TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO

Mesa não é legítima sem os indígenas, afirma Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

Após deixar a audiência de conciliação no STF sobre o marco temporal organização indígena disse que vai procurar auxílio internacional

Waldick Júnior e Agência Brasil
waldick@acritica.com
14/09/2024 às 07:48.
Atualizado em 14/09/2024 às 07:48

Na segunda-feira, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu manter os trabalhos da audiência de conciliação que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas (Gustavo Moreno/STF)

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já planeja acionar organismos internacionais para pressionar contra a mesa de conciliação aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir um limite temporal para a demarcação de terras indígenas. A Apib é a principal organização dos povos originários do país.

“A continuidade da mesa, mesmo após a saída da Apib, é vista com grande preocupação”, afirma o coordenador-executivo da entidade, Dinaman Tuxaua.

“Vamos buscar outras formas de garantia dos direitos dos povos indígenas e uma delas, sem dúvidas, é buscar os mecanismos internacionais para que intercedam junto à Suprema Corte, ao governo brasileiro, aos três poderes para garantir a manutenção dos direitos constitucionais dos povos indígenas”, afirmou.

Principal organização dos povos indígenas do Brasil diz que vai procurar auxílio internacional na luta contra o marco temporal. A Apib deixou a mesa de conciliação aberta pelo STF. Na segunda, o ministro Gilmar Mendes deu continuidade aos trabalhos (Foto: Divulgação)

Em 2021, quando o Supremo ainda discutia em plenário a constitucionalidade do marco temporal, o movimento indígena brasileiro recebeu forte apoio internacional. Dentre as manifestações favoráveis, estavam a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), organismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), e da Relatoria Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

Estopim

Embora a própria criação da mesa já tenha sido criticada desde o início, o estopim para a saída dos indígenas foi a negativa do pedido para suspender os efeitos da Lei 14.701/2023 (marco temporal). O objetivo era reduzir os conflitos no campo já impulsionados pela nova legislação.

“Esse pedido para suspender a Lei não foi atendido. E essa escolha de seguir com a mesa sem a presença indígena vai fazer com que qualquer decisão que seja tomada não tenha legitimidade porque, quem está lá, seja governo, seja representante do Estado ou dos membros dos três poderes, não tem legitimidade para falar em nome dos povos indígenas”, ressaltou Dinaman Tuxaua.

Diálogo mantido

Dinaman Tuxaua disse que a Apib manterá o diálogo e o respeito pelo STF, mas não irá retirar a posição de não integrar a mesa. Além disso, ele afirmou que a entidade fará reuniões individuais com os 11 ministros para explicar o motivo da saída.

“Buscaremos também apoio da sociedade civil para demonstrar que os direitos dos povos indígenas são direitos fundamentais. Não só já estão assegurados no texto constitucional, mas são direitos fundamentais, cláusulas pétreas que não podem entrar em qualquer debate de negociação, ainda mais sobre uma matéria já decidida pela Suprema Corte, como o marco temporal”, enfatizou a liderança da Apib.

STF x Congresso

Em setembro do ano passado, o STF decidiu, por nove votos a dois, que o marco temporal é inconstitucional. Meses depois, em dezembro, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023, que validou a tese - uma resposta política em meio a embates de poder com a Corte.

“Vamos buscar outras formas de garantia dos direitos dos povos indígenas e uma delas, sem dúvida, é buscar os mecanismos internacionais para que intercedam junto à Suprema Corte” - Dinaman Tuxaua, coordenador da Apib.

Destaque

A próxima reunião está prevista para o dia 23 de novembro. Após a APIB, o partido Rede Sustentabilidade também se tirou da mesa. Atualmente, o espaço é composto por membros do Congresso Nacional, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, partidos políticos, Defensoria Pública, agronegócio, Funai e Ministério dos Povos Indígenas.

Quatro ações

O ministro Gilmar Mendes, do STF, foi designado relator de quatro ações que questionam a legalidade da nova lei e uma quinta que pede a declaração de inconstitucionalidade. É no contexto destas ações que o magistrado optou por abrir a mesa de conciliação. No último dia 28 de agosto, a APIB, que já criticava o espaço considerado desfavorável para os indígenas, deixou a mesa. Gilmar Mendes manteve os trabalhos mesmo assim.

Ministro manteve os trabalhos

Na segunda-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu  manter os trabalhos da audiência de conciliação que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Segundo o ministro, as audiências vão continuar mesmo sem presença dos representantes da Apib, principal entidade que atua na defesa dos indígenas.

Gilmar Mendes disse que nenhuma parte envolvida na discussão pode paralisar o andamento dos trabalhos.

"Nenhum dos integrantes desta comissão especial tem o poder de paralisar as negociações, e os trabalhos prosseguirão com quem estiver à mesa, independente de serem ou não representativos dos direitos dos indígenas ou não indígenas."

O ministro também disse que espera que os indígenas retornem à mesa de negociações com os demais membros da comissão.

"Em atitude de consideração aos ausentes, nesta tarde haverá apenas debates jurídicos, até que representantes indicados pela Apib retornem ao diálogo ou, em caso de manutenção do desinteresse destes por reunirem-se neste espaço democrático e participativo, sejam substituídos os cinco representantes indígenas, cuja indicação pela Apib foi uma deferência desta relatoria ao pedido da própria associação", completou.

Tese é defendida pelo agro e contestada por indígenas

No Câmara, deputadas protestaram contra o projeto do marco temporal que foi aprovado (Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

O marco temporal é uma tese jurídica que define que os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que estivessem sob sua posse ou disputa até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. 

Defensores da tese, como o agronegócio, argumentam que ela traria ‘segurança jurídica’ e ‘evitaria’ conflitos fundiários ao limitar novas reivindicações. Já críticos, incluindo organizações indígenas e ambientalistas, afirmam que a tese ignora o histórico de expulsão e violência sofrido pelos indígenas antes de 1988, ameaçando seus direitos constitucionais e a proteção de seus territórios tradicionais.

Um estudo divulgado em 2023 pelo Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam) e Coiab apontou que 34% das 44 terras indígenas com presença confirmada de povos indígenas isolados ainda não tiveram seus processos de regularização fundiária concluídos. 

Na Funai, há o registro de 784 terras indígenas cuja soma representa 13,84% do território brasileiro. Do total de territórios, 449 estão regularizadas. Todas as outras aguardam estudos, delimitação, declaração ou homologação (diferentes fases do processo demarcatório). Das pendências, há 12 que atualmente só dependem da homologação da Presidência da República.

Em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou a política de demarcação de terras indígenas abandonada no governo Bolsonaro, quando nenhum território foi reconhecido em quatro anos de governo. No ano passado, foram oito terras homologadas. Em 2024, duas terras.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2024Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por