Para o presidente Lula, o Brasil não pode depender de importação para o insumo utilizado neste segmento
(Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Iniciada na gestão Bolsonaro, a agenda de ampliação da produção nacional de fertilizantes segue mantida no governo Lula (PT). Na semana passada, o presidente da República participou da inauguração de um complexo de produção de fertilizantes, no Triângulo Mineiro, e da reabertura de uma fábrica de fertilizantes subsidiária da Petrobras, no Paraná. O Amazonas faz parte da agenda, embora a autorização para exploração no estado seja questionada judicialmente por atropelos no licenciamento.
Em março de 2022, poucos dias após o início da guerra na Ucrânia, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) lançou um Plano Nacional de Fertilizantes. O objetivo era reduzir a dependência do país à importação do insumo de outros países. Rússia, Ucrânia e Belarus (aliada a Putin) estão entre os maiores produtores do mundo.
Os fertilizantes são utilizados pelo setor agrícola, que respondeu por 24% das exportações brasileiras em 2023, segundo o Ministério do Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Para o presidente Lula, o Brasil não pode depender de importação para o insumo utilizado neste segmento.
“É irresponsabilidade a gente não ter em conta que o Brasil não pode importar 90% dos insumos que nós precisamos, para fazer com que a nossa agricultura seja o potencial que é hoje, então nós estamos recuperando isso”, disse, em entrevista à Rádio T, do Paraná. A fábrica estava fechada desde 2020. A reabertura da empresa custará R$ 870 milhões até o fim do processo, conforme o governo.
A inauguração em Minas Gerais foi do Complexo Mineroindustrial da EuroChem, em Serra do Salitre, a cerca de 377 quilômetros de Belo Horizonte. É a primeira unidade de mineração da empresa fora do continente europeu e a expectativa é que chegue a fornecer 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados por ano para a agricultura brasileira. O empreendimento contou com investimento de US$ 1 bilhão.
A Petrobras também adicionou os fertilizantes ao plano estratégico 2024 - 2028 e planeja investir R$ 6 bilhões em fábricas desse insumo até o fim desse período. “O Brasil importa cerca de 80% dos fertilizantes que utiliza. Uma grande parte deles é de nitrogenados, feitos com gás natural. A Petrobras vende gás. Se ela tem um produto que faz sentido ser vendido para fazer fertilizante, nós queremos ajudar a desenvolver o mercado”, defendeu a presidente da estatal, Magda Chambriard, em maio.
Para a economista Denise Kassama, o governo acerta ao buscar reduzir a dependência do país dos fertilizantes importados. Segundo a gestão federal, o Brasil consome 5% de toda a produção mundial de fertilizantes e importa 85% do que utiliza.
“Como a gente tem uma demanda significativa, mesmo que a guerra acabe, não tenho dúvidas que produzir localmente algo que a gente depende de importação é muito melhor. Não fica condicionado ao vai e vem do dólar, como ocorre com o petróleo. Quanto menor for a dependência do produto importado, melhor para a economia”, avalia.
Amazonas
Desde o início da gestão Lula, o Amazonas foi inserido na agenda da produção de fertilizantes, assim como no governo Bolsonaro. Em ao menos três viagens a Manaus, o vice-presidente e ministro do MDIC, Geraldo Alckmin, defendeu o projeto de exploração de potássio em Autazes, quando já havia judicialização do negócio.
(Foto: Cadu Gomes/VPR)
Na semana passada, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), órgão do governo estadual que, por sua vez, apoia o projeto de mineração, finalizou a concessão de todas as licenças pendentes para o projeto.
O caso, porém, segue em tramitação na Justiça Federal do Amazonas. O Ministério Público Federal acusa o governo e a empresa de atropelarem o processo de licenciamento e ignorarem a escuta aos indígenas Mura, que vivem no território onde quer se explorar o potássio. A empresa nega qualquer irregularidade.
Em setembro do ano passado, após uma assembleia questionada por lideranças indígenas e com a presença do presidente da mineradora, Adriano Espeschit, parte dos indígenas declarou apoio ao projeto. O governo e a empresa consideram essa sinalização como válida para avançar com a mineração. O MPF e outras lideranças indígenas seguem questionando o episódio.
A economista Denise Kassama diz ser mais reticente quanto ao projeto no Amazonas, embora compreenda a importância dos fertilizantes. Para ela, os planos econômicos não podem ignorar a temática socioambiental.
“Eu não conheço nenhuma atividade mineral exploratória que não tenha impacto ambiental, então isso tem que ser observado com muita cautela. Nós estamos falando da Amazônia e a preservação ambiental é muito forte também. A gente corre o risco de, se não fizer isso com muito cuidado, perder parceiros importantes como a gente perdeu, no governo anterior, o fundo Amazônia”, afirma.
Vice-tuxaua da aldeia Moyray, terra indígena Guapenú, em Autazes, Diego Mura diz que a exploração de potássio no município é um “projeto de morte”. Ele integra o ‘Grupo de Articulação e Resistência do povo Mura de Autazes e Careiro da várzea: resistir para existir’, criado em meio a denúncias de cooptação de lideranças indígenas para apoiar o potássio.
“Nós, indígenas, não somos contra o desenvolvimento do Estado brasileiro, mas há outras formas de explorar que não são ditas. Esse processo do potássio está atropelando os direitos indígenas. E se eu chegasse na sua casa com um maquinário pesado e começasse a furar seu solo? Você não ia fazer nada? Isso é o que está acontecendo com o indígenas Mura”, aponta ele.
“É mentira que não há terra indígena afetada pela exploração. Existe, sim. Nós aqui, da aldeia Moyray, estamos a uma hora e meia da aldeia Soares, que está no centro de tudo, e eles também são nossos parentes, são nosso sangue Mura. Nós já estávamos aqui.
Esse projeto está repetindo o processo de colonização, porque chegam e querem explorar. Falam que esse empreendimento é para fortalecer o agronegócio, por causa da segurança alimentar. É tudo mentira. O que eles querem é explorar e ganhar dinheiro”, critica o líder indígena.
Expectativa
O prefeito de Autazes, Andreson Cavalcante, também apoia o projeto. À reportagem, ele disse que o empreendimento poderá gerar empregos no município e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência do Brasil com o mercado externo.
“O agronegócio é o que sustenta a base econômica do país ,então, eu não consigo enxergar risco nesse negócio”, afirma. Questionado sobre a concorrência interna e externa, ele acrescentou que “a demanda só tende a aumentar, por isso não vejo como concorrentes. Ainda que produzissem muito, não seria 100% do que o país precisa”.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Amazonas (Faea), Muni Lourenço, enxerga como positiva a agenda do governo federal com os fertilizantes. Segundo ele, o setor paga muito caro pelos fertilizantes e a produção nacional poderia baratear os custos.
“Os fertilizantes são insumos imprescindíveis para a produção agrícola e agropecuária e, hoje, o Brasil tem uma dependência muito significativa de importação de fertilizantes de outros países, o que coloca o país, o agrobrasileiro, em uma situação desconfortável. Isso principalmente em função do aumento do custo e o risco de menor oferta, dado que alguns fertilizantes são fornecidos por países que estão em conflito”, comenta.