Mesmo com duas secas severas seguidas, os 62 municípios e o Estado não têm planos para adaptação a esses extremos climáticos
Vista aérea de ribeirinhos transportando a produção de banana sobre o leito seco do rio Solimões, na comunidade Pesqueiro, em Manacapuru, estado do Amazonas, em 30 de setembro de 2024, durante a segunda vazante histórica do rio. (Foto: Michael Dantas/AFP)
Baku - Mesmo após duas secas históricas que deixaram, cada uma, mais de meio milhão de pessoas isoladas no Amazonas, o estado e as 62 prefeituras não têm planos que preveem adaptação a esses extremos climáticos. Em um ano com furacões, fortes enchentes e estiagens severas, o mundo discute até a próxima semana meios de se adaptar à mudança do clima na 29ª Conferência das Partes (COP29), em Baku, no Azerbaijão.
Enquanto isso, devido à despreocupação dos gestores municipais com o tema, a Escola de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), presidida pelo conselheiro Júlio Pinheiro, prepara uma reunião presencial com os prefeitos recém-eleitos e reeleitos para destacar a pendência e a obrigatoriedade de definir os planos.
A informação foi confirmada pelo promotor Ruy Marcelo Alencar, titular da coordenadoria de meio ambiente do Ministério Público de Contas (MPC). O órgão ligado ao TCE tem feito cobranças individuais aos prefeitos, algumas com decisões já proferidas em favor da necessidade de elaboração dos planos.
“Pelas evidências até aqui, a execução da política pública é tímida e aquém da gravidade e urgência do enfrentamento dos riscos e vulnerabilidades a eventos extremos e outros impactos sociais, ecológicos e econômicos da mudança do clima”, avalia o promotor.
“Não temos ainda resultados e ações mais eficazes e com grande dependência de recursos financeiros de outros entes por não terem tais políticas no Estado a devida prioridade requisitada constitucionalmente”, acrescenta.
A ausência dos planos mostra também um deslocamento das políticas públicas nesta área com algo que já é sentido na pele dos brasileiros. Uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em julho, aponta que 97% da população do país afirma que já percebe os impactos da crise climática no cotidiano, o que reforça a impossibilidade de as cidades continuarem sem planos climáticos.
Além disso, conforme o mesmo estudo, ao menos 77% dos brasileiros experimentaram algum evento extremo nas semanas anteriores ao estudo. O calor (65%), chuvas intensas (33%) e seca extrema (29%) foram os mais comuns.
Cenário geral
Vale dizer que a ausência de planos climáticos é um problema observado em todo o país. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a especialista em política climática e chefe da diplomacia para cidades na C40 Cities, Marina Marçal, o assunto costuma ficar restrito à área federal. A C40 Cities é o grupo de 40 Grandes Cidades para a Liderança do Clima.
“Temos mais de 5 mil municípios brasileiros e, destes, apenas 23 têm planos de aão climática”, alertou a especialista. Outro levantamento feito, em maio, pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao Observatório das Metrópoes, apontou que 15 das 27 capitais brasileiras e o Distrito Federal não têm planos de ação climática. Manaus é uma delas.
Manaus
A reportagem procurou o secretário de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Mudança Climática de Manaus, Antônio Stroski, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. Em maio, quando completou um ano do anúncio pelo prefeito David Almeida sobre a criação de um plano, o gestor afirmou para A CRÍTICA que a gestão corria para finalizar o documento.
Ele afirmou que o plano terá ampla participação da sociedade na sua construção e será construído em parceria com universidades do Amazonas e com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).
A reportagem também procurou a Associaão Amazonense de Municípios (AAM), por meio do presidente Anderson Sousa, prefeito de Rio Preto da Eva, mas não houve retorno.
O repórter viajou a Baku, no Azerbaijão, a convite do Instituto Clima e Sociedade
MPC cobra governo e prefeituras
O governo do Amazonas também ainda não finalizou a elaboração do plano de ação climática, apesar de ter enfrentado desde a maior cheia já registrada, em 2021, e a maior seca da história neste ano.
A gestão estadual, assim como as prefeituras, também é cobrada pelo MPC-AM a criar um plano que preveja a redução da contribuição para a mudança do clima e a adaptação aos extremos climáticos.
Um exemplo é um acordão do TCE-AM, de maio deste ano, que determinou ao Ipaam a cobrança do inventário de carbono das empresas no licenciamento ambiental e medidas de compensação pelos gases do efeito estufa emitidos, já que há forte contribuição para a crise climática.
Secretário aguarda governo federal
Na semana passada, o secretário de meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, afirmou para A CRÍTICA que o Estado aguarda a gestão federal finalizar a atualização do novo plano do clima. O documento deve apresentar medidas para prevenir e lidar com a crise climática, e será uma revisão de outra versão já existente.
“A gente está aguardando o governo federal finalizar a instituição da política nacional para que a gente possa não ter o mesmo problema que tivemos no lançamento do plano de combate ao desmatamento e queimadas da Amazônia. Os estados se anteciparam, lançaram antes, por causa da demora do governo federal, e quando a gestão federal lançou,os estados tiveram de adequar o que já estava feito, porque havia desalinhado”, afirmou.
Ele também acrescentou que o governo estadual tem um “plano operativo” tocado pela Defesa Civil, que prevê atuação frente a ocasiões de extremos climáticos, como fortes chuvas ou secas. “Está em construção agora e, a partir disso, o Estado terá todo o arcabouço legal para lidar com a crise climática”.
Embora aguarde as diretrizes federais, o estado já tem a Lei n.º 6.528/2023 aprovada, que estabelece as diretrizes gerais para elaboração de planos climáticos no Amazonas. O projeto foi proposto pelo deputado estadual Roberto Cidade (União), presidente da Assembleia Legislativa e aliado do governo estadual.