No mesmo período, reajuste do salário mínimo chegou a 28,36%, duas vezes menos do que os vereadores querem para si
Proposta foi apresentada pela mesa diretora, composta por dez vereadores, dos quais sete já têm mais quatro anos garantidos e, portanto, aptos ao novo reajuste (Foto: Robervaldo Rocha/CMM)
Um manauara que receba o atual salário mínimo de R$ 1.412 precisaria trabalhar um ano e sete meses, sem gastar um real, para alcançar apenas um mês da nova remuneração proposta aos vereadores por eles mesmos, de R$ 26 mil. O Projeto de Lei 467/2024, que trata desse tema, deve ser apreciado nesta segunda-feira (1) após um adiamento precedido por má repercussão popular.
O “PL do Super-salário” foi proposto por toda a mesa diretora da Câmara Municipal de Manaus. Se a nova remuneração for aprovada, o aumento terá sido de 76% em quatro anos. Isso porque, em 2021, quando iniciou o mandato dos atuais vereadores, a remuneração era de R$ 15.031,76. Em 2022, o subsídio passou a ser de R$ 18.991,68 e agora deve subir para R$ 26 mil.
Para efeito de comparação, no mesmo período de quatro anos, o salário mínimo dos brasileiros cresceu 28,36% - quase três vezes menos que o reajuste para os 41 parlamentares manauaras, que também recebem R$ 33 mil da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, destinada a custeio de despesas como combustível, telefonia e locação de veículos; e mais R$ 98 mil de verba de gabinete para contratação de pessoal.
O coordenador do Comitê de Combate à Corrupção, advogado e sociólogo Carlos Santiago, lembra que Manaus acabou de passar pela maior seca histórica da região, que causou isolamento e falta de acesso à água potável e alimentos pelas populações mais vulneráveis, o que demonstra a necessidade de haver outras prioridades nos gastos públicos.
“É muita falta de sensibilidade da atual legislatura da Câmara de Manaus propor uma majoração dos subsídios dos vereadores, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais. O poder legislativo tem que estar sensibilizado com os problemas da cidade. Tem que ser razoável dentro do atual contexto local e nacional, pois é um absurdo o percentual”, disse.
Manaus, aliás, continua em estado de emergência por causa da estiagem. Em todo o Amazonas, a seca ainda afeta 212.754 famílias. O governo do Amazonas não divulga o dado por município no Boletim Estiagem. Além desse problema, a capital do estado continua a sofrer com nuvens de fumaça de queimadas que já duram meses, entre recuperação e piora na qualidade do ar.
“O salário mínimo pago para a maioria dos trabalhadores brasileiros acaba sendo irrisório diante dos salários das autoridades públicas de benefícios pagos com o dinheiro público. Mas tudo isso é uma demonstração clara de que é preciso melhorar a qualidade da política e dos políticos. Então, teremos legisladores e autoridades públicas preocupados com o bem comum, e não somente em melhorar os seus ganhos e benefícios”, comenta Carlos Santiago.
‘É legal, mas é imoral’, diz cientista
Somente em outubro deste ano, período em que ocorreram as votações para a escolha dos vereadores da próxima legislatura, os atuais parlamentares gastaram R$ 1,4 milhão (R$ 1.448,114,75) da cota de atividade parlamentar, conforme levantamento de A CRÍTICA. Dentre as despesas mais comuns, informadas no portal da transparência da Câmara, estavam combustível, marketing e assessorias técnicas.
O cientista político e antropólogo Ademir Ramos diz que o aumento da remuneração dos vereadores, prefeito, vice e secretários é imoral. “É o que chamamos de ilegalismo. O que significa isso? Significa que, embora seja legal, é imoral e afronta a vontade popular”, afirma.
“A massa trabalhadora do Distrito Industrial de Manaus não ganha mais de R$ 3 mil por mês. Quer dizer, na verdade esse reajuste é uma manipulação do erário público por interesse da conveniência dos vereadores, tanto é que deixaram para fazer após a eleição, porque sabiam que se fizessem antes sofreriam repúdio nas urnas”, avalia.
Ele lembra que além do aumento na remuneração, os vereadores já aprovaram o Projeto de Lei n.º 456/2024, que prevê a inclusão do nome de ex-vereadores e dependentes no plano de saúde disponibilizado aos parlamentares da Câmara Municipal.
A matéria foi apresentada pela Mesa Diretora, que conta com dez membros, incluindo três vereadores não reeleitos que perderão as vantagens do mandato em 2025: o presidente Caio André (União), o 3º vice-presidente Lissandro Breval (PP) e a 1ª secretária Glória Carrate (PSB).
“É um plano de saúde corporativo só para contemplar os ex-vereadores. Quer dizer, é uma imoralidade total dentro da Câmara Municipal. É o ilegalismo marcado por afronta à vontade do povo, afronta às condições materiais, afronta ao salário da grande massa do Amazonas”, critica Ramos.
Subsídio do prefeito de 25 salários
Já o PL n.º 478/2024 reajusta o subsídio dos cargos políticos do Executivo. Se o texto for aprovado, o prefeito David Almeida (Avante) deve receber R$ 35 mil, enquanto seu vice, Renato Júnior (Avante), ficará com R$ 32 mil. Para efeito de comparação, a nova remuneração do gestor municipal seria o equivalente a mais do que dois anos de trabalho (R$ 33.888) para alguém que recebe o atual salário mínimo.
A proposta também prevê que os secretários municipais deverão receber, a partir de janeiro de 2025, R$ 27 mil. Já os subsecretários ficarão com R$ 22 mil mensais. Caso o vice-prefeito seja nomeado secretário, ele poderá optar pela remuneração do primeiro cargo.
Na quarta-feira (27), quando os PLs dos Super-Salários foram retirados de pauta na Câmara, o vereador Joelson Silva (Avante), da base do prefeito David Almeida, defendeu o reajuste ao gestor municipal.
“É a lei, né? É a lei e nós devemos votar, eu acho, que na segunda-feira. Primeiro, deliberar e depois vai seguir os trâmites legais. Eu não vejo nenhum problema. Quando eu fui presidente, nós votamos o aumento do salário do prefeito, que ganhava R$ 18 mil reais. Um prefeito que administra um orçamento de R$ 10 bilhões e que é prefeito, na minha opinião, 24 horas por dia”, disse.