Desastres

Tragédias comovem, mas cenário persiste

Deslizamentos como o de 2023, no Jorge Teixeira, que vitimou oito pessoas, e o ocorrido no último domingo, no bairro Redenção, têm a mesma raiz: a histórica desigualdade urbana

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
21/01/2025 às 08:11.
Atualizado em 21/01/2025 às 08:38

Agentes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil buscam os corpos das duas vítimas que foram soterradas pela queda de um barranco no bairro Redenção no sábado (Foto: Nilton Ricardo/Freelancer)

No dia 13 de março de 2023, um domingo, uma forte chuva ocasionou um deslizamento de terra que matou quatro crianças e quatro adultos no bairro Jorge Teixeira, zona Leste de Manaus. Dois anos depois, em 19 de janeiro deste ano, também um domingo, outro deslizamento após uma forte chuva matou pai e filha, desta vez no bairro Redenção, na zona Oeste. O que ambas as tragédias têm em comum é sua origem: a incapacidade do poder público de solucionar a extrema desigualdade urbana que aflige a cidade.

“Enquanto não equacionarmos a pobreza urbana, nós não vamos ter uma cidade saudável do ponto de vista da paisagem e das suas articulações políticas. Vamos continuar vendo pessoas morrendo em tragédias anunciadas, porque isso é tragédia anunciada. Se resgatar falas minhas de 2023 [após a tragédia no Jorge Teixeira], já estou falando isso ao jornal A Crítica. Agora o cenário está só se repetindo”, afirma o doutor em Geografia Urbana e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Marcos Castro.

Desta vez, as vítimas da tragédia foram Jefferson Pereira, 30, e a filha, Ester Amorim, 8. Eles se juntam às outras oito pessoas que perderam as vidas, em 2023, pela mesma causa. Foram as crianças Dainelson Alvorada, 4; Kaleb Mendes, 7; Eloisa Referino; Israel Jonniel, 7; e os adultos Clebson Barbosa, 33; Jucicleia Lima, 31; Ilan Corales 35; e Rosmig Salazar, 43.

Outra não-coincidência nos dois desabamentos é que as dez vítimas moravam em áreas de risco mapeadas pelo poder público. Um levantamento divulgado pela Defesa Civil do governo estadual em fevereiro de 2023 apontou que são mais de 1,6 mil áreas com perigo de deslizamentos, desabamentos e alagações pela cidade.

O mesmo estudo apontou que Manaus possui ao menos 4 mil famílias - assim como as de Jefferson e Ester, vítimas da vez - que vivem à mercê de uma tragédia pela cidade. Para o professor Marcos Castro, é preciso ir muito além de apenas monitorar essas áreas e agir apenas após os desastres.

“Enquanto nós não resolvermos o problema na base, que é esse déficit habitacional, nós vamos continuar com pessoas morando em áreas de risco e essas tragédias irão se repetir”, diz. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Amazonas é o terceiro estado com o maior déficit habitacional do país, cerca de 14,5%. Entre as pessoas que vivem o problema, 15% mora em áreas precárias com várias pessoas em um pequeno espaço ou gastam quase metade (40%) do salário para pagar aluguel.

O especialista destaca que há caminhos conhecidos para ao menos reduzir o problema, mas a solução precisa ir além. “Políticas como o Prosamim, por exemplo, retiraram pessoas das margens dos igarapés, e é uma política que dá conta. De certa forma, é um modelo. Então, com políticas públicas de habitações populares adequadas, nós vamos conseguir retirar essas populações”, defende.

“Tem que ser uma questão de vontade política. Não é só um governo A ou governo B, não é só um sujeito querendo escrever o seu nome na história política. Tem que ser uma política constante, uma política de Estado para cuidar dessas populações”, acrescenta.

Ele também destaca que é preciso remover as famílias dos locais em que se avalia a incapacidade de agir com ações estruturantes. “Porém, não é necessário fazer essa retirada como se fossem animais. Você precisa levar essas famílias para locais adequados. Se precisar pagar aluguel social, bacana, mas não pode ficar nisso, é preciso promover uma moradia fixa para essas pessoas, dar dignidade”, afirma.

 Histórico

 Episódios de tragédias causados pela desigualdade urbana podem ser encontrados em diferentes anos e gestões municipais. Na edição do dia 21 de fevereiro de 2011, o jornal A Crítica noticiou as mortes da dona de casa Joelza da Silva Coelho, de 28 anos, de sua filha Isabele Coelho Costa, de 3 anos, e de sua sobrinha Natália Coelho Reis, de 2 anos. As três foram soterradas pelo desabamento de um barranco na comunidade Santa Marta, na Zona Norte de Manaus.

