Mercado de trabalho

Jovens querem trabalho que faça sentido e garanta direitos, aponta estudo

Em 2021, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou uma taxa de desocupação de 31% no segmento de 18 a 24 anos.

Agência Fapesp
06/07/2023 às 08:03.
Atualizado em 06/07/2023 às 08:03

(Foto: Agência Fapesp)

A população jovem da cidade de São Paulo foi estimada em 2,1 milhões de pessoas, com idades variando entre 15 e 29 anos. Esse número, que corresponde a 21% da população total, foi levantado pela Fundação Seade em 2022. A faixa etária segue sendo a mais atingida pelo desemprego e o subemprego. Em 2021, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou uma taxa de desocupação de 31% no segmento de 18 a 24 anos.

Um artigo, publicado nos Cadernos Gestão Pública e Cidadania (CGPC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), investiga as políticas públicas de geração de trabalho e renda para a juventude, descrevendo e analisando as mudanças mais relevantes ocorridas na cidade de São Paulo a partir de 2013. A data é relevante: não apenas porque o intervalo cobre uma década, mas também porque, em junho de 2013, a cidade foi o epicentro das grandes manifestações de rua que acabaram impactando a vida do país. Vale lembrar que essas manifestações, que tiveram como causa imediata o protesto contra o aumento das tarifas do transporte público, trouxeram à tona toda uma insatisfação difusa da população jovem.

O artigo – Mapa de políticas públicas para a juventude e o trabalho na cidade de São Paulo: uma perspectiva contemporânea – foi escrito por Luís Paulo Bresciani, Maria Carla Corrochano e Maria Eduarda Raymundo Nogueira. O grupo recebeu apoio da FAPESP por meio do estudo “Coletiva Jovem: um projeto de pesquisa e ação para suporte aos coletivos juvenis de produção nas periferias de São Paulo e Buenos Aires”, conduzido por Corrochano na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de Sorocaba.

“Procuramos entender como se alteraram as políticas públicas de trabalho para a juventude na cidade de São Paulo e os fatores explicativos dessa mudança”, diz Corrochano à Agência FAPESP.

A pesquisadora informa que, no decorrer da década de 2000, as políticas públicas voltadas a esse público tinham como foco, em sua maioria, a dimensão da educação. “Embora importante, ainda mais em um país onde a expansão das oportunidades educacionais aconteceu com bastante atraso, esse padrão de política pública ignorava a diversidade da população jovem e de suas trajetórias, como, por exemplo, o grupo formado por aqueles que estudam e trabalham ao mesmo tempo. Também não considerava as dificuldades de ingresso no mercado formal de trabalho, independentemente da qualificação, dada a reduzida oferta de empregos para a juventude. A baixa qualidade do trabalho que os jovens conseguiam acessar também era deixada de lado”, argumenta.

Uma importante inflexão ocorreu com a criação da Agenda Nacional de Trabalho Decente para a Juventude, elaborada pelo governo federal com o apoio técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e lançada oficialmente em 2011. O artigo em pauta comenta que, “para além das ações de ampliação da escolaridade, qualificação profissional e enfrentamento das elevadas taxas de desemprego juvenil, a agenda fez avançar o debate sobre a qualidade do trabalho oferecido, as desigualdades de acesso e a necessidade de conexão entre a inserção ocupacional, a trajetória escolar e a vida familiar”.

“A agenda apontou quatro eixos de atenção: mais e melhor educação, incluindo maior acesso e qualidade do ensino médio, superior e da qualificação profissional; conciliação entre estudos, trabalho e vida familiar; inserção ativa dos jovens no mundo do trabalho, com mais e melhores empregos, igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento nos ambientes de trabalho; diálogo social, visando debater alternativas e condicionantes de uma melhor inserção”, resume Corrochano.

