ENTREVISTA DA SEMANA

Médico Paulo Corrêa: ‘Quem ateia fogo é um serial killer porque causa mortes’

Médico membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia diz que a exposição prolongada à fumaça pode aumentar casos de síndrome respiratória aguda grave e até câncer de pulmão

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
14/09/2024 às 08:28.
Atualizado em 14/09/2024 às 08:29

(Foto: Divulgação)

Membro da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SPBT), o médico pneumologista Paulo Corrêa avalia que os efeitos da fumaça de queimadas ainda não foram totalmente observados na saúde humana.

Na visão dele, quem ateia fogo propositalmente na floresta se assemelha a um ‘serial killer’, porque causa, por consequência, internações e mortes.

Corrêa defende maior punição aos causadores das chamas e um esforço de guerra do poder público para conter todos os danos da fumaça à saúde humana. Confira entrevista.

Perfil

Paulo Corrêa

Estudos: médico (UFMG), mestre em Saúde Pública (UFMG).  Experiência:  coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. É também professor universitário.   

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A fumaça de queimadas se espalha por diferentes estados e os próprios incêndios não ocorrem apenas na Amazônia. Quais os efeitos desse fenômeno para a saúde, no curto e longo prazo? Em Manaus, por exemplo, já são dois meses inalando fumaça.

Uma quantidade de material particulado alta, mantida por muito tempo, provoca graves efeitos sobre a saúde. Um estudo brasileiro mostrou que 11 mil mortes por ano acontecem na cidade de São Paulo por causa dos efeitos da poluição. 

Há outros fatores, porém, que precisam ser observados. Hoje tem 60% do Brasil em chamas, mas nós temos incêndios no Cerrado e na Floresta Amazônica. As características desses incêndios são completamente distintas. A Floresta Amazônica é úmida. A combustão na Amazônia é diferente da combustão de uma floresta mais rasteira que existe no Cerrado. O efeito disso ainda é muito pouco compreendido.

Outra coisa é que os fenômenos climáticos não ficam restritos ao lugar da sua produção. Então, por exemplo, quando existe queima de cana de açúcar em São Paulo, essa fumaça vai parar na região Amazônica. E na região Amazônica, o material que está sendo despejado no ar, essa fumaça de incêndios criminosos, também chega ao Sudeste.  

Com esses focos de incêndio, nós temos a emissão de uma quantidade de monóxido de nitrogênio e monóxido de carbono que são especialmente perigosos para as pessoas que estão combatendo as chamas e para aquelas que estão nas áreas mais próximas da origem das queimadas.

O senhor é especialista em pesquisas sobre os efeitos do tabagismo na saúde. Existe comparação possível entre os danos do cigarro e a inalação da fumaça de queimadas? 

É difícil comparar, porque depende do material biológico que está em combustão, e essa combustão é mais complexa. O que pode ser dito é que a poluição, o material particulado e essas outras substâncias que citei provocam exacerbação das doenças respiratórias. Por exemplo, quem já é asmático, quem tem Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e outras condições. O pulmão é um órgão que está em contato com o ambiente. O nariz filtra um pouco das impurezas, mas é incapaz de segurar tudo, então tudo isso vai para a intimidade do aparelho respiratório e vai provocar uma piora daquela doença que a pessoa tem. Também vai causar o aumento das internações por angina e infarto do miocárdio.

Se você tem períodos em que você tem mais ou menos combustão, você vai ter um nível de material particulado maior e isso já é um problema de saúde pública. Nos períodos em que isso aumentar ainda mais, você vai ter um excesso de casos de doenças respiratórias, doenças cardíacas, e uma fração dessas pessoas morrerão por causa dessas queimadas.

Diferentes plataformas de monitoramento do ar, como a criada pela Universidade do Estado do Amazonas, orientam a população a não realizar esforço físico durante exposição à fumaça, especialmente ao ar livre. Quais os riscos de fazer isso? 

Quando você faz exercício nessas condições, a gente aumenta o que chamamos de ventilação minuto. Eu vou ter que aumentar o tanto de ar que levo para o pulmão e a frequência respiratória. Quando você faz isso, está levando para dentro do seu organismo o material particulado, que são partículas muito pequenas, partículas interiores a 2.5 micra, um milionésimo de um fio de cabelo humano. 

Essas partículas são biologicamente ativas e podem contribuir tanto para o surgimento de anginas, infartos, derrames, como para a piora da parte respiratória. Quando você tem um valor alto de material particulado no ar, ele se torna tóxico para todo mundo. Já os níveis mais baixos vão atingir populações específicas, como aquelas com asma.

(Foto: Divulgação)

 “O material particulado da fumaça e a poluição pioram as doenças respiratórias”

Além de evitar exercício físico, existem outras indicações para proteger a saúde nesse momento? Máscara, por exemplo, funciona?

Máscara funciona, mas tem que ser a N95. Aquela que os médicos usavam na pandemia, porque ela segura 95% das partículas que iriam para a intimidade do pulmão. Se você tiver perto de uma área com muita fumaça, muito material particulado no ar, e tiver condições, o indicado seria buscar outra área. 

Evidentemente, aumentar a hidratação é uma coisa geral, que normalmente se pede. A fumaça também faz com que haja mais difração da luz, então outra orientação é usar protetor solar. Um aspecto interessante disso, e que é mostrado na imprensa, é aquele por do sol ou nascer do sol com tons vermelhos, laranjas. A gente, sem saber, olha e acha bonito. Aquilo é um alerta, porque a luz tem que caminhar mais na atmosfera quando o sol está no horizonte, e como há muito material particulado, acontece a difração da luz. 

