Denúncia ocorreu após revelação de esquema durante a CPI da Saúde em 2020
O ex-secretário executivo de Saúde do interior Edivaldo da Silva e a ex-secretária executiva de Saúde, Maria Belém, ambos durante depoimentos da CPI da Saúde (Fotos: Reprodução/ALE-AM)
A Justiça do Amazonas condenou Edivaldo da Silva e Maria Belém Martins Cavalcante por desvio de dinheiro público por meio de pagamentos indenizatórios à empresa Norte Comercial Distribuidora de Medicamentos. Segundo a denúncia do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), os pagamentos ocorreram em 2017 para serviços cobrados com sobrepreço ou não foram realizados. O caso foi revelado durante investigações da comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Saúde em 2020.
Na sentença assinada pelo juiz Reyson de Souza e Silva, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Manaus, os dois ex-membros da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) são acusados de deixar de “observar formalidades pertinentes ao procedimento de licitação, bem como concorrem para o desvio de dinheiro público, beneficiando indevidamente os réus Carlos Henrique Alecrim John, Frank Andrey Gomes de Abreu, Crisélida Bezerra de Moraes e Nayla Theresa Moraes da Silva”, todos ligados à Norte Comercial.
Enquanto Edivaldo da Silva e Maria Belém Cavalcante foram condenados, os demais envolvidos foram absolvidos por insuficiência de provas. O juiz escreve que os ex-membros da Saúde do Amazonas “foram responsáveis pelo processo administrativo que culminou na transferência dos vultuosos valores à empresa Norte Comercial LTDA, fato que não foi negado em nenhum momento, sendo que, ambos, por sua vez, em tese de defesa, limitam-se a afastar sua responsabilidade, atribuindo o erro do procedimento a falhas de caráter burocrático”.
Na sentença, Edivaldo foi condenado a cinco anos e três meses de reclusão em regime semiaberto e multa de 60 salários mínimos históricos, sem direito à substituição ou suspensão da pena e suspensão de direitos políticos e pagamento de custas. Já Maria Belém Cavalcante recebeu uma pena de três anos, nove meses e 15 dias de reclusão e multa de 3,2 salários mínimos históricos em regime aberto, substituída por duas medidas restritivas. Os dois poderão recorrer em liberdade.
Denúncia
Em 2020, o MP-AM denunciou o grupo pelo desvio de ao menos R$ 868 mil da Secretaria de Saúde no ano de 2020, fato revelado em depoimentos na CPI da Saúde realizada pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM). De acordo com as investigações, as fraudes de licitação ocorriam por meio de pagamento indenizatório à empresa pela realização de 100 procedimentos de colonoscopia e conização, os quais teriam sido realizados nos municípios de Envira, Guajará e Ipixuna.
Todos os serviços eram oferecidos no barco do Programa de Atendimento Itinerário (PAI). A denúncia apontou que nove dos 100 procedimentos pagos não foram realizados, enquanto os demais ocorreram com sobrepreço. Todos foram denunciados por peculato e inobservância das formalidades exigidas para dispensa de licitação.
Defesa
Durante o interrogatório, tanto Edivaldo da Silva quanto Maria Belém Cavalcante afirmaram que as acusações eram falsas. Ele afirma que, como secretário adjunto de Interior, tinha que atestar os serviços. A defesa de Edivaldo destacou que ele é medico e não fazia parte da comissão de licitação do Amazonas.
Maria Belém Cavalcante ressaltou em seu depoimento que foi contratada em 1 de junho daquele ano e que todo o processo de licitação aconteceu antes de ser nomeada, além de ter ficado somente quatro meses como secretária-executiva da SES-AM. Segundo ela, toda licitação “demora até chegar na parte da execução” e que tinha “carinhos de supermercado com processos para assinar, e não tinha como humanamente dar conta de tanto processo”.
“Declarou que a tramitação não voltou para o seu gabinete, e simplesmente assinou porque veio ordem do Secretário de Saúde e confiava nele plenamente e tinha uma dívida de gratidão com ele, referindo-se a Wander [Rodrigues Alves]”, escreveu.
A reportagem contatou a defesa de Edivaldo da Silva, que chamou a decisão da Justiça de “contraditória”. Um dos defensores do médico, o advogado Gláucio Alencar afirmou que entrará com um recurso para “aclarar a decisão do juiz” e entrar com um pedido de apelação. Para ele, a contradição da sentença está na absolvição dos membros ligados à empresa acusada pelo MP-AM.
“Ele simplesmente absolveu todos esses réus e condenou um médico servidor público, que o único papel dele era atuar nas cirurgias. Agora, veja bem, um médico que não recebeu dinheiro algum. Ele disse na sentença, o juiz, que o réu cooperou para não observar os trâmites licitatórios. Eu te pergunto: o doutor Edivaldo é médico ou atua no setor de licitação? Então é uma contradição muito grande”, disse.
Ele relembra que o próprio Ministério Público apontou os sócios da Norte Distribuidora LTDA como o núcleo da organização criminosa, “que recebeu o dinheiro”. Ele destacou ainda que o cargo que o Edivaldo ocupou na SES-AM não envolvia licitações, que seriam geridas pela Comissão de Serviços Compartilhados (CSC), antiga Comissão Geral de Licitação (CGL).
“O magistrado condenou o médio que o único papel era atuar nas cirurgias, e ele atestou que as cirurgias foram feitas, está comprovado que foram feitas. E as empresas que foram acusadas de serem uma organização criminosa, um núcleo criminoso, que recebeu o dinheiro, ele absolveu todos. Olha só que estranha uma decisão dessa, totalmente contraditória às provas dos autos”, reiterou.
O advogado afirmou à reportagem que está protocolando uma peça ainda nesta quinta-feira (2) pedindo esclarecimentos da decisão judicial para entrar com um recurso contra a sentença. A CRÍTICA também tentou contato com Maria Belém Cavalcante e aguarda retorno.