não se pode mexer nas margens do rio, arrancar coisas ou retirar o que está no fundo do rio, pois ela exerce um papel espiritual e vital para eles.

Cacique Ismael Munduruku, do Parque das Tribos (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

"Temos uma relação espiritual com a água" - Ismael Munduruku

A moradora Dina Silva Batista, do povo Baniwa, natural de São Gabriel da Cachoeira, relatou que teve muita dificuldade de se adaptar a Manaus, por estar longe do seu povo, da natureza e do rio, mas se sente grata por ter recebido água em sua casa, pois antes precisava retirar “na bica”, um olho d'água a 3 km de sua residência no Parque das Tribos.

“Eu vim para Manaus porque meu filho tem leucemia e precisava de tratamento. Lá, era mais difícil o tratamento. Ele faz tratamento em São Paulo, e agora vivemos melhor, porque antes eu tinha que carregar água da bica até em casa. Era muito difícil”, relatou.

Dina Silva Batista, do povo Baniwa, celebra o acesso à água tratada no Parque das Tribos, destacando o impacto positivo na saúde de sua família (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

A indígena afirmou que até no tratamento do filho a água faz diferença, para evitar adoecimentos e maior esforço para obtê-la.

“Nós vivemos aqui e melhorou muito por não precisar carregar mais água. Gostamos daqui e também sentimos falta das coisas de lá.”

Dina Batista aproveita o acesso à água tratada em sua casa no Parque das Tribos (Fotos: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Um dos filhos de Dina, Paulo Paulino, mostrou um pouco da comunidade e como a seca severa tirou o único lazer mais acessível, o banho de rio no Tarumã.

“Secou tudo. Do jeito que tá, não dá para tomar banho, e ali ainda está tudo queimado. Queimaram, e, quando tá cheio, a gente nada até o outro lado, onde botaram fogo”, disse o jovem.

Paulo afirmou que sente falta das praias de São Gabriel, que eram “mais fáceis”, pois “tinha muita praia bonita, com areia de verdade”. Mas prefere estar com a mãe em Manaus por questões familiares, embora um dia gostaria de voltar para o interior com sua família.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2024Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por