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Insumos da Amazônia ganham incentivo para produção em larga escala

Pesquisadores avaliam que decreto de autonomia do Centro de Bionegócios da Amazônia permitirá que mais produtos amazônicos cheguem às prateleiras

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
06/05/2023 às 13:16.
Atualizado em 06/05/2023 às 17:09

À esquerda, doutora em Ciências com ênfase em Biotecnologia Vegetal, Simone da Silva. À direita, doutor em Ciências dos Alimentos, Edson Pablo da Silva (Divulgação/CBA)

Fibras de plantas para a indústria, óleos essenciais, chocolates feitos com caroço de tucumã e até uma bebida de açaí que ajuda no combate à obesidade. Esses são só alguns dos exemplos de produtos que estão sendo desenvolvidos no Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), em Manaus, e que finalmente poderão ver as prateleiras comerciais.
 
Os insumos são estudados há anos, mas um decreto publicado pelo presidente Lula (PT) nesta semana, que confere autonomia jurídica e financeira ao CBA, permitirá aos itens serem produzidos em larga escala por meio de parcerias com empresas, gerando emprego e renda com matérias-primas amazônicas. 

Doutora em Ciências com ênfase em Biotecnologia Vegetal, Simone da Silva coordena um laboratório com cinco bolsistas no CBA. As plantas são o principal objeto de pesquisa do grupo, que as divide em quatro linhas: ornamentais, medicinais, produtoras de óleo e produtoras de fibras.
 

“Como não tínhamos um CNPJ, não era possível nos registramos no Renasem, que é o Registro Nacional de Sementes e Mudas do Ministério da Agricultura, que é um credenciamento junto ao governo de comunidades produtoras de mudas. Então, [não ter o cadastro] sempre foi um entrave para a comercialização dos produtos”, explica a pesquisadora.

Do ponto de vista comercial, o carro-chefe do laboratório é a fibra produzida pela planta curauá, da mesma família do abacaxi. O material resistente é comparado a fibras de vidro e pode ser inserido em processos fabris, permitindo a utilização pela indústria. 

Já é, inclusive, utilizado na fabricação de carros e na construção civil, como na formação de vigas, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Outra grande vantagem das pesquisas é a possibilidade de padronizar a produção. Isso pode fazer a diferença, conta Simone, no caso da fabricação de óleos essenciais feitos com plantas da Amazônia.

“Quando você traz uma planta do campo, você costuma ter uma desuniformidade muito grande de quantidade de princípios ativos. Através da cultura de tecidos, nós podemos produzir mudas mais padronizadas, que têm a concentração de princípios ativos que a indústria deseja”, explica a pesquisadora.

Potenciais

Doutor em Ciências dos Alimentos, Edson Pablo da Silva coordena uma pesquisa, no CBA, voltada a desenvolver bebidas a partir do açaí e bacaba, que atuam no combate a doenças ligadas ao acúmulo excessivo de gordura, como obesidade e aterosclerose.

O estudo iniciou há um ano e três meses e já traz avanços significativos, segundo o cientista. “Essa bebida foi desenvolvida para demonstrar a importância do açaí contra algumas doenças. Tivemos resultados muito satisfatórios em testes preliminares. Fizemos o desenvolvimento e agora faremos os ensaios in vivo [com ratos]”, conta.

O açaí e bacaba, duas frutas características da Amazônia, são ricas em compostos antioxidantes, componentes conhecidos da ciência como efetivos para a quebra de células lipídicas (de gordura) no organismo. 

Segundo o pesquisador, o projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) e tem como parceiro o Senai Cimatec de Salvador (BA). Esse último apoio, em especial, já permitiu conversas sobre a comercialização das bebidas.

“Já tivemos um primeiro contato com uma multinacional da área farmacêutica que está interessada no produto. Ainda não sabemos o local da produção, mas independente disso, vão precisar de insumos amazônicos, o que refelte nas cadeias produtivas da nossa região”, comenta.

Para além das bebidas, o laboratório em que Edson atua tem pesquisas sobre pães e bolos feitos com açaí, tucumã e bacaba. Uma das ideias, conta ele, é utilizar os alimentos na merenda escolar.

“Além do alto teor nutritivo, ensinamos às crianças o valor dos produtos da nossa região”, pontua.

Centro deve ter parceria com  a UFAM

A Fundação Universitas de Estudos Amazônicos (FUEA), que irá gerir o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), protocolou nesta semana um pedido para ser ‘fundação apoiadora’ da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). 

 A informação foi confirmada com exclusividade para A CRÍTICA durante entrevista do reitor da Ufam, Sylvio Puga, ao podcast Sim &Não. Segundo ele, esse é um primeiro passo para futuras parcerias do CBA e a universidade.

“Claro que não depende da minha decisão discricionária, tem que tramitar pelos nossos conselhos, mas eles protocolaram e já dei seguimento à proposta. Entendemos que ninguém vai trabalhar sozinho”, afirmou o reitor.

A FUEA é uma fundação de apoio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Segundo Sylvio Puga, ambas as universidades (UEA e UFAM) já possuem um acordo de cooperação técnica que inclui também o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam).

Durante a entrevista, ele lembrou também que a Ufam havia vencido o primeiro edital para administração do CBA junto a outras instituições do Amazonas, como a própria UEA. O edital, no entanto, foi anulado no primeiro ano do governo Bolsonaro.

Puga disse que  a Ufam participou do novo certame, porém, não foi selecionada. Ainda assim, se colocou à disposição do CBA. “Nós estamos aqui para somar e contribuir”, ressaltou.

Comentário

Michele Lins economista, doutora em desenvolvimento regional

Um novo capítulo para a economia regional do AM

"Espera-se que o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) possa se tornar um ambiente de negócios, de pesquisas sobre a biodiversidade e a riqueza da Amazônia com foco, principalmente, na inovação e no  desenvolvimento. 

O CBA  será capaz de atrair investimentos, incentivos que contribuirão para o desenvolvimento de novos produtos, aqueles que a gente chama de produtos da floresta, que são também produtos sustentáveis. O ato de assinatura desse decreto de autonomia do CBA nos dá a oportunidade de iniciar um novo capítulo para a economia regional com foco na economia verde. 

Isso possibilita repararmos a falta de investimentos e de políticas públicas de desenvolvimento para o interior do estado do Amazonas. Ao longo das minhas pesquisas eu chamo muito a atenção para a necessidade de buscarmos o modelo de desenvolvimento regional endógeno, que valorize as potencialidades regionais. E fico muito animada com a possibilidade de iniciarmos esse processo. 

Importante lembrar que para que tudo isso aconteça, nós precisamos transformar oportunidades em ações e para isso todos os stakeholders devem trabalhar em parceria e com objetivo comum. 

No Amazonas, já temos inúmeras pesquisa em andamento com produtos da floresta, porém,  capacidade para sermos grandes produtores e exportadores, acredito que ainda não temos, mas em termos de potencialidade, estamos no caminho certo".

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