UM SOM DE ESPERANÇA

História de amazonense mostra que a surdez não silencia os sonhos

A evolução da jovem Jaqueline Souza da Silva, 21, desde a primeira palavra até hoje, foi possível graças ao apoio familiar e ao tratamento médico precoce e adequado

Amariles Gama
online@acritica.com
09/11/2024 às 15:20.
Atualizado em 09/11/2024 às 15:20

(Foto: Paulo Bindá)

Ouvir as primeiras palavras dos filhos é uma emoção para os pais, mas, para a artesã Francisca Souza, de 45 anos, esse momento teve uma dose extra de felicidade que ela não esquece até hoje. Aos 7 anos de idade, sua filha, a estudante Jaqueline Souza da Silva, hoje com 21 anos, conseguiu pronunciar pela primeira vez a palavra “papai”. Esse foi um marco de superação na vida da jovem amazonense, que tem perda auditiva severa, mas, com tratamento adequado, conseguiu desenvolver a fala.

A evolução de Jaqueline, desde a primeira palavra até hoje, foi possível graças ao apoio familiar e ao tratamento médico precoce e adequado. Atualmente, ela está prestes a concluir o ensino médio e já pensa em fazer faculdade, mostrando que a surdez não foi uma barreira para realizar seus sonhos, apesar dos desafios diários para se comunicar.

“No meu dia a dia, gosto de arrumar a casa, passar pano e cuidar dos meus cachorros. Eu digo que pareço a Cinderela”, brincou Jaqueline, destacando que a paixão pelos animais influenciou sua escolha profissional. “Quero ser veterinária. Tenho dois cachorros e um gato, e ainda cuido do cachorro do meu primo”, contou, sorrindo.

A mãe de Jaqueline relata que, desde criança, a filha apresentava um comportamento diferente dos outros irmãos, não respondendo a estímulos sonoros, como a televisão, e demonstrando certo atraso no desenvolvimento. Aos 5 anos, Jaqueline teve uma hemorragia cerebral, e, somente aos 10, foi diagnosticada com perda auditiva severa em ambos os ouvidos. Com tratamento médico e acompanhamento familiar, Jaqueline começou a evoluir na comunicação oral.

“Com cinco dias de vida, Jaqueline teve um problema e precisou ficar internada. Desde então, começaram os problemas dela. Percebi a surdez por causa da televisão: ela não prestava atenção. Chamávamos, e ela não respondia. A levei ao otorrino, e veio o diagnóstico. A partir daí, ela começou a evoluir, lendo os lábios; a gente falava, e ela entendia pelos lábios. Jaqueline tem esse problema auditivo, mas faz tudo, tudo o que você imaginar. Ela é muito inteligente”, disse Francisca.

Prevenção e Conscientização

O médico otorrinolaringologista Luiz Avelino explica que a surdez pode afetar desde a criança que já nasce com a condição, detectada pelo teste da orelhinha, até o idoso, que pode ter perda auditiva devido à idade ou outras doenças. A condição pode ocorrer em várias faixas etárias e por diversas razões.

“A perda de audição ocorre em diferentes idades e por diversos motivos. É um sintoma que, quando presente, demanda atenção médica. Uma pessoa que não escuta enfrenta algumas limitações no dia a dia. Então, quanto antes diagnosticarmos e tratarmos, maiores as chances de que essa pessoa tenha o retorno da audição ou um suporte para desempenhar suas funções”, explicou o especialista.

Avelino também destaca que a perda auditiva afeta áreas fundamentais da vida, como a interação social e o aprendizado. “Com a perda de audição, a pessoa tende a se isolar por não entender o que perguntam, como em uma reunião de final de ano, por exemplo. Isso pode levar ao isolamento e, eventualmente, à depressão. Em crianças, a surdez pode comprometer o aprendizado e a interação social”, disse.

Segundo ele, a principal causa é genética, ou seja, a pessoa nasce com uma predisposição genética que resulta em perda auditiva. No entanto, outras causas incluem o uso de alguns medicamentos, traumas ao longo da vida, doenças maternas, infecções e exposição prolongada a ruídos altos, entre outros fatores.

Tratamento da Saúde Auditiva pelo SUS

Há 20 anos, o Ministério da Saúde (MS) instituiu, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA), uma linha de cuidado que começa com o teste da orelhinha e o diagnóstico precoce e se estende ao longo de toda a vida da pessoa com deficiência auditiva.

Em 2012, o Amazonas passou a integrar essa política por meio da Secretaria de Estado da Saúde (SES) em parceria com a iniciativa privada. A Otoclin, localizada na avenida Constantino Nery, 45, no Centro de Manaus, é uma clínica credenciada junto ao ministério e à secretaria para realizar os atendimentos na capital amazonense.

Terapia e Inclusão

No dia 10 de novembro, é celebrado o Dia Nacional de Prevenção e Combate à Surdez, uma data importante para lembrar que a população surda — crianças, adultos e idosos — tem acesso a tratamento gratuito pelo SUS por meio da PNASA. Em alguns casos, com o tratamento adequado, o paciente pode até voltar a ouvir e ter uma vida socialmente integrada na escola e no mercado de trabalho.

O fonoaudiólogo Welton Oliveira, que atua no setor de reabilitação auditiva, explica que, após o diagnóstico de perda auditiva, geralmente logo na maternidade, o paciente é encaminhado para uma série de testes clínicos para verificar o tipo e o grau da perda auditiva.

Com base nessa análise, o profissional indica o tratamento adequado e, em muitos casos, o uso de aparelhos auditivos, que também são disponibilizados gratuitamente pelo SUS. Welton destaca que o sucesso do tratamento depende de acompanhamento personalizado, e os aparelhos auditivos, quando indicados, precisam de ajustes para garantir conforto e eficácia.

“O processo de reabilitação pode começar desde a infância até a fase adulta. A reabilitação é feita por meio de testes e avaliações para identificar as dificuldades do paciente, incluindo avaliações auditiva e de fala. Conforme o diagnóstico, elaboramos um programa de reabilitação focado nas habilidades articulatórias e auditivas. Assim, cada paciente recebe um atendimento personalizado conforme a idade e o tipo de perda”, explicou.

Os profissionais apontam que um dos maiores desafios no tratamento da saúde auditiva é a falta de informação sobre os tratamentos oferecidos gratuitamente pelo SUS. O acesso a diagnósticos e tratamentos precoces, somado ao apoio familiar, é essencial para garantir a qualidade de vida das pessoas com deficiência auditiva.

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