Vazante do Rio Negro

O drama do isolamento na estiagem: população ribeirinha de Manaus luta pela sobrevivência

Centenas de famílias da comunidade Nossa Senhora do Livramento enfrentam dificuldade até para as necessidades básicas

Lucas Vasconcelos
online@acritica.com
07/10/2023 às 12:20.
Atualizado em 07/10/2023 às 13:03

Ribeirinhos das comunidades do Tarumã-Mirim realizam longos percursos para conseguir comida (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

O risco de desabastecimento por conta da seca extrema já afeta mais de 350 famílias da comunidade Nossa Senhora do Livramento, localizada às margens do igarapé do Tarumã-Mirim, que desagua no rio Negro, na zona Rural de Manaus.

Até essa sexta-feira (6), a capital amazonense registrou a 9ª maior seca da história com a cota de 14,79 metros. Vale ressaltar que faltam apenas 4 centímetros para bater a 8ª maior seca registrada pelo porto de Manaus.

A equipe de reportagem de A CRÍTICA visitou os moradores da comunidade essa semana e conheceu de perto a dura realidade que a população ribeirinha enfrenta para garantir o acesso a necessidades básicas, como alimentação, água potável, educação e saúde.

Um dos principais desafios enfrentados pela comunidade é a escassez de alimentos, especialmente pela população idosa, que depende desses recursos para sua sobrevivência e bem-estar.

Anacá Miranha, líder indígena do Grupo da Terceira Idade da Comunidade do Livramento (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

De acordo com a artesã indígena Anacá Miranha, moradora da comunidade desde 1992 e líder do Grupo da Terceira Idade, os idosos sofrem com a falta de alimentos.

“É muito difícil para nós, da terceira idade, se alimentar. Eu moro sozinha aqui, assim como outros idosos. Essa semana mesmo meu filho veio me trazer um pedaço de carne. Meu filho que mora em Manaus que vem trazer comida para mim porque é muito dificultoso eu sair daqui para comprar comida na cidade. E é dessa forma que a gente vai se aguentando”, declarou a líder indígena.

O trajeto da comunidade para a zona urbana de Manaus ficou mais difícil e ainda mais caro. Segundo a aposentada Valda Tikuna é preciso desembolsar R$ 26 por pessoa para conse guir atravessar o rio e fazer as compras de casa.

Trajeto longo e caro

A aposentada Valda Tikuna defende a isenção da cobrança da passagem de barco para idosos (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

Uma das reivindicações do movimento indígena da comunidade Nossa Senhora do Livramento, segundo a aposentada indí gena Valda Tikuna, é a isenção do valor da passagem ou pelo menos a redução pela metade em períodos de grande seca como neste ano.

“Nós precisamos de assistência. Baixar o preço da passagem. Precisamos de passagens gratuitas para os idosos. Pagamos R$ 3 para sair daqui para a comunidade do outro lado [comunidade Nossa Senhora de Fátima] e mais R$ 10 para poder ir para Marina do Davi, em Manaus. Isso é só a ida para uma pessoa. Se nos ônibus tem gratuidade para os idosos, por que nas lanchas não pode ter? Ou pelo menos diminuir para pagarmos a metade do valor”, ressaltou Tikuna.

Luta por assistência

Diante desses desafios, um grupo da terceira idade da comunidade Nossa Senhora do Livra-mento tem se mobilizado para lutar por seus direitos e buscar soluções. Durante a entrevista, Anacá Miranha se emocionou ao relembrar da luta que ela e o falecido esposo travaram para conseguir assistência à população da comunidade.

“Nós tínhamos 60 pessoas no movimento dos idosos. Mas muitos já morreram, inclusive meu esposo, faz quatro meses que ele faleceu. Ele era violinista. Ele tocava no grupo. Me faz muita falta. Mas estou aqui. Cinquenta e sete anos de vida e estou aqui com fé e com coragem. Estou na luta da terceira idade”, pontuou Anacá Miranha.

A equipe de reportagem de A CRÍTICA acompanhou de perto os desafios enfrentados pelos ribeirinhos para conseguir comida, água e ter acesso a serviços básicos como saúde e educação (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

O grupo de indígenas têm se dedicado a sensibilizar as autoridades e a sociedade em geral sobre a situação enfrentada pelos idosos afetados pela seca histórica. Um projeto que pode reduzir os impactos causados pela seca é a criação de um centro de convivência para os idosos.

Poços sem água e insegurança no trajeto

As irmãs indígenas Tainara e Raimara Baré, reclamam da falta de acesso à água potável na comunidade. De acordo com as jovens indígenas, muitos poços não tem mais água para beber.

"Esse ano a seca está sendo muito severa. Está sendo muito difícil para gente trazer comida, fazer a logística de ir para Manaus e voltar. Nossos poços que temos lá em cima, não estão funcionando. Alguns poços estão secando devido à descida da água. E outra dificuldade é que nessa época do ano causa muita doença que vem da água", destacaram.

As irmãs indígenas Tainara e Raimara relatam as dificuldades de acesso à água potável e a insegurança no trajeto dos rios no período da seca extrema (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

O relato das irmãs também é sobre a insegurança no trajeto fluvial durante a seca. Segundo a Raimara, que tem uma irmã especial, a lancha em que ela estava encalhou durante o translado entre as comunidades altas horas da noite.

"Pega um barquinho daqui e vai para o outro lado e ainda encalha. Tenho uma irmã especial, quando chegou ali no meio do rio, a lancha encalhou e tivemos que levantar para o motor do rio voltar a funcionar. Imagina você nessa situação no escuro da noite. É perigoso", relatou Raimara Baré.

Auxílio humanitário

Para amenizar os impactos da vazante histórica nas comunidades ribeirinhas, a Prefeitura de Manaus realizou na última quarta-feira (4), uma força-tarefa para levar ajuda humanitária aos mais afetados. A entrega dos itens para nove comunidades do Polo Tarumã, incluindo a Comunidade do Livramento, aconteceu na comunidade Nossa Senhora de Fátima.

Maria Izete andou por 2 horas para conseguir receber a cesta básica doada pela prefeitura de Manaus (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

Na ação, quase mil famílias foram beneficiadas com alimentos, kits de higiene e água potável. Para acessar essas comunidades mais distantes neste período é necessário enfrentar muitas dificuldades em um longo percurso de estrada, lama em áreas que antes eram tomadas pelos rios, e águas extremamente baixas, com alguns locais chegando a apenas 20 centímetros de altura.

Perfuração de poços

Além da ajuda humanitária com alimentos e kits de higiene, a Prefeitura de Manaus vai perfurar poços em comunidades que estão sem água potável, como explica o titular da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro, Mercado e Comércio Informal (Semacc), Wanderson Costa.

A seca extrema dificulta ainda mais o acesso aos serviços básicos (Foto: Paulo Bindá/A CRÍTICA)

“O prefeito David Almeida já orientou e o secretário de Obras, Renato Junior, prontamente já se mobilizou e a equipe de perfuração já está aqui no local. Realizamos o mapeamento e vamos atender as comunidades que estão em situação mais crítica em relação à falta de água. Fizemos um mapeamento de aproximadamente 17 comunidades que estão sofrendo por não ter nenhuma intervenção de poços. Serão 30 poços no total feitos junto com a Defesa Civil e a Seminf”, contou o secretário.

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