Pesquisadores avaliam que decreto de autonomia do Centro de Bionegócios da Amazônia permitirá que mais produtos amazônicos cheguem às prateleiras
À esquerda, doutora em Ciências com ênfase em Biotecnologia Vegetal, Simone da Silva. À direita, doutor em Ciências dos Alimentos, Edson Pablo da Silva (Divulgação/CBA)
Fibras de plantas para a indústria, óleos essenciais, chocolates feitos com caroço de tucumã e até uma bebida de açaí que ajuda no combate à obesidade. Esses são só alguns dos exemplos de produtos que estão sendo desenvolvidos no Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), em Manaus, e que finalmente poderão ver as prateleiras comerciais.
Os insumos são estudados há anos, mas um decreto publicado pelo presidente Lula (PT) nesta semana, que confere autonomia jurídica e financeira ao CBA, permitirá aos itens serem produzidos em larga escala por meio de parcerias com empresas, gerando emprego e renda com matérias-primas amazônicas.
Doutora em Ciências com ênfase em Biotecnologia Vegetal, Simone da Silva coordena um laboratório com cinco bolsistas no CBA. As plantas são o principal objeto de pesquisa do grupo, que as divide em quatro linhas: ornamentais, medicinais, produtoras de óleo e produtoras de fibras.
Do ponto de vista comercial, o carro-chefe do laboratório é a fibra produzida pela planta curauá, da mesma família do abacaxi. O material resistente é comparado a fibras de vidro e pode ser inserido em processos fabris, permitindo a utilização pela indústria.
Já é, inclusive, utilizado na fabricação de carros e na construção civil, como na formação de vigas, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Outra grande vantagem das pesquisas é a possibilidade de padronizar a produção. Isso pode fazer a diferença, conta Simone, no caso da fabricação de óleos essenciais feitos com plantas da Amazônia.
Potenciais
Doutor em Ciências dos Alimentos, Edson Pablo da Silva coordena uma pesquisa, no CBA, voltada a desenvolver bebidas a partir do açaí e bacaba, que atuam no combate a doenças ligadas ao acúmulo excessivo de gordura, como obesidade e aterosclerose.
O estudo iniciou há um ano e três meses e já traz avanços significativos, segundo o cientista. “Essa bebida foi desenvolvida para demonstrar a importância do açaí contra algumas doenças. Tivemos resultados muito satisfatórios em testes preliminares. Fizemos o desenvolvimento e agora faremos os ensaios in vivo [com ratos]”, conta.
O açaí e bacaba, duas frutas características da Amazônia, são ricas em compostos antioxidantes, componentes conhecidos da ciência como efetivos para a quebra de células lipídicas (de gordura) no organismo.
Segundo o pesquisador, o projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) e tem como parceiro o Senai Cimatec de Salvador (BA). Esse último apoio, em especial, já permitiu conversas sobre a comercialização das bebidas.
Para além das bebidas, o laboratório em que Edson atua tem pesquisas sobre pães e bolos feitos com açaí, tucumã e bacaba. Uma das ideias, conta ele, é utilizar os alimentos na merenda escolar.
“Além do alto teor nutritivo, ensinamos às crianças o valor dos produtos da nossa região”, pontua.
Centro deve ter parceria com a UFAM
A Fundação Universitas de Estudos Amazônicos (FUEA), que irá gerir o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), protocolou nesta semana um pedido para ser ‘fundação apoiadora’ da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
A informação foi confirmada com exclusividade para A CRÍTICA durante entrevista do reitor da Ufam, Sylvio Puga, ao podcast Sim &Não. Segundo ele, esse é um primeiro passo para futuras parcerias do CBA e a universidade.
A FUEA é uma fundação de apoio da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Segundo Sylvio Puga, ambas as universidades (UEA e UFAM) já possuem um acordo de cooperação técnica que inclui também o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam).
Durante a entrevista, ele lembrou também que a Ufam havia vencido o primeiro edital para administração do CBA junto a outras instituições do Amazonas, como a própria UEA. O edital, no entanto, foi anulado no primeiro ano do governo Bolsonaro.
Puga disse que a Ufam participou do novo certame, porém, não foi selecionada. Ainda assim, se colocou à disposição do CBA. “Nós estamos aqui para somar e contribuir”, ressaltou.
Comentário
Michele Lins economista, doutora em desenvolvimento regional
Um novo capítulo para a economia regional do AM
"Espera-se que o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) possa se tornar um ambiente de negócios, de pesquisas sobre a biodiversidade e a riqueza da Amazônia com foco, principalmente, na inovação e no desenvolvimento.
O CBA será capaz de atrair investimentos, incentivos que contribuirão para o desenvolvimento de novos produtos, aqueles que a gente chama de produtos da floresta, que são também produtos sustentáveis. O ato de assinatura desse decreto de autonomia do CBA nos dá a oportunidade de iniciar um novo capítulo para a economia regional com foco na economia verde.
Isso possibilita repararmos a falta de investimentos e de políticas públicas de desenvolvimento para o interior do estado do Amazonas. Ao longo das minhas pesquisas eu chamo muito a atenção para a necessidade de buscarmos o modelo de desenvolvimento regional endógeno, que valorize as potencialidades regionais. E fico muito animada com a possibilidade de iniciarmos esse processo.
Importante lembrar que para que tudo isso aconteça, nós precisamos transformar oportunidades em ações e para isso todos os stakeholders devem trabalhar em parceria e com objetivo comum.
No Amazonas, já temos inúmeras pesquisa em andamento com produtos da floresta, porém, capacidade para sermos grandes produtores e exportadores, acredito que ainda não temos, mas em termos de potencialidade, estamos no caminho certo".