O ministro Flávio Dino, do STF, determinou que os governos aumentem as brigadas de combate incêndios. Na decisão, ele usou a expressão “pandemia de incêndios florestais”, que chamou a atenção pelo fato de ser também uma crise de saúde. Dito isto, o que pode ser feito pelo Ministério da Saúde e pelas secretarias de Saúde estaduais e municipais?

O poder público tem várias possibilidades, mas uma delas, ainda pouco falada, é produzir chuva. Existem várias coisas que você pode colocar em um avião e pulverizar na atmosfera para tentar produzir chuva. O iodeto de prata, por exemplo, mas há outras substâncias.

Esse mecanismo convém ao poder público, porque é sistêmico, vai alcançar todas as pessoas. A outra coisa é que os alertas para a população precisam ser muito claros. Não só isso, mas que haja uma preparação, um planejamento que considere, inclusive, a possibilidade de deslocar essas pessoas de áreas mais atingidas. 

É preciso ter manuais, folhetos, vídeos e publicações nas redes com orientações, divulgando o que pode e o que não pode fazer. Por exemplo, a contraindicação para atividade física e para se afastar das áreas críticas. 

É preciso garantir a disponibilidade de medicamentos, porque os pacientes respiratórios e cardíacos poderão ter mais problemas. Tem que garantir atendimento, porque vai haver aumento na procura por pronto-atendimento. Não só isso, porque a emergência não é uma benção que você toma e está liberado. Vai ter o tratamento, o acompanhamento. Realmente, comparando, seria um esforço de guerra. É um esforço de guerra que precisa estar em funcionamento com esse cenário.

Outra coisa importante é a proteção aos bombeiros e às brigadas, quem está na ponta. É fundamental, porque o bombeiro, o brigadista é que vai morrer de intoxicação com o monóxido de carbono. É muito importante que eles sejam convenientemente equipados, que sejam instruídos. A intoxicação com o monóxido de carbono é um desafio para até muitos médicos que não têm experiência. Porque a intoxicação com o monóxido de carbono, não adianta você usar o oxímetro, por exemplo, que vai aparecer a oxigenação ótima, embora a pessoa esteja com baixa oxigenação no sangue. Então, tem que ser feito o exame de sangue nesse caso. 

Os sistemas deveriam estar otimizados assim como ocorreu na pandemia, aquelas tendas para fazer atendimentos. 

Observamos que há fumaça no ar, sentimos o odor do queimado, mas nem sempre o efeito na saúde é imediato. Nós ainda não vimos o quão prejudicial pode ser inalar essa fumaça por tanto tempo? O problema é maior?

Um evento dessa magnitude não tem paralelo na nossa história. O que nos distingue de outros povos, norte-americanos, europeus é que uma vez que uma coisa dessa aconteça por lá, fica uma marca na sociedade e as pessoas passam a ter um sistema in loco de enfrentamento. 

Como o fenômeno do aquecimento global, há quantos anos ouvimos que o fogo não deve ser usado para pastagem ou agricultura? Isso mostra que, apesar de estarmos no século XXI, nós estamos usando técnicas do século XVIII e XIX. Não aprendemos ainda com os erros e os efeitos disso tudo recaem sobre nós, os seres humanos. 

Hoje em dia já se tem estudos correlacionando, inclusive, a poluição ambiental ao câncer de pulmão. Esse tipo de câncer está estritamente relacionado com o fato de a gente inalar alguma coisa do meio ambiente, seja a fumaça do cigarro, seja a fumaça das queimadas e o material particulado. Isso tudo impacto para a saúde de forma imediata, mas também de forma prolongada.

E aí a gente precisa de educação inclusive ambiental, do manejo adequado de pastagens. Porque, sistemicamente, a gente sabe quais são as épocas que têm mais queimadas. Então, o sistema de monitoramento tem que estar em progresso, incluindo a prevenção a essas ocorrências. 

Considerando todos esses danos aos seres humanos, penso que o crime ambiental deveria ser considerado hediondo, porque é algo que penaliza toda a sociedade. Quem bota fogo na floresta amazônica é um serial killer, porque causa internações e mortes. Algumas morrem de imediato e outras posteriormente, pelos danos da fumaça.

(Foto: Divulgação)

“É importante a proteção aos bombeiros e às brigadas, quem está na ponta, atuando”

A Folha de São Paulo publicou uma matéria sobre as queimadas em São Paulo mostrando que aumentou o número de mortes por síndrome respiratória aguda grave. Existe a possibilidade de ter uma associação entre essas mortes e a fumaça? Esses números são bons medidores do tamanho da crise?

É um bom medidor, ainda que seja um pouco poluído. Porque o que acontece quando a gente se expõe? Seja à fumaça do cigarro ou à fumaça queimada. Você provoca uma facilitação das infecções respiratórias, e elas podem ser de várias naturezas, viroses, bacterianas, enfim. A poluição pode ser a porta de entrada para a síndrome respiratória aguda grave.

Se eu tenho um local que não está chovendo, que tem muito material particulado e eu já sou alérgico, eu vou estar mais exposto aos receptores nasais e os vírus conseguirão se fixar com mais facilidade, provocando infecções nas vias aéreas superiores ou inferiores.

Então, você tem um mecanismo para a facilitação de infecções e elas, por sua vez, provocarão a síndrome respiratória aguda grave.

(Foto: Divulgação)

“Crime ambiental deveria ser  hediondo, porque é algo que penaliza toda a sociedade”

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