Medo e incerteza

À beira do abismo: moradores de áreas de risco vivem drama silencioso dos deslizamentos

Tragédias como a do dia 13 de março, quando pai e filha morreram soterrados, não são novidade em Manaus

Lucas Motta
25/01/2025 às 09:27.
Atualizado em 25/01/2025 às 09:32

Moradores estão preocupados e com medo de acontecer uma tragédia. (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

O que um dia foi um templo sagrado hoje se perde em ruínas no bairro Novo Aleixo, zona Norte de Manaus. Há cerca de dois anos, uma igreja evangélica foi desativada devido a mais um desbarrancamento em um vasto precipício, no fim da rua Conde. Os moradores da área acumulam preocupações, medos e frustrações diante da falta de respostas da Prefeitura de Manaus.

Mauro Risuenho, que vive com a família ao lado do antigo santuário há 36 anos, encara diariamente uma cena que ele descreve como uma “tragédia anunciada”. A cada novo período chuvoso, surge a dúvida de quanto do barranco ainda cederá e se, enfim, atingirá o lar que ele acabou de pagar no ano passado.

“Já tem aproximadamente quatro anos que os técnicos vêm aqui, e eu acho que eles vêm pra fazer estudo pra alguma forma de TCC [Trabalho de Conclusão de Curso, da universidade], porque não é possível que a administração seja tão cega em não ver o que está acontecendo”, brinca Mauro, tentando aliviar a tensão com humor.


A cada chuva, Mauro Risuenho teme pela sua casa e a segurança de seus familiares. (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

 Além das preocupações com a segurança, Mauro relata o impacto emocional de viver sob constante ameaça. “A gente tenta seguir a vida normalmente, mas sempre tem aquele medo no fundo. Você nunca sabe quando vai acontecer algo mais grave”, desabafou.

Tubulação de esgoto

Do outro lado da rua, o empreendedor Fábio de Melo também se lamenta. Seu terreno foi atingido, e ele teme que parte da construção desabe com chuvas mais intensas. Segundo ele, o problema foi agravado por uma tubulação de esgoto danificada, que despeja água diretamente no barranco, acelerando o processo de erosão.


Fábio de Melo relata que seu terreno foi atingido com o desbarrancamento. (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

“É uma área que a gente perdeu, porque, até se decidirem fazer uma intervenção, isso vai ter que ser demolido de qualquer forma. A gente tá lutando pra não perder a nossa vida, porque o bem já foi”, desabafou Fábio.

 Fábio reforça que a falta de ação imediata das autoridades aprofunda o sentimento de abandono.

É como se não existíssemos. O que construímos em anos está indo embora, e ninguém parece se importar.

Promessa de intervenção

Em 2024, a Prefeitura de Manaus instituiu o Plano de Contingência do Município (Plancon), que prevê ações para enfrentar cenários de chuvas intensas, cheia, estiagem e incêndio. Desde então, 32 áreas de risco receberam contenção de encostas. A Seminf informa que a zona Norte é uma das regiões mais vulneráveis.

Para os próximos anos, estão previstos investimentos de R$ 65 milhões em 13 áreas críticas nos bairros Mauazinho, Gilberto Mestrinho, Nova Floresta, Jorge Teixeira, Cidade Nova, Nova Cidade, Petrópolis e Cidade de Deus. O vice-prefeito e titular da Seminf, Renato Júnior, destacou as dificuldades de acesso para realizar as obras, mas garantiu que os trabalhos continuarão.

“Imagine entrar em uma área dessas com uma retroescavadeira, mesmo a menor que tiver. Ela trepida. Como vou entrar em período de chuva com um operador em uma área que pode desabar? Eu posso causar um acidente com o trabalhador e levar várias pessoas. No verão, fizemos 32 [contenções], mas não se faz do dia para a noite”, explicou Renato Júnior.

Alerta de desastres

Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Manaus liderou o ranking de alertas de desastres naturais no Brasil em 2023. O órgão atribui essa colocação ao crescimento desordenado da cidade e à ocupação de áreas inapropriadas.


Há dois anos, uma igreja foi desativada devido a mais um desbarrancamento em um vasto precipício no fim da rua Conde, no bairro Novo Aleixo, zona Norte de Manaus. (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também constatou que Manaus abriga a quarta maior favela do país, o bairro Cidade de Deus, com mais de 55 mil moradores. Ademais, o Amazonas lidera o percentual de moradores de favelas no Brasil, chegando a 34% da população.

Pedro Camarinha, pesquisador do Cemaden, destaca que a marginalização dos moradores de áreas de risco contribui diretamente para os desastres.

“O problema de Manaus, quando a gente fala em deslizamentos, são regiões que não são suscetíveis, mas as populações que vão ocupando esses locais, por um processo de marginalização, vão fazendo com que aquelas encostas sejam alteradas e se tornem muito suscetíveis aos desastres”, explicou o pesquisador.

Ele também ressalta que a solução passa por políticas públicas de longo prazo. “É preciso pensar em urbanização planejada e habitação acessível. Sem isso, essas tragédias continuarão a acontecer”, alertou.


Manaus liderou o ranking de alertas de desastres naturais no Brasil em 2023, segundo a Cemaden (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

Tragédias recorrentes

 Até a publicação desta reportagem, nem a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) nem a Defesa Civil Municipal haviam se manifestado sobre o caso. Contudo, os desbarrancamentos não são novidade em Manaus. No próximo dia 13 de março, o deslizamento de terra ocorrido bairro Jorge Teixeira, zona Leste, completa dois anos. Na ocasião, oito pessoas, incluindo quatro crianças, perderam a vida na comunidade Pingo D’Água.

Mais recentemente, no último domingo (19), uma forte chuva no bairro Redenção, zona Centro-Oeste, causou o deslizamento de terra que destruiu quatro casas no beco Macapá. Desta vez, as vítimas da tragédia foram Jefferson Pereira, 30, e a filha, Ester Amorim, 8. pai e filha, morreram soterrados, enquanto outros dois membros da família foram resgatados com vida e seguem hospitalizados.

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