Menos de um ano após a retirada de invasores que desmataram 57 hectares da APA Tarumã, vendas ilegais de lotes são retomadas, agora pelo proprietário
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Lotes de terra estão sendo comercializados ilegalmente a até R$ 14,2 mil na área onde ficava a invasão Cidade das Luzes, no bairro Tarumã, Zona Oeste. O valor é parcelado em até 11 anos. A negociação vem sendo feita por um suposto proprietário do terreno. A acusação é do titular da Defensoria Especializada de Atendimento de Interesses Coletivos, Carlos Alberto Almeida Filho, que desde a semana passada vem recebendo denúncias sobre o crime. Na última quarta-feira (30), a CRÍTICA visitou a área e constatou a veracidade da informação.
Desocupada durante uma grande operação em 11 de dezembro de 2015, a área da Cidade das Luzes, como ficou conhecida a invasão, voltou a ser invadida. Mas agora, segundo os ocupantes, “de forma legalizada”, visto que os lotes são vendidos pelo próprio proprietário do terreno. Os compradores afirmaram que recebem recibo de compra e venda reconhecido em cartório. Para o defensor público Carlos Alberto, trata-se de um “estelionatário que está tentando se capitalizar através da desgraça alheia”.
“De acordo com as denúncias que chegaram até nós, o empresário, que se identifica como Hélio de Carli, cobra R$ 1 mil de entrada por cada lote e parcela o restante em parcelas de R$ 100 por mês, durante 11 anos. Mais de dez pessoas nos procuraram para denunciar esta prática ilegal que está acontecendo na Cidade das Luzes. Recebemos a informação por depoimento, foto e vídeo, os quais mostram este senhor, se dizendo proprietário da área, negociando os terrenos”, afirmou Carlos Alberto.
O defensor público ressaltou que, mesmo se o empresário for o dono do terreno, ele não pode comercializar lotes sem autorização do município. “Para todo e qualquer loteamento é obrigatório que haja autorização para este fim, que é emitida pelo Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano), e não há nenhuma autorização desta natureza para aquela área. Este cara está violando a lei. É um estelionatário”, frisou Carlos Alberto.
Compromissos
Para ele, isso “tudo é um absurdo”, uma vez que as famílias retiradas da Cidade das Luzes não receberam assistência do Governo do Estado e da Prefeitura de Manaus. “As famílias foram expulsas do local, que ficou de ser recuperado pelos órgãos públicos responsáveis pela desocupação, e agora me aparece o suposto proprietário vendendo lotes na mesma área. Vamos tomar medidas civis e criminais cabíveis contra isso”, declarou.
Ainda segundo ele, os órgãos públicos não cumpriram o compromisso de recuperar a área, devastada pelos invasores. Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), aproximadamente 57 hectares de área verde foram devastados e o igarapé da Anaconda, que recebe os dejetos e a poluição proveninente da invasão, foi contaminado. Ele deságua no igarapé do Tarumã, afluente do Rio Negro.
Carlos Alberto destacou que a Defensoria Pública do Estado (DPE-AM) move duas ações na Justiça. Uma delas é uma ação civil pública que pede moradia para as famílias carentes retiradas da invasão Cidade das Luzes, no ano passado.
Comércio de lotes é irregular
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) informou que a área da antiga ocupação Cidade das Luzes é de responsabilidade do proprietário e que qualquer tipo de projeto de loteamento deve ser submetido à avaliação e aprovação dos órgãos responsáveis pela emissão de alvarás e licenças obrigatórias. Conforme a pasta, os estudos de viabilidade para o “possível reflorestamento” da área ainda estão sendo desenvolvidos.
O Instituto Municipal de Planejamento Urbano (Implurb), por sua vez, informou que não recebeu pedido de loteamento regular nem tem processo em tramitação no seu sistema sobre a área da Cidade das Luzes. Conforme o órgão, não havendo loteamento aprovado para o local, o suposto vendedor estaria comercializando lotes irregularmente, estimulando novamente a invasão numa área que já foi alvo de grandes operações coordenadas pelo Governo do Estado, com a atuação da Prefeitura de Manaus e seus diversos órgãos.
Medidas em breve
O coordenador de ações do Grupo Integrado de Prevenção às Invasões em Áreas Públicas (Gipiap), Adriano Augusto, disse que semanalmente recebe novas denúncias sobre invasões na área da Cidade das Luzes. Conforme ele, providências serão tomadas em breve. “A área está sendo monitorada e um plano de ação está sendo elaborado para a realização de uma nova ação no local”, garantiu.
Blog: Adalberto Carim, juiz corregedor auxiliar
“Soube que está voltando, paulatinamente, a ocupação na antiga Cidade das Luzes. Nós não podemos fazer nada enquanto não formos provocados pelo Ministério Público, secretarias de Meio Ambiente ou Procuradorias Gerais. Mas a liminar concedida por mim no ano passado para a desocupação da Cidade das Luzes está valendo. A qualquer momento o Gipiap pode desocupar a área, eu não tenho dúvidas disso. O que está acontecendo na Cidade das Luzes é extremamente grave e é crime. É incumbência do poder público coibir essa prática criminosa, mas também da população se conscientizar para não incentivar as invasões”.