Ao pedir desculpas pela ação, o artista plástico Otoni Mesquita afirmou estar recebendo mensagens hostis após ter utilizado técnica da arqueologia para evidenciar gravuras rupestres no Sítio das Lajes: "Estão promovendo meu linchamento moral"
O artista plástico Otoni Mesquita (Fotos: Michael Dantas/Sec/AFP)
O artista plástico amazonense Otoni Mesquita afirmou estar sofrendo diversos ataques hostis e agressões verbais e morais nas redes sociais após vídeos de uma incursão em que ele participou no Sitio Arqueológico Ponta das Lajes viralizaram após serem publicados por uma perfil no Instagram.
O artista publicou em um perfil pessoal a sua versão sobre o caso, pedindo desculpas pela incursão e explicando a técnica utilizada, segundo ele, com o devido cuidado e uso de pigmentação natural, para o evidenciamento das gravuras para registros fotográficos. Ainda conforme o artista, a pigmentação natural foi completamente removida com a própria água do rio Negro após o registro fotográfico.
Confira ao fim da reportagem a íntegra do texto de Otoni Mesquita.
Entenda o caso
O "Sitio Arqueológico Ponta das Lajes," tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), apresenta "rostos humanos" em petróglifos de aproximadamente 2 mil anos, que reapareceram pela segunda vez em 2010, com a primeira aparição em novembro daquele ano, quando foram descobertos por Walter Calheiros, pesquisador educacional, por acaso durante um temporal.
O grupo o qual Otoni fez parte divulgou um vídeo nas redes sociais mostrando a ação, que rapidamente se espalhou e gerou críticas de especialistas, artistas e lideranças indígenas. Com a repercussão negativa, as publicações foram apagadas, e um pedido de desculpas formal foi publicado.
A incursão aconteceu em um momento em que há um aumento no número de visitantes e curiosos no local. Ainda por conta da repercussão, o Iphan anunciou na quarta-feira (25) um plano emergencial, que inclui o aumento do patrulhamento da guarda civil, além de policiais do grupamento ambiental e agentes federais, com o intuito de evitar possíveis danos aos bens arqueológicos durante o período de estiagem.
O órgão afirma que, para pesquisas de campo e escavações serem realizadas no local, é necessário obter aprovação prévia por meio de um projeto arqueológico submetido ao instituto. O processo de autorização também exige que os pesquisadores forneçam planos detalhados de pesquisa e documentação, o que não aconteceu no caso de Otoni.
Gravuras encontradas em sítio arquelógico por conta da seca no Estado
"ESCLARECIMENTO AOS AMIGOS E INTERESSADOS
QUEM SOU EU
Para quem não me conhece, sou Otoni Moreira de Mesquita, nascido na beira do rio Autaz (AM), há 70 anos, e vivo em Manaus desde um ano e meio de idade. Trabalho desde os 15 anos e sempre estive afetivamente envolvido com essa cidade e suas referências. Desenho desde criança e comecei a expor em 1975, participando de mais de uma centena de exposições coletivas e mais de trinta individuais. Na minha vida acadêmica, cursei Jornalismo na Universidade do Amazonas (1976 -1979), Gravura, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e depois Mestrado em História e Crítica da Arte (1989-1992) e Doutorado em História, na Universidade Federal Fluminense (UFF) (2001-2005). Comecei a trabalhar como professor no Curso de Educação Artística, na Universidade do Amazonas e me aposentei em 2016.
Atuei como Coordenador do Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas, entre 1997 e 1998. Desde então, venho atuando em defesa do patrimônio cultural de nossa região, manifestando-me em relação a tudo que respeita as manifestações das diferentes populações. Dou um destaque às manifestações dos povos originários e tudo o que diz respeito às transformações históricas na cidade de Manaus. Escrevi a monografia “Cerâmica Tarumã”, uma história pra contar e sou autor dos livros “Manaus: história e arquitetura – 1669/1915” e “La Belle Vitrine- Manaus entre dois tempos -1890 -1900”.