No dia seguinte à tragédia, o então prefeito Amazonino Mendes protagonizou uma discussão com uma das moradoras da área. Durante o diálogo, registrado em vídeo, o político (hoje falecido) proferiu a frase: “Então, morra!”, que viralizou e gerou grande repercussão.

 Plano municipal

 Atualmente, está em andamento a construção de um Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) para Manaus, a cidade que mais registrou alertas de desastres naturais em 2024. O documento está sendo elaborado por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em parceria com a Defesa Civil Municipal.

A iniciativa partiu do Ministério das Cidades do governo Lula (PT), por meio da Secretaria Nacional de Periferias e do Departamento de Mitigação e Prevenção de Risco. Outros municípios brasileiros também participam do projeto, que inclui 20 universidades federais.

No Amazonas, o trabalho está sendo coordenado pelo geógrafo e professor da Ufam, Rogério Marinho, que também é doutor em Clima e Meio Ambiente. À reportagem, ele lamentou a tragédia no bairro Redenção e informou que os pesquisadores já mapearam 80 setores de risco com estimativa de moradores e casas com diferentes graus de risco na capital.

“A próxima etapa deve ser concluída até março, quando iremos listar intervenções possíveis para reduzir o risco nas áreas mapeadas. São propostas, por exemplo, de obras de engenharia para conter erosão, limpeza de lixo, retirada [de pessoas] em alguns casos extremos e ações não estruturais, como criar sistemas de monitoramento e ações de educação e prevenção de riscos”, listou ele.

Ele destaca ainda a importância de não apenas monitorar, mas também executar estratégias para solucionar o problema. 

“O monitoramento é um passo fundamental para a redução de risco de desastres relacionados a processos geológicos e hidrológicos. Esse monitoramento deve ser realizado tanto pelo poder público como pela população, através de contato com a defesa civil no 199.  Já o poder público com essas informações deve colocar em prática intervenções estruturais, como obras de engenharia e em casos extremos, fazer remoções. Essas ações devem ser alinhadas e envolver diversas secretarias que incluem a infraestrutura urbana, social, fundiária e habitacional”, diz.

 Reação

 A reportagem procurou a gestão municipal para entender quais ações estruturantes estão em andamento para atender pessoas que vivem em áreas de risco. Não houve retorno até o fechamento desta matéria. Logo após a tragédia, o prefeito em exercício, Renato Júnior, compareceu ao local do desabamento para acompanhar o trabalho da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros.

“Vale ressaltar que o corpo técnico atribui o deslizamento de terra à sobrecarga no talude, advindo de uma ligação clandestina de tubulação de água. Uma irregularidade, infelizmente, recorrente na nossa cidade. Esse erro atrelado ao contexto dessa área, imprópria para construção de moradias, nos traz ao dia de hoje. As equipes da Seminf têm atuado dia após dia na contenção de erosões, já sanamos 32 áreas como essa, mas é claro que ainda há muito trabalho a fazer e faremos”, disse Renato Junior em comunicado à imprensa.

O prefeito de Manaus, David Almeida, declarou luto oficial de dois dias pela tragédia. “Com imensa tristeza, manifesto solidariedade às famílias de Jeferson Araújo Pereira, de 32 anos, e da pequena Ester Amorin, de apenas 8 anos, que perderam suas vidas de forma trágica no deslizamento”, escreveu nas redes sociais.

A prefeitura divulgou que trabalham em uma operação conjunta no local da tragédia as secretarias municipais de Infraestrutura (Seminf), Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc), Limpeza Urbana (Semulsp), Segurança Pública e Defesa Civil (Semseg), Saúde (Semsa), o Centro de Cooperação da Cidade (CCC) e o Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU).

Oito famílias foram inseridas no benefício Auxílio-Aluguel e devem receber benefícios eventuais de acordo com a demanda, como cestas básicas, kits de higiene pessoal, colchões, dentre outros itens de assistência.

Logo após a tragédia, o governador Wilson Lima (União) foi às redes sociais para informar que havia colocado a estrutura do governo estadual à disposição para o atendimento à ocorrência. “Determinei que seja dado todo auxílio às famílias atingidas pelo deslizamento de terra que ocorreu, nessa manhã, no bairro Redenção, em Manaus. Equipes do CBMAM estão mobilizadas no resgate e as unidades de saúde já estão organizadas para receber as vítimas dessa ocorrência”, escreveu.

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