No entanto, uma nova reviravolta abalou esse movimento na segunda metade da década de 2010. No bojo de um processo internacional de degradação do mercado de trabalho e de crise política em escala nacional, ganhou corpo a ideia de “empreendedorismo” – palavra que, em certo tipo de discurso, virou uma espécie de remédio para todos os males sociais. E que, muitas vezes, não é mais do que um eufemismo para “precarização”.

Sobre o tema, o artigo pondera: “O estímulo ao empreendedorismo pode ser uma saída importante para geração de trabalho e renda para jovens dos 18 aos 29 anos, desde que acompanhado de medidas concretas de criação de linhas de crédito e de apoio à formalização dos empreendimentos, aliadas à melhoria na qualidade do trabalho. Também é fundamental que sejam estimuladas propostas não apenas de empreendimento individual, mas coletivo, na perspectiva da promoção da economia popular e solidária”.

Isso, porém, ainda está longe de ser realidade. “Nosso estudo mostrou que 89% dos jovens empreendedores não recebem nenhum apoio do poder público. E que a maior parte deles ganha, com seu empreendimento, menos do que um salário mínimo”, afirma Corrochano. E continua: “Pesquisas recentes com jovens empreendedores individuais evidenciaram as tensões e os conflitos que ocorrem nessas experiências. Se alguns entrevistados ressaltam a possibilidade de ‘trabalhar no que gosta’ ou de ‘trabalhar sem patrão’, muitos falam de fortes restrições financeiras, jornadas extenuantes, dificuldade de acesso à informação e responsabilização individual pelos insucessos”.

 Empreendedorismo

 No âmbito de sua pesquisa, apoiada pela FAPESP em convênio com o Canada's International Development Research Centre, ela mesma coordenou, entre 2020 e 2021, uma investigação qualitativa com 208 moradores das periferias sul e leste da cidade de São Paulo que participavam de coletivos ou de microempreendimentos individuais, ou combinavam uma atividade com a outra. Devido à pandemia, as entrevistas foram realizadas on-line por dez pesquisadores, também jovens, com idades variando entre 17 e 29 anos.

A pesquisa identificou que 62,5% dos coletivos e empreendimentos tinham como local de trabalho a casa de algum integrante. Perguntados sobre as desvantagens de fazer parte, os empreendedores responderam: não ter direitos associados ao trabalho, como seguro-saúde, vale-refeição ou vale-transporte (70,8%); não ter possibilidade de descansar nos finais de semana ou tirar férias (65,3%); sofrer algum tipo de discriminação por ser jovem (48,6%). Enquanto os integrantes dos coletivos reportaram: não ter segurança de renda mensal (70,8%); não dispor de recursos suficientes para as necessidades individuais ou familiares (58,30%); não ter carteira assinada (50,0%).

“Essa pesquisa desmistificou para mim a ideia de que o jovem adere ao empreendedorismo de maneira irrefletida. Ele está bem consciente da precariedade dessa condição, que é muitas vezes assumida por não haver alternativa ou para construir alternativas face à baixa qualidade dos trabalhos que consegue acessar. Reivindica direitos associados ao trabalho formal (férias, seguro-saúde etc.), sabe que o crédito é fundamental e, principalmente, deseja um trabalho com sentido, sublinha Corrochano.

A busca de sentido – de não fazer qualquer coisa, apenas para sobreviver, mas de querer um trabalho que venha ao encontro de uma aspiração individual e da formação educacional obtida – foi, segundo a pesquisadora, um resultado muito forte do estudo. E ela cita várias iniciativas com esse enfoque que vieram a se integrar ao Centro Coletiva Jovem, uma experiência-piloto nascida de sua pesquisa e conduzida em parceria com a Ação Educativa e outras organizações da sociedade civil. Tais iniciativas estão descritas no Catálogo Coletiva Jovem.

“Esse componente subjetivo, que geralmente fica de fora nas análises socioeconômicas convencionais, precisa ser considerado se quisermos ter políticas públicas que realmente contemplem os jovens e suas aspirações”, conclui Corrochano.

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