O FATO
No dia 24 de outubro de 2023, estive em companhia de um grupo no Sítio das Lajes, próximo ao Encontro das Águas, para registrar as inscrições rupestres, localizadas naquele sítio arqueológico. Essas inscrições, usualmente, ficam debaixo das águas do rio Negro, mas podem aparecer no período de estiagem, e com a grande seca deste voltaram a ficar visíveis, e evidentes. Meu interesse pelo material arqueológico vem de muitos anos, não somente pela questão histórica, mas pelo valor cultural para todos nós da região, provavelmente, por se tratar de uma das mais remotas manifestações dos povos oriundos, portanto, de grande relevância para nossas referências históricas e culturais. Por isso, esse achado arqueológico tem importância não apenas para o Amazonas, como também pelo Brasil e para o mundo.
OBJETIVO
Quando da visita à Ponta das Lajes, fui munido de papeis e outros materiais para coletar a maior quantidade de registros, além das fotografias, apesar de pretender fazer um registro mais definido de uma das imagens. Para tal, recorri aos métodos aprendidos há três décadas na disciplina “Introdução à Arqueologia”, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, e na UFRJ. Também carrego comigo conhecimentos referente ao uso dos materiais em obras históricas e artísticas, a partir de uma especialização em Conservação e Restauro na IFRJ.
Considerando a raridade do fato histórico, e antevendo que se trate de uma oportunidade rara, procurei recursos técnicos para realizar o registro. Ciente de que se tratava de um procedimento que não causaria risco ou dano, nem se constituiria uma agressão ao bem artístico e cultural, eu tinha, portanto, a pretensão de ressaltar os atributos da obra primitiva. Considerava que a mesma se encontra localizada num local de penumbra dentro de uma pequenina caverna nas pedras. Por isso, procurei utilizar um método que evidenciasse o contraste das incisões que definem a face gravada no sentido parietal.
PROCEDIMENTO
O procedimento foi realizado com um pincel de pelo, aplicando caulim, uma argila natural de coloração branca. Esse é um método que era bastante aplicado em intervenções arqueológicas para ressaltar traços de incisões, quando os pesquisadores fazem registro de sítios com incisões rupestres.
O PRODUTO
O caulim é um produto que não contém qualquer substância industrial, e é inteiramente natural, sem aglutinante, ou qualquer outro produto que possa intervir e agredir a obra. Assim, o caulim foi depositado no interior das incisões do desenho e logo depois foi imediatamente retirado com a água do próprio rio negro, após eu ter feito o registro fotográfico.
CUIDADOS
Consciente de que a veiculação das imagens, sem uma explanação plausível poderiam gerar grande repercussão, combinei com a equipe que me acompanhava, que o material fotográfico e os vídeos feitos durante o registro, não seriam veiculados em redes sociais. Minha solicitação se devia ao fato de prever que a visão das imagens, sem a devida explicação técnica, poderia causar interpretações equivocadas e reações indesejadas. Infelizmente, o trato verbal foi esquecido, provavelmente, pelo desejo de compartilhar o impacto do encontro e da metodologia utilizada para ressaltar as figuras registradas na pedra.
EQUÍVOCO
Em decorrência das imagens que foram publicadas na página Manaus de Antigamente, tenho sido agredido com palavras e também tenho sido desqualificado de maneira agressiva por muitas pessoas. São pessoas que não conheço e que me enviam seus comentários hostis. Sequer me pediram qualquer esclarecimento acerca do meu procedimento e me condenaram e estão promovendo meu lixamento moral, sem qualquer diálogo ou esclarecimento.
DESCULPAS E AGRADECIMENTO
Peço, portanto, que tentem compreender o fato, a partir do ponto de vista do interesse acadêmico, pois um registro pode contribuir com futuras interpretações. Em momento algum pretendi agredir a obra, ou ferir a memória de nossa ancestralidade. Peço minhas sinceras desculpas àqueles que, por alguma razão, se sentiram ofendidos com a adoção do meu método de investigação, que está dentro dos pressupostos de formação acadêmica. Agradeço a todos aqueles que foram capazes de ouvir e compreender o fato, e reitero minha justificativa, com o presente esclarecimento.
Grato e Salve São JorgeOtoni Moreira de MesquitaManaus, 26 de outubro de 2023."