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Intelectuais ressaltam a importância da produção cultural de Márcio Souza para a Amazônia

Escritor faleceu nesta segunda-feira, em Manaus, aos 78 anos, vítima de um infarto

Lucas dos Santos
politica@acritica.com
12/08/2024 às 17:11.
Atualizado em 12/08/2024 às 17:11

Márcio Souza morreu nesta segunda-feira aos 78 anos (Foto: Reprodução)

Intelectuais e pesquisadores ressaltaram, nesta segunda-feira, a importância do escritor Márcio Souza na retratação das sociedades da Amazônia, sobretudo da cultura e da arte produzida na região. Conhecido nacionalmente por obras como “Mad Maria”, que foi adaptada para uma minissérie pela TV Globo em 2005, o escritor amazonense faleceu nesta segunda-feira (12) aos 78 anos.

Colega e amiga de Márcio Souza, a professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marilene Corrêa afirmou que a perda de um escritor e dramaturgo como ele é dramática, “até porque ele é uma das poucas vozes no plano artístico e literário ouvidas em todo o território nacional e acolhidas como um trabalho intelectual importante para todos nós do Brasil e do Amazonas”.

“A contribuição do Márcio Souza pra essa representação intelectual da Amazônia é incomparável. Ele rompeu com uma forma tradicional de interpretação da Amazônia. Ele apresentou, tomando a Amazônia como foco, inúmeras possibilidades de desdobramento para compreensão da nossa sociedade, da nossa socioeconomia, da nossa cultura e da nossa arte”, disse.

A socióloga relembrou a presença de Márcio Souza na Academia Amazonense de Letras (AAL) e seu posicionamento crítico sobre a relação da Amazônia com o Brasil.

“Eu sempre acho que a morte de amigos e de pessoas a essa formação da inteligência é prematura, e se tratando do Márcio Souza, ele tinha muito a contribuir com todos nós”, lamentou.

“Diálogo intenso”

Um exemplo dessa contribuição, segundo ela, foi a participação de Márcio Souza em bancas e conferências no final de junho deste ano em São Gabriel da Cachoeira, município do interior do Amazonas e o mais indígena de todo o país.

“Ele realizou um diálogo intenso com pesquisadores de várias linhas de pesquisa, manteve uma interlocução inteligente com os novos professores e pesquisadores indígenas, dando mais uma vez a demonstração de respeito às culturas locais, de reconhecimento às ancestralidades dos povos do Rio Negro e de novo, sublinhando, o ponto de contribuição que ele deu ao reconhecimento das culturas originárias e da autonomia e da autodeterminação que ele defendia para esses povos”, disse.

Também professora da Ufam, Ivânia Vieira relatou que conheceu Márcio Souza à época do Teatro Experimental do Sesc quando ele e o poeta Aldísio Filgueiras “arrastavam muitos para experimentar um tipo de teatro”.

“Márcio dirigiu o Teatro do Sesc. Nós, estudantes de jornalismo e militantes de movimento social, tínhamos nesse movimento uma das nossas referências de formação, de aprender a escutar e debater todo o teatro como ponte. A Maravilhosa História do Sapo Tarô Bequê, Tem Piranha no Pirarucu. Culto, ácido, escrachado e capaz de gestos afetuosos, Márcio nos proporcionou experimentar um tempo cultural e político amazônico que faz muita falta hoje”, avaliou.

“Lufada de inteligência”

Em sua coluna no site Taquiprati, o professor, antropólogo e jornalista José Ribamar Bessa Freire relembrou a obra “A Expressão Amazonense do Colonialismo ao Neocolonialismo”, publicado em 1977, ainda no período da ditadura militar. O professor afirma que o livro de Márcio Souza “abriu clarões, iluminou as salas de aula da Universidade Federal do Amazonas e nos indicou caminhos a percorrer”.

“Foi uma lufada de inteligência e de liberdade no meio das trevas. Durante sucessivos semestres, discutíamos cotidianamente o texto com nossos alunos, usando-o como um pastor usa a Bíblia. No bom sentido. Com o senso crítico aguçado. Nada do que debatíamos dispensava consulta aos seus capítulos e versículos. Funcionava como um espelho, onde podíamos ver a nossa própria imagem. Agora, destinado a um público mais extenso, Márcio nos brinda a 'Amazônia Indígena', uma coletânea de textos que, em certa medida, é a reatualização do anterior, uma espécie de 'A Expressão Amazonense II'. Suspeito que terá destino similar”, escreveu.

O texto faz parte do prefácio do livro “Amazônia Indígena”, publicado no ano de 2015. Nele, o professor Bessa afirma ainda que Márcio Souza “transita com desenvoltura por diferentes campos do saber” e que ele construiu sua legitimidade para o debate “incorporando sua experiência pessoal na leitura da floresta, dos povos da floresta e das cidades erguidas dentro dela nos últimos quatrocentos anos”.

“Pelas vias do cinema”

O professor aposentado da Ufam, Antônio José Vale da Costa, o Tom Zé, disse estar impactado pela morte de Márcio Souza. Os dois estiveram juntos no último sábado no Cine Guarani “assistindo a três documentários sobre amigos que já partiram: José Gaspar, Maximino Miranda Correa e Joaquim Marinho. Ao final, Márcio estava bem e conversou com várias pessoas presentes ali”.

“Uma perda enorme para a cultura amazônica! Desde jovem, Márcio já trilhava pelas vias do cinema, a principal arte daqueles tempos, seja como espectador comum ou cineclubista para, mais tarde, contribuir para a formação do GEC (Grupo de Estudos Cinematográficos), atuar no Festival Norte do Cinema Brasileiro ou dirigir o longa-metragem ‘A Selva’”, relatou.

O professor destacou que Márcio “é uma das mais importantes referências culturais da Amazônia e sua partida nos deixa órfãos de um texto crítico, satírico, analítico e indicador do porvir para a região Amazônia. Uma perda irrecuperável da cultura amazonense!”.

Militância

Também aposentado pela Ufam, o professor Aloysio Nogueira relembrou os primeiros tempos em que conheceu a família de Márcio, incluindo o professor Deocleciano Bentes, falecido em 2016.

“O Márcio eu tinha um contato com ele na década de 70 para 80, inclusive do ponto de vista político. Nós nos encontramos e discutimos na época em que estávamos trabalhando para a fundação de um partido político no Brasil, que era o PT [Partido dos Trabalhadores]. E nós discutimos bastante, inclusive viajamos pelo interior do estado, e ele contribuiu bastante para a fundação do partido”, disse.

Foi nessa época, lembra o professor, que Márcio Souza começou seu processo de estudos sobre literatura, “tanto que ele lança mais uns anos seu primeiro livro, que foi o Galvez – Imperador do Acre”.

“Ele lançou outros livros e, sobretudo, também contribuiu com estudos sobre a Amazônia. Inclusive, ele tem livro lançado especificamente sobre Amazônia. Aliás, hoje está saindo em vários jornais a relação das obras que ele fez. Eu tenho várias dele. Acho que o Amazonas perde um intelectual do gabarito de Mário, que foi muito importante para a nossa sociedade”, lamentou.

Roteirista

Em suas redes sociais, o pesquisador do Núcleo de Antropologia Visual da Ufam Gustavo Soranz disse que teve a honra de contar com a colaboração de Márcio em alguns de seus projetos audiovisuais.

“Ele foi um dos roteiristas do Núcleo Criativo Rizoma Audiovisual, colaborando no projeto ‘Por que Kamña matou kiña?’, sobre os casos brasileiros do IV Tribunal Russell, ocorrido em Roterdam/Holanda, em 1980. Nesta ocasião, Márcio foi um dos acusadores do caso contra a Congregação Salesiana no Alto Rio Negro”, disse.

Gustavo afirma ainda que Márcio Souza “foi um dos mais importantes intérpretes da Amazônia” e que ele deixa uma obra fundamental para a literatura brasileira “e alguns trabalhos em cinema ainda pouco conhecidos”.

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